A Esperança Vol. I/Bugios e papagaios

Bugios e papagaios
 

 

Quasi que tenho a convicção que não agradou aquella minha comparação dos homens e mulheres do seculo, com os bonecos e bonecas? Têem rasão: pensando melhor hoje, entendi que não devia ser assim... Pois, que semelhança póde ter gente viva, com abjectos inanimados? Agora, passando eu a comparal-os com os bugios e papagaios, isso sim. Supponhamos, com effeito, por um instante, que a maior parte dos entes a que se chamam racionaes, se tornavam de subito, em bugios, ou papagaios; e que emfim as nossas cidades não tinham outros habitantes que não fossem individuos d'esta especie: o modo de viver não seria differente. Os papagaios dizem palavras; os homens não têem hoje outra linguagem: os papagaios ostentam umas bellas pennas; os homens só têem vaidade dos seus vestidos: os papagaios comem e dormem e os homens não fazem outra coisa; finalmente, os bugios divertem-se em dar voltas a uma avelã ou a um papel, e os homens removem cartas desde pela manhã até a noite; de sorte que um bugio bem instruido saberá imitar perfeitamente o seu modo de viver.

Por pouco que estendamos a vista sobre a terra, descubriremos tres quartas partes d'homens atolados n'uma horrorosa indolencia não sabendo senão empregarem-se em couzas de pouca utilidade, como a avelã, nas mãos do macaco. São estes entes menos uteis que as moscas e as borboletas!...

São poucas hoje as pessoas que não se occupem com o seu penteado, com o seu vestido, do mesmo modo como com o negocio mais importante, e que não respeite o bom gosto d'um alfaiate, ou d'uma inventora de modas, como merecimento distincto. A idêa da nossa immortalidade, vae perder-se no meio de mil bagatellas. Parece incrivel até onde chega o furor que ha pelo luxo, que baixezas o motiva, e que vergonhosos officios tem creado entre as mulheres! Depois que um miseravel luxo se tem feito o meio d'ostentações, cada dia soffrem novos ataques a razão, a honra, e a virtude. O luxo, é na maior parte das mulheres, como a espada na mão d'um furioso, só o empregam na propria ruina. Miseravel gente! Poem a sua gloria, na sua propria confusão. Como insensatos vivem, obram como freneticos, divertem-se como brutos. O Sabio carece sómente da sua propria reflexão para desprezar os ridiculos e pezados uzos de que o mundo se honra. O mundo não se considera com effeito, senão como um ser obrigado ao culto e devoção da materia: á primeira vista, parece o espectaculo mais brilhante, e não é mais que um triste theatro, onde cada um desgosta os outros, para não se desgostar a si mesmo. As scenas, só se mudam para mostrar vicios differentes, e não se dão applausos se não ás riquezas e fatuidade. Só se cuida em nutrir o corpo, vestil-o e ornal-o. A alma, é um mero nome, que simplesmente se pronuncia por habito; e por desvairado, é tido quem ousa fallar n'ella.

Que são com effeito tantos cumprimentos affectados, tantos momos burlescos, tantas visitas fóra de proposito, tanto esmero no vestir, tantos desejos de grandeza? Prestai attenção como o João Jaques Bosseau descreve os cumprimentos nas reuniões: «N'ellas lisongeiam-se as mulheres sem amal-as, servem-se sem honral-as; estão cercadads de galanteadores, que as enchem aturadamente d'ufania com insipidos comprimentos ou impretinentes equivocos. Causam nojo aquellas linguagens que ás vezes fazem acompanhadas de certas reflexões, e ahi estão fallando sem nada dizer.....»

Se buscarmos o principio das visitas, acharemos que são umas paixões divesificadas, que se procuram e que se juntam umas ás outras, para formar aquela confusão de relações, murmurações, ciumes, novidades, modas e vaidade. Muito pouco se poderá conhecer quem tem a presumpção de julgar-se necessario nas sociedades, e fórma uma ordem de visitas tão exacta como um calendario. A nossa simples alma, incapaz por sua naturesa d'augmento ou diminuição, só tira a sua verdadeira grandesa da sua espiritualidade, e por mais que queiram mistural-a e confundil-a com grandezas totalmente terrenas, fica tão unica, tão simples, tão só no monarca, como no infimo dos desgraçados. Os homens nunca têm d'ordinario n'outro livro, senão nas acções alheias. Folheam-o com maravilhosa attenção, e depois fazem d'elle um commentario perfeitamente proporcionado ao seu modo de obrar: de maneira que não deixam de pintar-se a si proprios nas notas que applicam aos outros. Quasi que não se faz visita alguma, onde se não ache gente d'esta casta. Como falsarios e mentirosos, representam o papel de maus graciosos. Por tanto não perde absolutamente nada, antes ganha n'isso, quem não frequenta taes sociedades.

Por hoje dou por concluida a minha tarefa: mas, espero brevemente voltar ao assumpto.

Theresa Augusta da Silva.