A Divina Comédia (Xavier Pinheiro)/Prefacio de J. A. Xavier Pinheiros

Não é dificil para mim, filho do traductor d’esta obra, dizer algo sobre a sua vida, que, desde a infancia, foi cheia de contrariedades e de lutas. Ninguem melhor poderá narrar a vida do meu saudoso progenitor do que eu, que o faço, sem pretensões de estylo, desataviadamente.

A biographia de meu Pai não é dificil de ser traçada: com duas pennadas estará feita.

Os seus contemporances ainda se recordam d’elle como um homens de caracter illibado.

Nasceu na capital da ex-provincia da Bahia de S. Salvador aos 12 de outubro de 1822. Seu pae foi rico negociante e, devido á traição de um amigo em que confiara quasi que todos os seus haveres para a realisação de transacção de alta monta, ficou pobre, quasi que na miseria e meu Pae, que tinha então seus 14 para 15 annos, viu-se impossibilitado de continuar os seus estudos de humanidades, que estazam em gráu adiantado.

Filho dedicado e amantissimo, vendo seus progenitores na dura contingencia, depois de certo conforto e bem estar, obrigados a trabalhar para tirarem a substancia quotidiana, não quiz ser mais pesado aquelles que tanto se esforçavam para completar a sua educação litteraria. Revestido de coragem, abandonou o aconchego do seu lar tristonho e na penuria, foi leccionar o que sabia em varias fazendas de amigos de seu pae, que o acolheram de braços e bolsas abertos.

O pouco que recebia como gratificação ao seu trabalho de professor de creanças, entregava a meus avós, ficando só com o necessario para a compra de roupa.

Esta existencia tão tenra e forte lutou assim uns cinco e seis anos.

Os fazendeiros que apreciaram a energia viril da creança stoica, não puzeram duvida em protegel-a, pondo á sua disposição livros e dinheiro para que completasse a sua educação. Intelligencia lucida, com desejo de saber tudo, aceitou o offerecimento de seus. protectores e de posse de litros, com conhecimentos que tinha, foi se aperfeiçoando, recebendo novas luzes e haurindo novos conhecimentos.

Foi assim que a historia, a philosophia, a logica, as sciencias naturais e as linguas latina, francesa d’aque falamos, a agronomia, economia politica e outras ciencias, elle conheceu através os livros comprados pelos amigos de seu pai, que apreciavam a força de vontade do bom filho e a intelligencia do moço ávido de aprender.

Com a proteção de tão dedicados amigos, men Poe veiu de novo para a Capital indo para a companhia de seus progenitores, pois tinha obtido meios praticos para fundar um jornal.

A sua vida tomou nova phase. A creança fez-se homem. Sua intelligencia já tinha o preparo sufficiente para arcar com todas as difficuldades de qualquer carreira: tornou-se jornalista arranjou outro meio, attrahiu novos amigos, conquistou sympathias, grangeou nomeada.

Seus amigos d’aquella epoca, Dr. João Mauricio Wanderley (barão de Cotegipe), Dr. João Alves Portella, Dr. José Antonio Saraiva, Dr. Manoel Pinto de Souza Dantas, Dr. João Adrião Chaves, D. Romualdo Seixas (arcebispo da Bahia), Dr. Abilio Cesar Borges (barão de Macahubas) e outros, que subiram ás mais altas posições no imperio, foram testemunhas do valor intellectual do jornalista que fazia todo um jornal, desde o artigo de fundo á noticia leve, bem feita e do polimista terrivel que esgrimia com sangue frio e habilidade.

Honve uma epoca em que a sua penna ao mesmo tempo escrivia para tres jornais politicos, fazendo, com criterio elevado, com brilhantismo raro, as delicias dos seus contemporaneos. Para o moco jornalista não havia questão por mais intrincada que não disse a sua opinião, que era pesada e julgada como competente.

A instancias de seu amigo particular e intimo, seu compadre duas vezes, Dr. João Alves Portella, então deputado provincial, (estudou tachygraphia e tornou-se, em tres meses, stenographo.

De uma memoria prodigiosa, poude alcançar successo na rendosa arte.

Fez-se contratar na assembléa provincial, sendo o unico a J.: cu todo o serio dos debutes.

De uma independencia de caracter pouco commum, de uma altivez indomavel, de uma energia inquebrantavel, de um temperamento vibratil, meu Pae tinha assomos de leão quando sentia que seu amor proprio era ofendido, e foi por isso que, com grande magua no coração e tristeza n'alma triste sun, abandonou a sua terra natal, seus velhos paes e sua esposa e filhos.

Uma questão de brio offendido, nascida de uma discussão em jornal político, que então meu Pae dirigia e redigia , com o presidente da assembléa provincial, cujo resultado foi a expansão material de um tinteiro vibrado ás faces do offensor, fez com que deixasse o circulo de seus affeiçoados.

Chegado á Côrte, meu Pae, devido á influencia de seu amigo barão de Cotegipe empregou-se como 2.^o official da seceretaria da justiça, sendo transferido depois para a da agricultiura, commercio e obras publicas, onde occupou todos os cargos, até director interino.

Incansavel no trabalho, ávido de alcançar tudo, meu Pae des... ...dade em várias ocupações, como tachygrapho como redactor de jornais, como traductor de obras, como secretario de ministros, como correspondente de jornaes de fora e como professor. Não conhecia a palazra cansaço, tinha methodo par.z o trabalho, sabia cumprir os seus doceres e cra um c.rcmplar esposo, um dedicado p.un attuoso amigo, w loal politico. Hmm.. si satirado do que ell. ningem mais do quelle ..... mesmo daquelles que tinham inceja do seu aur, Stiv terorde’s CIN proclamar o se’n merilo.

O «Jornal do Commercio», o «Correio Mercantil», o «Diario do Rio de Janeiro»), o «Globo», a «Semana Illustrada», «A Reforma contros jornacs e revistas guardam nas suas collecções a zariedade du collaboração do talento de men progenitor. Outro teria deixado sobrinhas), licrecos, como altestados de talento.

Na Bahia publicou um livro didactico, que está hoje na duodecima edição «Epitome da Historia do Brasil e «Eloquencia Sagrada.

Para outros elle facia litros, afim de figurarem como csoriplores d.dulicos. pcelas e romancistas. Innumeras traducções de chras scientificas correm mundo publicadas com pseudonimo, sem preocupado do Su nome figurando nellas.

A sua bibliotheca escolhida e variada era seu conforto. Lia, cstudara os classicos com um amor apaixonado. Duriamente consagraca uma hora para os seus escriptores predilectos: Frei luiz de Souza, Forno Puito. Tamkio de Gees. Vanec Bernardes, Ca. moes limeidd Garnell..bonara a sua lingua com lanto carinho, que mi collocato di un pronome’. o uso de um gallicismo, de uma impropri tudi, dam cochilo. na motivo para carbal-o on CON- Um cscriplor qualquer que cahisse ein scu desagrado pela primeira res, não tinha direito a ser lido jámais por elle, ainda que melhorasse de forma, ainda que trouxesse a melhor das recommendações.

Cultivava o latim, e na sua estante de classicos tiam-se Terencio, Juvenal, Lusano, Virgilio, Ovidio, Lucrecio e Horacio, dos quaes tinha de memoria os trechos mais bellos.

Na secretaria da agricultura, onde trabalhou cerca de vinte e tantos annos, deixou provada a sua competencia em parceres, informações e relatorios sobre assumptos de immigração e agricultura. linda estão vivos companheiros seus de repartição, como os Srs. Machado de Assis e Arthur Azevedo, que podem ainda dizer do seu valor como funccionario publico.

A sua vida inteira, quarenta annos pelo menos, foi dedicada ás lettras, para não ser lembrada pelos seus contemporaneos.

Ninguem mais do que elle vivia das lettras, ninguem mais d’ellas cuidou com mais carinho, com mais dedicação.

Pela sua memoria, embora me faltem requisitos, hei de, emquanto viver, pugnar pela perpetuação de seu nome, porque não conheço na minha terra quem mais mereça do que elle.

Contra o silencio que tem sido feito em torno do nome de meu querido procenilor, com a publicação do primoroso trabalho, inegualavel, da traducção da «Divina Comedia».

Foi em 1874. depois de ter lidt), «Globo», uma traduccio feita pelo primeroso escriptor Vachado de Assis, de un canto do INFERNO», qu: mou Pue se abalançout a «tomar tamanha empreza»

Meu progenitor, depois de ter lido conto traduzido pelo pre Cold Braz Cubas e achul-undar, interpretul, a 001. c! de se’n college.o canto imediato. O Sr. Machado de Issis achon que a tradução era primorosa c que quem tinha ido bem comprehendido c poeta florentino, podia traducir todo o poema e isso o disse, de vita zoz, 6 mon progenitor. que proclamava o seu collega como o causador d’elle’or posts todo o resto de sua c.xistencia na trasladação de pouma para a nossa lingua.

Meu Pae dizia a quem o quisesse ouvir, que ficara abalado com o conselho daquelle escriptor e por algum tempo lutou para por mãos á obra.

A vaidade de home’n zenit it 0, 1 a 25 de dezembro de 1874 começou a traduzir os tercetos do Inferno». Diser o que foi essa luta, csse esforço, limonlar postundamente que meu Pae tivesse procurado este meio para suicidar-se dvs poucos, lentamente.

Todos os commentadores, todas as traducções, todos os interpretes, encheram uma grande estante, de 12 prateleiras, e, cercado do original e de todos os livros referentes á obra, começou o trabalho herculeo da traducção. Quatro, seis horas por dia, consagrava ato immortal pocma; <foi assim, com uma dedicação sem limites, com um amor sem igual, que traduciu s 34 cantos do Inferno», Os 33 do Purgatorio e os 3 do Paraiso.

Meu Poe, quando encetun a tradução da «Divina Comedian, inudou, de modo nolazel, a sua vida. Ercrcia como sempie’SICS funcções de burocrata e de stenographo, mas desviou-se do conviaio dos amigos e da sociedade, tornou-sContro; o seu genio que cra indomazyl, transformou-se inteiramente, so zicia a ler os commentador’s da obra, só falanı dos obices que encontrada: estava, inteiramente obredado polo cantor da filha de Portinari.

Minha idolatrada e saudosissima vie por muitas vezes quis intiri pungi min late dessis levibuide it, que não poude porque, dizia elle, a sua honra estara empenhada na conclusão do trabalho.

Feita a traducção dos cem cantos do poema, começou nozo esforço, nova luta: a annotação.

O que é a traducção do poema já está mais ou menos julgada. pelo Inferno», que foi publicado em 1838, editado pelo sr. Jose Luiz de Freitas, meu ex-cunhado, pelo que disscram as pennas dos escriptores nacionaes Arthur Azevedo, Luiz Murat, Valentin Nagalhães, Lima Campos e outros. A annotação é uma maravilha: pode-se dizer que cada verso tem uma explicação elucidativa é que demonstra o quanto lcu, o quanto estudou meu Pae para bem fazer a sau traducção.

Traduzir, qualquer traduz; agora traduzir com amor, vizer com o poeta, interpretar-lhe o pensamento, descobrir o que elle quis diser, com acerto, remontar á cpoca em quc clle vicu, conhecer irinucias da sua vida, como fez o pocta lahiano de quem me 1.fano, e fazer cousa rara, como não se tem feito aqui no nosso pais ecreio que na lingua portugueza.

O verso é classico, o portuguez é de lei.

Quem me lê, achará que exagéro? Creio que não; faria o mesmo que eu faço, porque a verdade é uma: a obra ahi está, completa, exactissima, como o poeta a traduciu, a interpretou c a annotou.

O poeta-interprete do Dante fez mais do que poude, deu mais do que os outros que o tentaram fazer. A minha vaidade está em ser a traducção completa que ora apparece, a primeira que se fez na lingua portuguesa, esmerada e artisticamente trabalhada.

Depois da annotação, o traductor da «Divina Comedia» estudou a obra dantesca» analyticamente, trecho a trocho, e deu-lhe a sua on pressão c a dos innumeros commentadores. É um volume especial que ha de apparecer proximamente, com mais cagar.

A traducção da «Divina Comedian, encetada em dezembro de 1874, ficou definitivamente prompta, passada a limpo para o prelo, em janeiro de 1882.

Os originaes têm variantes, que as preferi, porque achei como ultima palavra do poeta-traductor.

O poeta-traductor teve um derramamento cerebral a 27 de março de 1882 e falleceu a 20 de outubro do mesmo anno, com 60 annos de edade.

Ha 20 annos que lúto pela impressão da obra. O primeiro que se occupou do valor da traducção, foi o distincto homem de lettras Sr. Dr. Valentim Magalhães, nas «Notas á margem», da «Gazeta de Noticias», transcrevendo trechos e fazendo justiça ao merito do trabalho. Minha familia deve-lhe esse obsequio, que aqui assignalo com sinceridade.

Ainda no imperio, minha querida Mãe foi procurar o Sr. D. Pedro de Alcantara, então imperador, para pedir a impressão. na Typographia Nacional, da obra que elle apreciara nas celebres palestras do Collegio que tinha o seu nome, e cuja primeira parteo «Inferno» föra-lhe entregue por men Pue, seu amigo e admirador sincero, em papel superior, calligraphia optima e capa de telludo verde com as armas imperiaes grazadas a ouro.

A resposta não se fo: demorar:

— Que já sabia ter o meu progenitor deixado, em manuscripto, tão importante obra e que esperasse, por que tudo faria. E eu estaria ainda á espera ale’hoje.si me fasse em promessas imperiaes feitas a uma viuta de um servidor kcal, no bajulador e que lauto soffreru em preteri na sua carreira de burocrata. (traductor da «Divina Comedia linha desejo de publicar o seu trabalho com as gratuias de Gustavo Donec fazer uma edicio rica, condigna do excelso poeta florentino.

A fatalidade quiz que não pudesse satisfazer o seu desejo de artista e nem recebesse de seus patricios os louvores pelo seu trabalho ingente.

luta que travei para a publicação da obra que tantos sacrificios custara a meu Pae, inclusive o de perdel-o para todo o sempre, está no dominio de todos aquelles que me conhecem.

Não quero, dizendo isso, attrahir glorias para mim, mas necessito accentuar que o meu serviço na publicação de tão grande monumento litterario fez-se com o meu amor & memoria d’aquelle de quem me orgulho, com extraordinaria abundancia de sentimento filial.

Em 1393, o meu distincto e particular amigo, homem de talento, poeta de merecimento e ardoroso republicano, capitão Americo de Albuquerque, que exercia o cargo de intendente municipal, querendo dar-me uma prova de sua dedicação e amizade e prestar uma homenagem de justiça ao meu querido progenitor, commemorou o 169 anniversario do seu passamento, produzindo na memorazel sessão de 20 de outubro d’aquelle anno, no seio do Conselho Municipal do Districto Federal, um extraordinario discurso, rico de forma e de belleza, pondo em evidencia o merito do trabalho do poeta brasileiro.

Ainda tenho n’alma as palavras ungidas de sinceridade proferidas pelo meu bom amigo Americo de Albuquerque, que não só fez princivico do illustre morto, como apresentou um projecto de lei autorisando o Prefeito a mandar imprimir no Instituto Profissional, estabelecimento municipal, a obra completa traduzida por meu saudosissimo progenitor.

Esse projecto obteac, além da assignatura de seu digno autor, as dos Srs. Eugenio Carvalho, Tertuliano da Gama Coclho, Carlos Joaquin Barbosa, Manoel Correa de Jello, José Francisco Lobo Junior, Dr. Luiz Carlos Duque Estrada, Quirino de Araujo, Dr. Henrique Tavares Lagden c Dr. Joaquim José da Rosa, meus distinctos amigos, que se ligaram, de coração, ao preito prestado ar brasileiro que tanto enaltecera as lettras nacionacs.

Toda a imprensa vibrou um himno unisono, fazendo os maiores clogios d idea de Amcrico de Albuquerque e de seus collegas que se ligaram a elle.

Disse toda a imprensa, não é verdade; um jornal— «A Cidade do Rio», foi o unico que, esquecendo que tinha como director um homem de talento, atacou o projecto que mandava imprimir a maravilhosa epopea e profligou o procedimento de um brasileiro intelligente que queria salvar do olvido e das traças um trabalho primoroso e que cum padrão de gloria para as lettras patrias. Neste comorto de applausos, somente hour’e essa reprovação. Não me importci, não me mclindrei: partia de um inimigo politico. que, não me podendo fazer mal, frente á fronte, procurou ferir o meu coração de filho amante c cxtremoso, offcndendo a memoria de um cntc caro.

Registro o facto, nestas paginas, para que todos azalicm a quando chega o odio humano.

O projecto-, Imerico de 1lbuquerque foi approvado cm tres discussões. com maioria absoluta, sempre com a grita d’aquelle supracitado jornal zu spertino que atis pediu para clle um «iclo morali. sador! O Prefeito dcntio, o Sr. Dr. Ubaldino do Amaral, que dizem ser um intellectual, não sanccionon o projeto, mas tambemn não o «vetou», como desejar’a aquelle jurnal; deixou passar os dias dulcie o tur-presidente do Conselho Municipal promulgou-o a 3 de nociembro de 1898.

Em preciso, para que fique bem accentuado o meu serviço na publicacia d’esta obra, registrar o que disse Gustaso Santiago, esse moço de grandes idéues e de coração extraordinario, quando o projecto approvado subiu á sancção do Prefeito:

«Resta agora que o Prefeito, o illustrado e intelligente Sr. Dr. Ubaldino do Amaral, no desmerecendo da tradição que o acompanha de longe de ledor enthusiasta de Anthero de Quental, com a largueza de vistas propria aos verdadeiros intellectuaes, amando Verlaine e admirando Mallarmé, com um respeito profundo por Baudelaire-o extraordinario contemplativo: resta agora que S. S. lhe dê a sua assignatura, francamente, desassombradamente, sem pequeninas considerações ignobeis, sem coisinhas de economias lorps, tornando-o de logo lei, lei que só o pode encher de satisfação, lei que, de futuro, talves seja d.is unicas poucas a salvarem-lhe a adminis. tracilo.

Ha em quc cronomisar: é na suppressão de verbas desnecessarias, na diminuição de empregados filhotes », no ndo a crescimo de obrigações despendiosas e innteis. Tratando-se, porém, da intellectualidade de um paiz, de trabalhos e serviços que so elles que vão servir para de algum modo fazer esquecer aos posteros as miserias e infamias contemporaneas, não se tem o direito de titubear, de ficar indeciso entre concedere negar, de olhar para isto out para aquillo.

Assigae S. S. a lci sem fraquezas inadmissiveis, Sim dubiedades grosseiras e profundamente cara. cteristicas dos temperamentos mediocres, cterá prestado ao Brasil sortiço maior que o do proprio gozrno do bacharel Prudente de Moraes, durante os seus quatro anos de tida.»

Apesar d’esse forle e patriotico appello, o Sr. Dr. Cbaldino do maral preferin não ligar o seu nome á grande obra, praticando um acto de inteira justiça a um patricio digno de todo o apreço: não sanccionou, deixou que outro o fizesse. Prior para clle. Approvada a redacção final do projecto--merico de —1/buquerque em 28 de outubro e promulgada a lei em 3 de novembro, restava obter-se o credito para a impressão da obra de llighieri e Xavier Pinheiro.

A campanha ido estava finda: o meu trabalho deria continuar, sobranceiramente, com o intuito firme de saltar do esquecimento a obra-prima da litteratura italiana, a tradução mais connecta e mais artistica que se faz na lingua que falamos e esercacmos. O mesmo Conselho Municipal que fizera a lei. foi ao encontro do Executivo Municipal, e, quando confeccionou o orçamento para 1899, consignou, em um dos seus paragraphos, como despesa, a verba de quinze contos de réis para a impressão da obra que meu Pae interpretou como rara fidelidade.

Vencida esta campanha, tornava-se necessario obter a antorisação do Prefeito afim de que os originacs da obra fossem para as officinas typographicas do estabelecimento municipal. Requeri ao então Prefeito interino, o Sr. Ilonorio Gurgel, a autorisação, e, como o Instituto Profissional e dependente da Directoria de Instrucção, o meu requerimento foi as mãos do Sr. Benedicto Talladares.

Este cidadão, que tem um pergaminho outor cm borla capello, ao informar o meu requerimento pedindo um cousa legalissima, autorisada, disse umas som saborias, uns dislates, tantas necedades, que me di forçado a dirigir-lhe uma «Carta Abertas em 22 de maio de 1899, pela «A Tribuna), provando a sua incompetencia, o pouco criterio que teve ao informar o meu requerimento.

O Prefeito interino, que tambem dizem ser um homem lido e entendido em cousas litterarias, mostrou-se infenso á publicação da obra e... concordou com a informação do doutor ei borla e capello, do Sr. Benedicto Valladares.

Aqui ficam os seus nomes consignados como lembrança do muito que lhes devo.

Não esmoreci com a informação, nem com a confirmação das duas «autoridades».

Em 13 de julho do mesmo anno, o talentoso e honrado intendente Leoncio de Albuquerque, meu intimo amigo, apresentou uma indicação com endereço ao Prefeito, o Sr. Dr. Cesario Alvim, para cumprir a lei que autorisara a Prefeitura a imprimir, á sua custa, A Divina Comedia», e a que dava o credito necessario para a sua impressdo.

Esta indicação, que foi approvada sem debate, teve a assignatura de outros amigos meus, cujos nomes assignalo desvanecido e grato, e sdo as dos Srs. Dr. J.J. Pereira Braga, coronel Carlos Leite Ribeiro, Ataliba Pinto dos Reis, Dr. Frederico Smith de l’asconcellos, Dr. Jodo de Figueiredo Rocha, Antonio José Leite Borges e Pedro. M. dos Reis.

Enviada ao Sr. Prefeito, em cópia-authentica, a indicação, o caso que fez foi não dar a menor importancia.

Ainda d’esse senhor dizem que elle cuida de consas litterarias e aprecia as bellas lettras...

Deu excellente demonstração, com o seu procedimento, não ha duirida.

Veiu outro Prefeito, este amigo, mas... den.xou para o outro. Tein vutro, este amigo tambem, mas... nada fire sahiu.

O grande pocta das «Ondas». Luis Murat, dirigir a 22 de agosto de 1901, pela «A Tribuna, uma Carta Aberta ao Sr. Dr. João Filippo Pereira, que era o 2" Prefeito amigo que com cerIcca leu-a, mis n: 20 comprehenden ou não quis comprehender os desejos manifestados pelo poeta.

A Carla ficou sem resposta.

Outro que não fosse eu já teria desanimado c tomado o conselho de meu irmão mais ie! ho é meu amigo, quando o hucharri Benedicto l’alladares den OSCH estupefaciente parecer 170 meu requerimento: queimar na praça publica, com testemunhas cum proIesto em negra, os originais da traducção.

Não esmorcci e conserzei, com mais carinho e com mais amor, os originacs queridos do mcu idolatrado progenitor.

Tinha confiança na minha tenacidade caguardara dias melhores.

O illustre bahiano, deputado federal, Sr. Jodo Veira, que me distingue com algum apreço e amizade, pus-se a minha disposição para apresentar uma proposição a Camara dos Deputados, mans dando o governo federal imprimir a tradução na Imprensa Na cional. Não rejeitei a gentileza extraordinaria do meu distincto concidadio, mas ponderei-lhe que tinha uma li municipal que dependia de cumprimento. Si ella me falhasse inteiramente, correria pressuroso a aceitar o oflenecimento do meu bom e generoso amigo. Teht noco Prefeito e este, mais amigo do que os outros, alma sonhadora, espirito cullo, capaz de aruliar um trabalho artistico c lillerario.

Vin tite ducida: com o coracio esperançado.cheio de alegria, enderecci, a 25 de outubro de 1997, um requerimento ao Sr. Dr. latier da Sikcira Junior. o Prefeito amigo e intellectual, pedi-lhe o cumprimento exacto das leis qık autorisara e zotara a impressio da obra de que eu era possuidor dos originaes. Informado pelo director de instrução, o Sr. Medeiros e Albuqurque, o Sr. Dr. Xavier da Silveira Junior mandou que o Instituto Profissional recebesse de minhas mãos os originais queridos para imprimil-os. de accôrdo com as leis approvadas.

E ganhei a campanha, e a victoria foi assignalada pela imprensa, com os mais justos louvores ao illustre Sr. Dr. Xavier da Silveira Junior, que ligou o seu nome a um dos mais importantes momentos das nossas lettras.

Eis, em pallidas tinhas e em estylo desataviado, o que me cumpria dizer sobre a vida do egrigio tradutor d’esta obra, guardada ha 20 anos.

Cumpri o meu dever cuidando da sua publicação para salvar do olvido a memoria do meu saudoso e muito amado progenitor.

Os competentes que façam a justiça devida ao seu esforço, ao seu talento e á sua illustração.

Onorate l’altissimo Poeta.

Abril — 1903.

 

J. A. Xavier Pinheiro.