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Cena I

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João de Sousa, Joaquim Carvalho


(Este sentado na poltrona, aquele de pé.)

Sousa - Agora, caro compadre,

que boas novas te dei

dos pequenos, da comadre,

que de saúde deixei,

explica a tua presença

aqui

Carvalho - É bem natural.

Sousa - Se me concedes licença,

direi que começa mal:

meter aqui o bedelho

homem casado não vem!

E além de casado, velho!

De natural nada tem...

Carvalho - E você? como é que explica

sua presença? Ande lá!...

Sousa - A minha só significa

que sou bom pai: aqui está!

Na casa em que estou agora

não era capaz de entrar,

me pagassem muito embora!

Carvalho (À parte.) - E eu entro para pagar...

Sousa - Fui obrigado a fazê-lo...

Hei de contar-te depois.

Mas, tu, compadre! Um modelo!

Carvalho - Ouve, e fique entre nós dois...

Porém, agora reparo

que não te queres sentar!

Sousa - Eu tenho um caráter raro,

tenho uma alma singular!

Sentar-me nestas cadeiras!

Livre-me Nosso Senhor! (Escarra e cospe.)

Cuspir nas escarradeiras

farei... por muito favor.

Da morte embora nas ânsias,

sentar-me... Oh! Não sou capaz!

Eu não venço as repugnâncias

que esta miséria me faz!

Este luxo deslumbrante

é vil, é mais do que vil:

produto negro, infamante,

do falso amor mercantil!

Não sei que nome lhe quadre,

não sei seu nome qual é...

(Outro tom.)Você desculpe, compadre,

mas hei de ouvi-lo de pé.

Carvalho - És rigoroso, contudo...

Sousa - Eu penso assim...

Carvalho - Pensas bem. (Erguendo-se.)

E para dizer-te tudo,

eu me levanto também.

(Depois de alguma pausa.)

Como sabes, compadre, vim à corte

vender uma partida de café;

era gênero de primeira sorte;

nos comissários não fazia fé.

Fiz bom negócio. Efetuada a venda,

as malas a arrumar me decidi.

Os deveres chamavam-me à fazenda...

Infelizmente Valentina vi...

Encontrei-a no Prado Fluminense;

ela, a sorrir, mandou-me o seu cartão...

Um pecador que se já não pertence

tornei-me desde aquela ocasião.

Vivemos sós. Aqui ninguém mais entra.

Neste retiro sinto-me feliz.

E a minha f’licidade se concentra

no que ela pensa, ordena e diz!

Forçoso é dar um paradeiro a isto!

Lá na fazenda espera-me o dever!

É grande a sedução, mas eu resisto:

e posso me ausentar quando entender!

Com parcimônia me regrado tenho;

só um conto gastei; nem mais um vintém.

Só hoje é que quatro gastar venho

co’estes brilhantes que lhe dei.

Sousa (Pega na jóia; depois de examiná-la com indiferença.)

- Pois bem.

(Deixa a jóia onde estava. Pausa.)

Compadre, vou expor-te:

apareceu lá na roça,

em minha casa... na nossa...

um rapaz aqui da corte.

Foi há seis dias... e meio.

Como pelo meu cunhado

me fora recomendado,

em minha casa hospedei-o.

- Era muito divertido;

conversa muito bem;

finalmente, que haja alguém

mais simpático duvido.

Descobri (sabes, meu rico,

que não há quem me embarrele)

que entre minha filha e ele

havia seu namorico.

Tu sabes: eu sou pão-pão.

queijo-queijo; sabes?

Carvalho - Sei.

Sousa - Por isso lhe perguntei

qual era sua intenção.

Era casar. Ela quer...

Eu não sou dos mais incautos,

pois não estive pelos autos...

e disse à tua mulher:

“Vamos ver se ele a merece.

Não é seguir boa trilha

entregar um pai a filha

a um homem que não conhece.”

- Portanto, a missão que trago

é indagar; tu bem compreendes

que, se a filha me pretendes

e eu não te conheço, indago.

Carvalho - Ele é só?

Sousa - Tem uma irmã

viúva e muito bonita,

que nesta cidade habita.

Carvalho - Tu viste-a?

Sousa - Certa manhã

vi-lhe o retrato: é bonita

Ele ficou de voltar

para saber da resposta;

minha filha está disposta

a se esquecer, ou casar.

Minha medida acertada

não achas?

Carvalho - Acho.

Sousa (Inflamando-se.) - Pois bem;

sabes, compadre, com quem

casava a tua afilhada,

se eu não fizesse este exame?

Carvalho (Intrigado.) - Com quem?

Sousa (indignado.) - Com um homem nojento,

um tipo asqueroso, odiento,

maroto, velhaco, infame!

Carvalho (Benzendo-se.) - Valha-me Nossa Senhora!

Sousa - Esse covarde, esse réu

de polícia, é chichisbéu

da sujeita que aqui mora!...

Carvalho - De Valentina?! Não!... Qual!...

Enganaram-te compadre...

Pintaram contigo o padre...

Aqui não entra um mortal!

Sousa - Não entra! Digo-te mais:

esse miserável homem.

qual outros que á custa comem

destas harpias sensuais,

pelas famílias malditas,

é quem às compra lhe vai,

quem com ela às vezes sai...

É quem lhe traz as visitas!...

Carvalho - E tu, por mais que me digas,

compadre, estás enganado.

Sousa - ‘Stou muito bem informado:

é seu chichisbéu!

Carvalho - Cantigas!

Sousa - Tens uma venda nos olhos,

pois deixa que hei de arrancar-ta

enquanto é tempo, te aparte

destes ásperos abrolhos.

Não seja o tipo eterno

do ridículo matuto,

o lorpa, o simples, o bruto,

sem juízo, sem governo!

a quem já nem mesmo importa

mulher ou filha, se topa

um desses demos que a Europa

todo os dias exporta!

- Como vês, compadre, aqui,

a este lupanar lascivo,

me trouxe melhor motivo

que o mau que te trouxe a ti.

Meu espírito recua

em frente desta desonra:

mas venho salvar a honra...

e tu vens perder a tua...

- Que mal vos fazem, serpentes -

víboras vis, - não direi

homens assim (Aponta para Carvalho.) que bem sei

vos procuram imprudentes;

porém a esposa, que vive

da confiança do esposo,

e perde da alma o repouso

ao mais ligeiro declive

da sua felicidade?!

É o filho, cujo futuro

‘stá no respeito seguro

do pai pela sociedade?...

- Tua mulher nunca teve

brilhantes. Nunca lhos deste,

e contudo os dá a peste

que na corte te reteve,

enquanto lá na fazenda

o obrigação te esperava

e ao deus-dará tudo andava!...

- Que o que digo não te ofenda;

mas o teu procedimento,

compadre, não tem desculpa!

Não lava tão grande culpa

sincero arrependimento!

- Vamos! nem mais estejamos

em casa desta mulher!

Amanhã, se Deus quiser,

o trem de ferro tomamos. (Pegando na jóia.)

A jóia! ninguém a pilha!...

Sou eu que a quero guardar. (Abrindo a caixa.)

Olha, isto fica a matar

na orelha de tua filha...

(Guarda a jóia na algibeira.)

Como hás de ficar contente

- parece-me estar a ver -

quando Laura agradecer

um tão bonito presente.

Ouve os meus conselhos sábios:

de Laura os beijos na testa,

certo valem mais que o que esta

mendiga te dá nos lábios.

Vamos! Anda! (Dá-lhe o chapéu e o sobretudo.)

Carvalho (Vestindo o sobretudo e pondo o chapéu.)

- Não discuto

sobre a verdade dos fatos,

que não sei se são exatos,

nem mentirosos reputo.

Vamos embora, mas quero

que, antes de irmos, te convenças

desses boatos que ofensas

me parecem.

Sousa - Pois espero

Nós aqui, com alguma arte,

tudo havemos de descobrir;

tomara que eu possa rir

de maneira que me farte. (Dispondo-se a sair.)

Espera-me alguns instantes,

Em casa desta jibóia

não há de ficar a jóia.

Confia-me os teus brilhantes. (Sai)

Cena II

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Carvalho, só


[Carvalho] - Zombaram do compadre! Aquele coração

não pode alimentar tamanha perversão!

Valentina é um anjo: as lágrimas que chora

não se podem fingir. Não digo que me adora,

mas ama-me, decerto. Um anjo, que me diz:

“Se tu não fosses rico, eu era mais feliz!”

Eu não lhe pago o amor; apenas eu lhe pago

as cadeiras, o leito, o canapé que estrago

e os quadro que desfruto. O mal, o grande mal

foi vê-la e gostar dela. É muito natural

que um velho feio, achando uma mulher que o ame

que, sem saber se é rico, o seu amor reclame,

sinta que lhe desperta o morto coração. (Pausa.)

Mas o compadre... Não! Não é possível! não!

O compadre... Ora adeus! Até causou-me tédio!

Vamos, Joaquim Carvalho: o que não tem remédio

remediado está. É preciso sair!

Mas não como ele quer; sair e não fugir!

A ingratidão não está na minha natureza.

As bichas hão de ser a última despesa...

Cena III

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Carvalho, Gustavo


Gustavo (Entrando sem cerimônia, sem reparar em Carvalho, pela esquerda, segundo plano.)

- Valentina

(Vê Carvalho e tira o chapéu atrapalhado.)

- Perdão... perdão...

Carvalho - Quem é?

Gustavo - Senhor,

eu vinha procurar... o doutor... o doutor...

Carvalho - O senhor, ao entrar, exclamou: - Valentina!

Pois é quem mora aqui. Que quer dessa menina?

Gustavo - Não! Vossa Senhoria enganou-se...

Carvalho - Ora qual!

Ouvi distintamente o seu nome.

Gustavo - Ouviu mal.

Carvalho - Pior é essa! Ouvi - Valentina!

Gustavo - Eu procuro

o doutor... Perdigão...

Carvalho - Ai, mau!

Gustavo (À parte.) - Não acho furo!

(Alto.) Julguei que aqui morasse o Doutor Perdigão:

É Vossa Senhoria?

Carvalho - Ai, mau!

Gustavo (À parte.) - Que entalação!

Carvalho - Antes de entrar aqui, devia bater palmas!

Nesta população de quinhentas mil almas

só o senhor assim procede!

Gustavo - Mas, senhor,

eu vinha procurar o doutor...

Carvalho - Que doutor!

A senhora que aqui reside não é dessas...

Vá lá! Não continue! Sai-lhe o trunfo às avessas!

Gustavo - Pois bem, adeus; perdoe um desalmado!

Carvalho - Bem!

(Enquanto Gustavo sai por onde entrou.)

Aqui não se costuma a desmentir ninguém.

Cena IV

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Carvalho, só


[Carvalho] - Que grandíssimo idiota!

Talvez que também suponha...

É muito pouca vergonha...

(Depois de dar alguns passos pela sala, para, como ferido por uma idéia súbita.)

Esperem! Este janota

será o tal chichisbéu

de quem falou inda há pouco

o meu compadre?.. Estou louco!

Não pode ser. Deus do céu!

Porém verdade, verdade,

não deve entrar um estranho

assim com tanto arreganho,

com tamanha liberdade

em casa e uma pessoa

que não conhece! Ele entrou,

e “Valentina” gritou!

Havia de entrar à toa

sem que por ela estivesse

autorizado? Não vê!

Ah! compadre, que você,

se não tem razão, parece...

(Fica pensativo. Senta-se no sofá.)

Cena V

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Carvalho, Sousa


Sousa (Entrando pela esquerda. segundo plano, e indo a Carvalho.)

- Donde estão os teus brilhantes

nem mil mulheres os tiram!

(À parte.) Do bolso meu não saíram;

é bom que os julgues distantes

pelas dúvidas... (Alto.) Então?

Que tens, que estás pensativo?...

dessa tristeza o motivo

ou motivos quais são?

Dar-se-á caso que o remorso

dos teus negros pecadilhos

contra a esposa e contra os filhos

se te escarranchasse ao dorso?

Serão saudades pungentes

daqueles que tanto adoras?

Como eles choram, já choras?

O que eles sentem já sentes?

Ou simplesmente suspeitas

são de que verdade era

quanto disse da megera

por quem a perder te deitas?

Carvalho (Erguendo a cabeça.) - Não é nada.

Sousa - Dentro em pouco

sucede à melancolia,

que o teu semblante anuvia

um contentamento louco!

(Aproximando-se de uma das janelas e entreabrindo a cortina com a bengala.)

A recrudescer começa

o movimento das ruas.(Consultando o relógio.)

Já passa um quarto das duas. (Olhando para a rua.)

Compadre, vem cá depressa!

Carvalho (Erguendo-se e aproximando-se de Sousa.)

- O que é?

Sousa (Apontando para a rua.) - Vês ali parado

aquele sujeito... Aquele...?

Pois é o chichisbéu!

Carvalho (Como reconhecendo.) - É ele!...

Sousa - Vais ver se estou enganado,

ou se é certo o que te disse!

Há de ficar cuma cara...

Carvalho (Olhando para a rua.) - Lá vem Valentina; para;

conversa com ele; ri-se!

Parece que ele lhe conta

a aventura de inda há pouco...

Sousa - Que aventura?...

Carvalho - Que descoco!

Para este lado ele aponta.

Sousa (Que tem observado;) - Espera! Se não me engano

é a senhora do retrato!

Carvalho - Quem? Aquela? (Aponta.)

Sousa - Exato! Exato!

Carvalho - Que é Valentina te digo!

Sousa - Valentina! Valentina!

Ela chama-se Joaquina

e é mana do tal amigo.

(Tirando Carvalho pelo braço.)

Depressa! Esconde-te cá

Por detrás desta cortina,

se é Joaquina ou Valentina,

verás!

(Faz com que Carvalho se coloque atrás da cortina da outra janela. Olhando para a rua.)

- Eles aí vem já! (Indo para a outra janela.)

Eu aqui também me escondo.

Não faças rumor!

Carvalho (Escondido.) - Descansa.

Sousa - Deixa, que a nossa vingança

há de aqui fazer estrondo!

Carvalho (Pondo a cabeça para fora.)

- Mas que queres tu que eu faça?

Sousa - Se ver tudo não puderes,

ao menos ouve!

Carvalho - Ah! mulheres!...

Sousa (Abrindo a cortina com repugnância.)

Pegar nisto! Que desgraça!

Carvalho - É preciso ser malvada,

para que esta moça me iluda:

tantas provas dei...

Sousa - Caluda!

que sinto passo na escada.

(Desaparecem ambos.)

Cena VI

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Carvalho, Sousa, escondidos, Valentina, depois Gustavo


Valentina (Entra pela esquerda, segundo plano, e começa a procurar Carvalho.)

- Carvalho! Joaquim Carvalho!

Quincas! Quincas! Carvalhinho!

(Entra, procurando sempre, na direita, primeiro plano.)

Carvalho (A meia voz, pondo a cabeça para fora.)

- Que diz a isto, ó vizinho?

Sousa (No mesmo.) - É preciso tempo; dá-lho. (Escondem-se.)

Valentina (Volta e convencida que está só, vai à porta da esquerda, segundo plano, e diz para fora.)

- Podes vir, que foi-se embora. (Vem sentar-se.)

Fecha a porta à chave. (Gustavo entra.)

Carvalho (À parte.) - É ele.

Gustavo - Então foi-se embora aquele

‘stúpido?

Carvalho (Na janela, à parte.) - Hein?

Valentina - Foi-se.

Gustavo - Inda agora

estava ele aqui.

Valentina - Já sei...

já me disseste... Mas vamos...

Gustavo - Lá vou.

Valentina - Tempo não percamos.

Gustavo (Sentando-se em uma cadeira.)

- Numa vila em que eu andei,

hospedou-me um fazendeiro

que se chama João de Sousa;

tipo que deve ter coisa

de cem contos em dinheiro.

Tem uma filha bem boa;

tivemos logo um derriço

pequeno...

Valentina - Não passou disso?

Gustavo -Nada! Há coisa que mais doa

que uma carga de pau?

- O pai, que não é simplório,

deu-me a entender que o casório

não tinha nada de mau.

Não refleti um momento...

Sousa (À parte.) - Mas eu é que refleti.

Gustavo - Sem mais nem menos, lhe pedi

a pequena em casamento...

Valentina - Mas isso não vem ao caso...

Gustavo - Do resto vou por-te ao fato:

eu levava o teu retrato

comigo, por mero acaso.

O velhote estava um dia

a meu lado, e viu nas malas...

(Eu estava a desarrumá-las..)

... a tua fotografia.

Quis saber logo quem era!

Imagina o que lhe disse

- fora de certo tolice

falar verdade.

Valentina - Pudera!

Na tua situação!

Gustavo - Que eras minha irmão viúva...

Valentina - Tira o cavalo da chuva!

Pois lhe disseste isso?...

Sousa (À parte.) - Cão!

Gustavo - O velho achou-te uma flor!

Muitos elogios fez-te!

Enfim, nunca tiveste

mais sincero admirador!

Valentina - Finalmente... o que concluis?

Gustavo - Que concluo? Ora essa é boa?

Que do velho na pessoa

raro tesouro possuis!

Armamo-lhe um forte logro!

Ele supõe que és honesta:

casa-se contigo.

Carvalho (À parte.) - E esta?...

Gustavo - Por esse tempo é meu sogro.

Liquidamos o que houver (Ação de furtar.)

e fugimos para a América!

- Que tal esta idéia?


Valentina - Homérica!

Gustavo - É um país. como se quer,

a América! De lá passamos

à Itália, à França, à Alemanha,

à Suíça, à Áustria, à Espanha!

Todo mundo visitamos!

quando voltarmos, ninguém

de nós se lembra, descansa...

Valentina - Só de ser rica a lembrança,

não sei por quê, faz-me bem.

Carvalho (À parte.) - Custa-me a crer!

Gustavo - Mas que dizes?

Se tomas conta do pai

e a filha nas mãos me cai,

seremos muito felizes!

Eu, que desveladamente

faço a tua f’licidade,

batendo toda a cidade,

buscando quem te freqüente,

venho trazer-te a ventura,

a independência talvez!

Valentina - Mas trata-se desta vez

de uma arriscada aventura!

Gustavo - Que tem que seja arriscada?

Somos alguns trapalhões?

Já pensei nas precauções

que exige a empresa arrojada.

Minha irmã viúva morreu:

podes bem passar por ela,

e o marido que foi dela

passa por marido teu.

Mudas de nome, isso sim!

Em lugar de Valentina,

tu ficas sendo Joaquina.

Ela chamava-se assim.

(Batem à porta da esquerda, segundo plano.)

Valentina - Quem bate? (A Gustavo.) Vai para a sala

de jantar. Já lá vou ter.

(Gustavo saí pela direita, segundo plano. Valentina abre a porta. Entra O Joalheiro.)

Ah! é o senhor!

Cena VII

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Carvalho, Sousa, escondidos, Valentina, O Joalheiro


O Joalheiro - Vim trazer

o seu recibo. Esperá-la

não pude, que o fazendeiro

estava aqui.

Valentina - Bem, dê cá.

(O Joalheiro dá-lhe o recibo, que ela lê.)

O Joalheiro - ‘Stá tudo conforme?

Valentina - Está!

(Tirando um maço de notas da bolsa e dando-lhas.)

Aqui tem o seu dinheiro.

O Joalheiro (Depois de contar as notas.)


- Dois contos. Está exato. (Guardando-as.)

Muito obrigado. - A menina

fez um negócio da china!

Por um preço tão barato

nunca brilhantes daqueles

ninguém possuiu!

Valentina - Lamento

que aquele tolo e avarento

não pagasse tudo.

O Joalheiro - E eles.

Os brilhantes? Já lhos deu.

o fazendeiro?

Valentina -Inda não;

mas não tarda aí.

Sousa (À parte.) - Ladrão!

O Joalheiro - Pois aproveite-o.

Carvalho (À parte.) - Judeu!

O Joalheiro (Apertando-lhe a mão como para retirar-se.)

- Se os brilhantes quer vender...

Valentina - Por quanto?

O Joalheiro - Por cinco contos...

Valentina (Pensando.) - Ganho três

O Joalheiro (Deixando de apertar-lhe a mão e batendo no bolso.)

- Já cá estão prontos;

se quiser, é só dizer...

Valentina (Pensando.) - Não é má idéia, não..

(Resoluta.) Vou consultar com Gustavo...

Espere um pouco...

(Sai pela direita, segundo plano.)

Cena VIII

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Sousa, O Joalheiro, Carvalho


O Joalheiro (Que se julga só.) - Bravo!

Um conto de pé pra mão!

Sousa (Saindo do seu esconderijo e tomando o braço dO Joalheiro.)

- Passe já para cá os cinco contos. Já!

Não pense! Não reflita! A jóia, ei-la aqui está !

(Tira a jóia da algibeira e arremessa-a aos pés dO Joalheiro.)

O Joalheiro (Atônito, apanhando a jóia.- Mas, senhor...

Carvalho (Da cortina.) - Não recuse! Em flagrante delito

por crime preso está de estelionato!

(Puxando um apito, a Sousa.) Apito?

Sousa - Não apites! não! - Já cinco contos de réis!

E dê-se por feliz que eu não lhe peça os seis!

O Joalheiro (A Carvalho.)

- Mas Vossa Senhoria há de passar recibo!

(Dá o dinheiro a Sousa.)

Carvalho Eu dou-lhe o seu, cá está! (Dá-lho.)

Sousa (Tendo verificado o dinheiro.)

- E saiba que o proíbo de estar

mais tempo aqui! Já! Rua!

(O Joalheiro sai pela esquerda, segundo plano.)

Carvalho - Muito bem!

Sousa - Esconda-se, compadre: os ladrões aí vem.

Cena IX

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Carvalho, Sousa, escondidos, Valentina, Gustavo


Valentina (Entrando pela direita, segundo plano, acompanhada por Gustavo.)

- Já cá não está,

Gustavo - Foi-se embora?

Valentina - Arrependeu-se talvez...

Gustavo - Pois olha: mesmo por três

é negócio.

Sousa - Nós agora!

(Salta do esconderijo e agarra Gustavo pelo pulso.)

Ai, grandíssimo cachorro!

Carvalho (O mesmo com Valentina.)

- Canalha! corja! canalha!

Sousa (Agitando a bengala.)

- Vais ver como isto trabalha!

Carvalho - Pede já perdão!

Valentina (Caindo de joelhos.) - Socorro!...

Carvalho (Cruzando os braços.)

- Pois lucrei com a minha vinda

aqui!

Sousa - Com que tua irmã

é uma torpe barregã,

e tu és mais torpe ainda!

Apanha! (Dá-lhe com a bengala.)

Gustavo (Esquivando-se) - Senhor!

Sousa (Perseguindo-o e dando-lhe.) - Apanha!

Toma! Toma!

Gustavo (No mesmo.) - Ai! Quem me acode?

Sousa - Toma, patife!

Gustavo - Não pode!

(O Joalheiro entra pela esquerda, segundo plano e interpõe-se.)

Carvalho - Pouca vergonha tamanha

nunca se viu!

O Joalheiro (Apartando Sousa e Gustavo.) - Mas que é isto?

Sousa - Deixe matar este cão!

Carvalho (A Gustavo.) - Que é do doutor Perdigão?

O Joalheiro - Que fez o pobre de Cristo?

Valentina (Como ferida por uma idéia súbita.) - E a jóia?

(Cai desmaiada em uma cadeira; Sousa e Carvalho dão-se o braço e descem à cena. Gustavo corre para Valentina, e vendo que está desmaiada, sai pela direita, primeiro plano. Saída falsa. O Joalheiro fica ao fundo como que apreciando.)

Sousa (A Carvalho.) - ‘Stá satisfeita

de todo a nossa vingança!

Partamos sem mais tardança!

Carvalho - É compadre, a conta feita,

saio com o cobre que trouxe.

Sousa - Eu sinto um prazer estranho;

mas hei de tomar um banho

quando sair deste alcouce.

Gustavo (Volta com um frasquinho, que faz aspirar Valentina.)

- Valentina!

Sousa (Ao público.) - O exemplo importa

da estranha aventura nossa,

não só aos tolos da roça

como aos espertos da corte.

(CAI O PANO)


FIM