Um arraial em Maria Angu, na noite da festa do Espírito Santo. Fogos de artifício. Balões de papel. À direita casa do Juiz da Festa e à esquerda um igrejinha, abertas ambas e iluminadas.

Cena I

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Cardoso, Guilherme, Botelho, Chica Pitada, Gaivota, Teresa, Operários, Festeiros, povo, depois o Juiz da Festa

(Ao levantar o pano vem do fundo o bando do Espírito Santo. À frente o Imperador representado por uma criança. repiques de sino. Foguetes.)

Coro de Festeiros - Entoemos nosso hino

Perante o celeste altar,

Para louvar o Divino,

Para o Divino louvar!

(O bando do Espírito Santo entra na igreja.)

O Juiz da Festa (Saindo da casa e dirigindo-se aos que ficaram em cena.) Então, rapaziada! Venham trincar uma perna de peru cá em minha casa! Eu sou o Juiz da Festa! Viva o divino Espírito Santo!

Todos - Viva! viva o Juiz! Vamos! vamos!... (Festeiros e homens do povo seguem o Juiz, que entra em casa.)

Gaivota - Então? Não vamos nós também?

Guilherme - Eu não! Vão vocês, se quiserem!

Chica - Ora! é tão bom trincar uma perna de peru!

Cardoso - Trincar! Seria preciso que não tivéssemos coração!

Botelho - E que tivéssemos fome!

Cardoso - Trincar uma perna de peru quando não sabemos o fim que levou nossa filha!

Gaivota - Sabemos que não está presa, porque escreveu-nos, dizendo que a esperássemos hoje.

Botelho - Mas para que diabo foi aquela rapariga ler o maldito Imparcial? Isto é que me tem feito pensar!

Guilherme - E o que foi fazer na Corte com o subdelegado?.. Nadamos num oceano de conjeturas!

Chica - Uma mosca morta que não levanta os olhos!

Teresa - Parecia uma santinha!

Gaivota - De pau carunchoso!

Cardoso (Tirando uma carta da algibeira.) - Se ainda esta carta nos pusesse ao fato de alguma coisa, mas de fato não põe ao fato de coisa alguma! (Lê.) “Peço a Todos os meus pais e mães que hoje à noite se achem às oito horas na festa do Espírito Santo. Eu lá irei ter, e tudo saberão. Clarinha.”

Gaivota - Bem! uma vez que nos vem dizer tudo...

Teresa - É porque nada tem que ocultar.

Botelho - Está sabido! Mas queira Deus que ela diga toda a verdade... (Rumor fora.)

Todos (Subindo ao fundo.) Que é? Que é?

Chica - Uma moça bem vestida! Como vem cercada de povo! Aquilo é senhora da cidade!

Cardoso - Mas não! é ela! é a nossa rica filha!

Todos - Clarinha!

Botelho - Ei-la aí vem!..

Cena II

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Os mesmos, Clarinha, Povo

(Clarinha vem exageradamente vestida, e acompanhada pelo povo.)

Coro - Ei-la! Ei-la! Vem tão janota!

Ei-la entre nós de novo enfim!


Mas que fatiota!

Onde ela foi vestir-se assim!

Cardoso Chegaste enfim!

Chica De onde vem tu?

Cardoso - Como é que assim nos aparece?

Chica - Deus me perdoe! Já não pareces

A filha de Maria Angu!

Coro - Deus me perdoe! Já não pareces

A filha de Maria Angu


Coplas


I


Clarinha - Fizestes muitos sacrifícios

para que eu não tivesse vícios,

E eu tive sempre paciências

de aparentar muita inocência!

Constante fui no fingimento;

Sonsa como eu nenhuma havia!

Tudo isso, devo ao meu temperamento,

Por temperamento eu fingia!

De Maria Angu

Eu cá sou filha, não há negar.


II


- Sou Clarinha Angu!

Filho de peixe sabe nadar...

Olhem lá!

Venham cá!

Sou Clarinha Angu!

Coro - De Maria Angu

Ela é a filha, não há de negar! etc.

Clarinha - Íeis me dar, não duvido,

Um maridão, um bom marido,

Porém a outro namorado

Meu coração eu tinha dado!

Querendo, embora por estúcia,

Impedir esse casamento,

Eu fiz com que me prendesse esta súcia!

Tudo por meu temperamento

De Maria Angu, etc.

Botelho - Como? pois foi por causa do teu temperamento que fizeste todo esse destempero?

Chica - Por que não nos disseste francamente a verdade, em vez de te deixares prender?

Cardoso - E como foste dar com o costado na Corte?

Clarinha (À parte.) - Aproveito a mentira do Sampaio. (Alto.) Fui para a Corte à disposição do chefe de polícia, que me mandou embora... Depois contarei tudo. Só o que lhes digo é que jugo ser traída!

Todos - Traída!

Clarinha - Por meu namorado!...

Chica - Não é outro senão Nhonhô Bitu!

Clarinha - Sim! É Bitu, é! E o que eu suspeito é verdade! Não me casarei com ele...

Cardoso - Nisso fazes bem!

Clarinha - E ficarei solteira toda a minha vida!

Gaivota - Nisso fazes mal!

Teresa - E Barnabé?

Guilherme - Sim! Que lugar reservas em tudo isso para Barnabé?

Clarinha - Não se ocupem com ele; ficou preso na Corte.

Todos - Preso!

Clarinha - Também depois hei de contar-lhes isso... Não estejamos cá. Há de vir aqui alguém, que encaminhei para cá, e não quero que me veja. Viva Deus! Hei de provar-lhes que sou a filha da minha mãe!

Botelho - Não parece a mesma...

Cardoso - Filho de peixe sabe nadar.

Clarinha - E ainda não viram nada!

Guilherme - E esse vestido? Quem foi que te pôs nesse chiquismo?

Clarinha - Foi meu pai!

Todos - Seu pai?!...

Clarinha - o Barão de Anajá-mirim!

Chica - O Barão de Anajá-Mirim?... É ele!...

Todos - Quem?

Chica - O Barão do Hotel Ravot!

Clarinha - Também depois hei de contar-lhes isso! Vamos! (Saída geral, com um motivo no último Coro. Entra Sampaio, disfarçado, com um grande chapéu desabado e barbas postiças.)

Cena III

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Sampaio, só

Sampaio - Cá estou. Vejo que fui o primeiro a chegar.Parece-me que estou bem disfarçado... Vejamos se esqueci de alguma coisa, pois tenho andado com a cabeça à razão de juros. (Tira uma carta da algibeira e lê.) “Senhor Sampaio” (Declama) Ela escreve Sampaio com o cedilhado! (Lê) “O senhor é enganado. Se quer saber quem é o amante de sua amante, esteja hoje à noite na festa do Espírito Santo, em Maria Angu. Vá disfarçado e leve os olhos bem abertos. - Clarinha” (Declama.) Clarinha! É ela, a noiva do Barnabé, essa bonita rapariga que daqui levei com intenção perversa, e me foi roubada pela Chica, que a entregou ao Barão de Anajá-mirim. Foi bem feito. O Barão encheu-a de presentes, porém, mal tinha trocado quatro palavras com a pequena, reconheceu que era pai dela, e naturalmente arrepiou carreira! Disse lá consigo: Nada! uma pequena que tem dois futuros e ainda aceita presentes, não é digna de ser minha filha! mas, Clarinha, que se mostrava tão amiga da Chica, escrever-me agora contra ela! À custa de quem quererá divertir-se esta moça? À minha? Mas sou muito grande para palito. Que horas serão? Ali no relógio da igreja é meia noite há oito anos. meia noite ou meio dia. Creio que a impaciência fez-me vir antes de tempo... Se eu visse a Clarinha... (Saindo pela esquerda.) procuremo-la. (Sai)

Cena IV

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Barnabé, depois Sampaio

(Barnabé entra correndo e também disfarçado.)

Barnabé - Uf! Eis-me enfim em Maria Angu... e quase reduzido a angu! Que é isto? ah! a festa!... Sarcasmo do destino!... (Pausa.) Quantas atribulações para um pobre barbeiro sangrador! No dia do meu casamento sangram-me o coração: prendem-me a noiva antes que eu a prendesse com os laços do himeneu! Sei que ela foge para a Corte, levada pelo subdelegado! Vou também para a Corte e tenho a satisfação de saber que ela não tinha fugido, mas fora apenas conduzida à presença do chefe de polícia. Não sei como nem como não, roubo uma pulseira, que é encontrada no meu bolso, prova cabal que a roubei... mas como? Mandam-me prender por Uns Soldados que são tudo menos Urbanos, e ferram comigo na estação dos ditos, na Travessa do Rosário. No xadrez encontro o Jerônimo, vulgo cabeçada, preso também por ter dado uma cabeçada num sujeito que lhe pilhou dando um beijo em sua mulher... (Como lhe devia ficar a cabeça!) O Jerônimo é um amigo velho; fui eu que lhe emprestei duzentos mil réis, quando residi na Corte, para prestar fiança quando quis ser condutor de bondes. Por sinal nunca mais vi a cor desse dinheiro! Levamos toda a noite a contar um ao outro nossas desventuras. O Jerônimo lembrava-se dos duzentos mil réis, e teve pena de mim... Tinha de sair logo de manhãzinha do xadrez, e, como não fazia muito empenho em tornar a ver a mulher, lembrou-se de me fazer sair em seu lugar. Vesti a sua roupa, ele vestiu a minha, pus o seu chapéu, e quando vieram soltá-lo, zás! por aqui é o caminho! Estava ainda no Largo do Rossio, quando ouvi gritar: “Pega! pega!” Pernas pra que te quero?! Olho um tílburi que saía! Brr... Entrei na estação... noutra, mas desta vez na da Estrada de Ferro... Felizmente o trem estava sai-não-sai... Em viagem lembrei-me de minha mala, mas o colete é o meu e os cobres cá estão... Chego a Maria Angu mais morto que vivo, e eis-me numa festa! Numa festa... E talvez a estas horas a minha Clara gema no ovo!... O ovo é o xilindró...

Sampaio (Entrando.) - Não a encontrei.

Barnabé - Vim buscar o auxílio de meus sogros e de minhas sogras, mas parece estar escrito no livro do destino que não há livro do destino que a aguarda!...

Sampaio - Já devem ser horas.

Barnabé - Vou procurá-los.

Sampaio - Vamos por outro lado... (Esbarram-se.)

Ambos - Você está cego?

Sampaio - Oh! que bruto!

Barnabé - Pra lá!

Ambos - Céus! Quem será?

(Afastam-se com medo um do outro.)

Sampaio - Quem será?

Barnabé - Quem será?

Ambos (À parte.) - Será, pois não! imensa asneira

Medo por ele aqui mostrar!

Eu vou, vou já, de um capoeira

As aparências tomar!

(Provocam-se como os capoeiras.)

Sampaio - Você não vê por onde anda!

Barnabé (À parte.) - Ai! que o sujeito é valentão!

(Alto) É que eu olhava pra outra banda...

Sampaio (À parte.) - Este indivíduo é fracalhão!

(Alto.) Zangado estou, e vou-lhe às ventas!

Barnabé (À parte.) - Se eu recuar, perdido estou!

(Alto.) Eu quero ver se tu sustentas

O que da boca te escapou!

Se não retiras a expressão

Fanfarrão!

Levas muito cachação!

Sampaio (À parte.) - Ele é valente! Haja prudência!

Barnabé (Avançando.)- Há de ter santa paciência:

Apanhas como ladrão!

Sampaio (Fugindo, à parte.) - Ele me quer limpar a roupa!

Barnabé (À parte.) - O fanfarrão tremendo está!

(Alto, avançando.) Fazer-te quero numa sopa!

Sampaio (Fugindo.) - Adeus, e fique-se por cá!

(Barnabé agarra-o pelas barbas, que lhe ficam na mão.)

Barnabé - Hein? Deixou de ser barbado!

Sampaio - Bico! Bico por quem é!...

Barnabé - Que vejo? O subdelegado!

Sampaio (Á parte.) - Conheceu-me! Passo o pé!

(Vai fugir.)

Barnabé - E eu cá sou o Barnabé!

Sampaio (Voltando.) - O Barnabé!

Juntos - Ah!ah!ah!ah!ah!ah!ah!

Estou aparvalhado!

Caso mais engraçado!

Decerto que não há!

- Ah!ah!ah!ah!ah!ah!ah!

Sampaio - Mas como pode isto ser? Eu supunha-o preso!

Barnabé - Preso não estou; estou apenas surpreso! (Lembrando-se.) Mas... oh, meu Deus... dar-se-á caso que Vossa Senhoria queira catrafilar-me outra vez? Acredite que estou inocente!...

Sampaio - Descanse. Folgo até de encontrá-lo aqui.

Barnabé - Por quê?

Sampaio - Quer me parecer que nós somos enganados...

Barnabé - Vossa Senhoria, quando diz “nós”, fala como autoridade, ou refere-se a mim também?

Sampaio - Falo como barbeiro. Vejamos se alguém nos ouve... (Sobem a cena e observam, um à direita, outro à esquerda. Sampaio põe as barbas.)

Barnabé - Senhor subdelegado, onde está Vossa Senhoria? Ah! Cá está! Com as barbas já não o conhecia! (Clarinha aparece ao fundo e aí se conserva.)

Cena V

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Os mesmos, Clarinha

Sampaio - Ninguém.

Barnabé - Ninguém também por este lado...

Clarinha (À parte.) - Hein?...

Sampaio - Este meu disfarce não o admira?

Barnabé - Decerto...

Sampaio - Pois foi sua noiva quem me aconselhou que o arranjasse.

Barnabé - Clarinha?

Clarinha (À parte.) Meu nome?...

Sampaio - Ela escreveu-me...

Barnabé - A Vossa Senhoria?...

Sampaio - Para dizer-me e provar-me que Chica Valsa me engana... Agora não vá dar com a língua nos dentes... Eu sou viúvo e tenho três filhas solteiras...

Clarinha (À parte.)- É o Sampaio! E o Barnabé solto!

Barnabé - Mas Clarinha não está presa? Não está embrulhada nestes negócios da leitura do Imparcial?

Sampaio - Não, tolo: a Clara não está embrulhada...

Barnabé - Esta embrulhada é que não está clara!

Sampaio - Foi ela que lhe arranjou aquela prisão; que lhe meteu a pulseira no bolso!

Barnabé - Ela!...

Sampaio - Queria desfazer-se de você!

Barnabé - De mim?!

Sampaio - Aqui para nós, que ninguém nos ouve: aquela sua noiva não é lá muito boa peça...

Clarinha (À parte.) - Ah!

Barnabé - Clarinha! um anjo de inocência e de candura!

Sampaio - Você é um bolas seu Barnabé!

Barnabé - Chame-me Vossa senhoria o que quiser... para mim é o mesmo... mas não diga mal da pobrezinha! Hei de defendê-la, enquanto puder, contra tudo e contra Todos!

Sampaio - Que lhe faça bom proveito!

Barnabé - Ela! Tão bonita, tão boa, tão amável, tão honesta!

Clarinha (À parte.) - Pobre rapaz!

Sampaio - E se eu lhe provar que ela está cá?

Barnabé - Ela quem? Clarinha? Aqui?!..

Sampaio - Olhe, ouça: vamos percorrer a festa, e, se a encontrarmos, desejo que ela não me conheça. Quero observá-la a fim de saber com que fim me escreveu...

Clarinha (À parte.) - Ah! tu não queres ser conhecido. (Vai-se.)

Barnabé - Ela? Ela? decididamente fico idiota!

Sampaio - Siga-me, digo-lhe eu: mas, quando a virmos, não fale. Evitemo-la, sem a perder de vista. (Clarinha cantarola no bastidor.) Uma voz de mulher!

Barnabé - Ai! meu Deus!

Sampaio - Quem é?

Barnabé - É ela! É ela!

Sampaio - Ela!... (Levando-o para um canto.) Deixemo-la passar! (Clarinha entra, sempre cantarolando, e, depois de percorrer o fundo, aproxima-se dos dois e finge que se assusta.)

Clarinha - Ui! Os senhores meteram-me um susto!

Barnabé - Pois quê! É ...

Sampaio (Dando-lhe um empurrão.) - Cale-se!

Clarinha - Ah! desculpem... não os conheço. Estão aqui para a grande questão, não é assim?

Sampaio (Disfarçando a voz.) - Que questão?

Clarinha - Trata-se de mim...

Sampaio - Ah! trata-se da senhora?

Clarinha - De mim, Clarinha Angu.

Barnabé (À Parte.) - E como está vestida!

Sampaio - Ah! a senhora é...

Clarinha - Imagine o senhor que me queriam casar com um homem, oh! um homem de bem, às direitas...

Barnabé (À parte.) - Ah!

Clarinha - mas tolo...

Barnabé (À parte.) - Eh!

Clarinha - Um coração invejável, um caráter como poucos...

Barnabé (À parte.) - Ih!

Clarinha - Um bom rapaz, enfim...

Barnabé (À parte.) - Oh!

Clarinha - Mas, como já disse, tolo o que se pode chamar tolo!...

Barnabé (À parte.) - Uh!

Terceto

Clarinha - Está na conta o Barnabé

Para ser irmão ou amigo;

Porém meu ideal não é...

Não há de se casar comigo!

Barnabé - Céus! ela o que dizendo está!

Sampaio - Je comprends ça, je comprends ça!

Clarinha - Muito me custa vê-lo aflito,

Mas eu a outro amava já...

Barnabé - A outro!

Clarinha - Muito mais bonito!

Sampaio - Je comprends ça, je comprends ça!

Barnabé - Ah, meu Deus! cambaleio!

No chão vou já cair!

Clarinha - Mas o meu namorado, creio,

Está pensando em me trair

Aí está o mistério

Que devo desvendar!

É esse o caso sério

Que tem-me feito suar!

Os Três - Aí está o mistério

Que deve desvendar! Devo

É esse o caso sério

Que me tem feito suar!

Clarinha - Sabem vocês quem é a Chica Valsa,

Que vive Os Homens a enganar?

Barnabé - Sim, eu...

Sampaio - Não sei.

Clarinha - Foi uma amiga falsa,

Mas eu a vou desmascarar:

Certo amante muito arruinado

Cedeu lugar ao macacão

Sampaio, o tal subdelegado...

Sampaio - Ao macacão!

Barnabé (À parte.) - Toma lá, meu vilão!

Clarinha - O macacão tudo lhe dá,

Mas a Chica é mulher leviana:

Com o seu antigo amante, olá!

O s’or subdelegado engana!

Sampaio - Céus! ela o que dizendo está!

Barnabé - Je comprends ça, je comprends ça!

Clarinha - Essa mulher da pá virada

Eu sei que considera já

O Sampaio um paio e mais nada!

Barnabé - Je comprends ça, je comprends ça!

Ah, meu Deus! cambaleio!

No chão vou já cair!

Clarinha - É co meu namorado, creio,

Que a Chica os eu conta iludir!

E aí está o mistério, etc.

Sampaio (Tirando as barbas.) - Olá! eu sou o subdelegado!

Clarinha - Já disso sei!

Sampaio - Já sabe então?

Clarinha - Olé!

Barnabé - E eu cá sou...

Clarinha - O Senhor Barnabé.

Barnabé - Sabia então?

Clarinha - Ora se não!

Sampaio - Vingança eu vou tomar!

Clarinha - Vai tudo transtornar!

Daqui afastemo-nos já!

(Sobe ao fundo.)

Céus! Bitu que ali está!

OS DOIS - Bitu!

Clarinha (Descendo.) - Vingança!

Vingar-me é a minha esperança

Pra vingar-me um belo dia

Desse grande lheguelhé,

Eu capaz até seria...

(A Barnabé.) De casar-me com você!

Venham cá!

Venham já!

Vocês vão conhecer-me,

E dizer-me

Depois,

“Tens talento por nós dois”!

Os Dois - Vamos lá

Vamos já!

Vamos lá conhecê-la

E dizer-lhe depois

“Tens talentos por nós dois!”

(Saem)

Cena VI

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[Bitu, só]

Bitu (Entrando do fundo.) - Eis-me enfim na festa do Espírito Santo, o único espírito que há nesta terra, não falando no engarrafado e no meu. Como me bate o coração! A Chica escreveu-me, pedindo-me uma entrevista para hoje, as nove horas, aqui! É esquisito! Uma entrevista em Maria Angu, quando na Corte não nos faltava sítio... Ela, enfim, tem lá suas razões...

Cena VII

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Bitu, Chica Valsa

Chica Valsa (Vestida de preto e de véu espesso.) Enfim te encontro!

Bitu - Acho-te enfim!

Chica Valsa (Levando as mãos ao peito.) - Estou com o coração nas mãos...

Bitu - Não! estás com a mão no coração.

Chica Valsa - Obrigas-me a fazer coisas...

Bitu - Que receias tu?

Chica Valsa - Estou exposta a tanto! podia ser alguma cilada... mas, enfim, cá estás; estou mais sossegada. Fiz tudo o que me recomendaste em tua carta.

Bitu - Em minha carta?

Chica Valsa - Que tal achas este vestuário de viúva? Não é assim que querias?

Bitu - Que eu queria, como? Não te entendo!

Chica Valsa - Pois tu, a quem não via desde aquela noite fatal, em que brigamos por causa da Clarinha Angu, não me escreveste ontem...

Bitu - Eu?

Chica Valsa - ... dizendo que me achasse aqui, na festa do Espírito Santo, às nove horas, assim vestida?... Achei o lugar esquisito, quando na Corte poderíamos fazer as pazes!

Bitu - Mas foste tu quem escolhestes o lugar, benzinho.

Chica Valsa - Eu, meu amor?

Bitu - Tu, meu coração; nesta cartinha que já sei de cor e salteado!

Chica Valsa - Uma cartinha que eu te escrevi! Eu?!...

Bitu - Estás arrependida?

Chica Valsa - Queres divertir-te à minha custa?

Bitu - Já não te lembras? Nesse caso ouve lá! (Lê a carta.)

Dueto

- “Qu’rido Bitu que se esqueceu de mim,

É meu amor, amor sem fim!

Eu devo confessar, Nhonhô, que ao fazer desta

Padece o peito meu, e a causa disso és tu!

Hoje, às nove da noite, espero-te na festa,

Lá em Maria Angu.

Apaga-me esta chama,

Sufoca-me estes ais,

E não te esqueças mais

Desta infeliz que te ama.”

Chica Valsa - Assina-se quem?

Bitu - Vê: “Chica Valsa”.

Chica Valsa - Traição!

Bitu - Esta firma é falsa?

A carta que aqui está


Tua não é?

Chica Valsa - Ouve lá!

(Lendo outra carta que tira do seio.)

“Não passo de um jornalista da roça,

Sem ter futuro, sem ter posição,

Mas, meu amor, por ti sinto paixão;

Viver sem ti não suponhas que eu possa!

Longe, lá em Maria Angu

Há hoje festa do Espírito Santo.

Nesse poético recanto,

Meu doce amor, não queres tu,

Fingindo ser senhora viúva,

De capa preta, véu e luva,

Ir encontrar o teu Bitu?

Como eu presumo que me adoras,

Sem falta, amor, contigo conto,

Se tu não vem às nove horas

Eu me mato às dez em ponto!”

Bitu - Isto por artes só de Belzebu!

E assina quem?

Chica Valsa - Vê: “Ângelo Bitu.”

Ambos - Que cilada se armou!

Eu envergonhado

Chica Valsa - Fugir, fugir, se é tempo ainda!

Bitu - Não!... Para quê?

Aqui fique você!

Minha Chica, tu és tão linda!

Oh! Eu te adoro!... O meu segredo aí está!

Ninguém o saberá!

Cena VII

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Todos os personagens deste ato

(Todos, ao fundo, ouviam as últimas palavras de Chica e Bitu.)

Coro - Ah! ah! ah! ah!

Segredo, olá!

Que todo mundo sabe já!

Bitu - Este senhora é muito minha!

Qu’remos passar!

Clarinha (Aparecendo.) - Mais devagar!

Todos - Clarinha!...


I


Clarinha - Estás aí, Chica Morais?

Tem paciência: ouvir-me vais,

Pois me fizeste, por traição,

Ir ter cum velho solteirão!

Ó coisa ruim, não julgues tu

Que eu chore a perda do Bitu,

Canalha a vil que a quem mais der

Vende o jornal, vende a mulher!


Com ele podes tu ficar!

Luvas te devo até pagar!

Livre fiquei, graças ao céu,

De semelhante chichisbéu!

A mão lhe dá de esposa

E o mundo então dirá:

Não é lá grande coisa;

mas casada está!

Coro

- Que tal a rapariga?

Arrasa o seu Bitu!

Não há que se lhe diga!

Bem mostra ser Angu!


II


Chica Valsa - Estás aí, Clarinha Angu?

Ouve também agora tu,

ó donzelinha, que a falar,

Um batalhão fazes corar!

não te faz conta o meu Bitu,

Porque o prender não podes tu;

Se ele aceitasse o teu amor,

Tu lhe darias mais valor...

Porém sabendo ficarás...

Não faço empenho no rapaz;

Casem-se, e não mostres assim

Tão negra inveja ter de mim!

A mão lhe dá de esposa, etc.

(As duas chegam às vias de fato; Sampaio vai separa-las e apanha bordoada)

Sampaio - Um bofetão me pespegou, senhora!

Chica Valsa - Quem é você? Não me dirá?

Sampaio (Tirando as barbas.) - Não me conheces agora?

Chica Valsa - Também você? Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!

Todos - Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!

Sampaio (Furioso) - ‘Stou zangado!

‘Stou danado!

Vou de cólera saltar!

Ó senhora,

Sem demora

Vamos contas ajustar!

Bitu - A Chiquinha

Só é minha!

Não a podes maltratar!

Meu amigo,

Só comigo

Terá contas a ajustar!

Todos - Mas que é isto?

Jesus cristo!

Não precisam disputar!

Tudo agora

Sem demora

Vai-se elucidar!


(Confusão geral)

Clarinha - Cesse o rumor! basta de bulha!

(A Chica Valsa.) Dá-me tua mão!

Chica Valsa - Pois queres apertar...

Clarinha Não faças caso: isto foi pulha!

Não deve a gente se zangar!

Chica Valsa(Apertando a mão de Clarinha.) - Pois bem!

Sampaio - Mas ouçam cá!

Clarinha (A Sampaio.) - Neste momento

O que de melhor vai fazer,

Pra reputação não perder,

É aceitá-la em casamento!

Chica Valsa - E eu dou-lhe o meu consentimento!

Em casa do juiz agora um baile invento!

(A Sampaio.) Queira-me acompanhar.

(Entra na casa do Juiz da Festa acompanhada por Sampaio.)

Coro - O que irá ela ali buscar?

Barnabé (A Clarinha, que tem estado a chorar.)

- Que vejo! Choras tu, Clarinha?

Clarinha - Eu não...

Barnabé - Tu sim, que vendo estou!

Coro - Então tu choras?

Clarinha (Enxugando os olhos.) - Já passou!

Bitu - Arrependeu-se a sinhazinha?

Oh! se assim foi, eu lhe ofereço a mão!

Clarinha - Você não me conhece, não!

De raiva é que é este choro!

De raiva é que isto é!

Perdi o meu tesouro!

Perdi o Barnabé!

(Estendendo a mão a Barnabé, sem olhar para ele.)

Pois se eu lhe disser :”Toca”

Ele é capaz, até

De oferecer-me em troca,

Em vez da mão... o pé...

Barnabé (Tomando-lhe a mão com amor.) - Eu te juro!

Eu rejuro

Pelas cinzas do meu pai,

Ó Clarinha

Vida minha,

Que o passado já lá vai!

Coro - Que nobreza!

Que franqueza!

Que vergonha pro Bitu!

Que barbeiro

Cavalheiro!

Casa-se Clarinha Angu!..,

Bitu (À parte.) - Ah! lá se vai o meu amor

Como a mamã, porém, fará!...

O que for

Soará...

Chica Valsa (Voltando, acompanhada por Sampaio.)

- Eu convido este ilustre auditório

Pra na casa dançar do juiz!

Barnabé - Ai, meu Deus! como eu sou feliz!

Vou celebrar meu casório!

Chica Valsa - Pois vai casar-se mais alguém?

Quem?

Clarinha - De Maria Angu

A filha é noiva de Barnabé!

Sou Clarinha Angu!

Filho de peixe peixinho é!

Olhem cá!

Vejam lá!

Sou Clarinha Angu!

Coro - De Maria Angu

A filha é noiva de Barnabé!

É Clarinha Angu!

Filha de peixe peixinho é!

Olhem cá!

Vejam lá!

É Clarinha Angu!

[(Cai o pano)]


FIM