Veio-me a idéia correr imediatamente à presença da tia Domingas e pedir-lhe em casamento a prima Anica; mas contive-me; porque me lembrou que devia para isso achar-me autorizado pela noiva, e porque desejei desfrutar o encanto de alguns dias de intimas confidências, e de enlevo de namorados com a adorada moça.
Com a certeza que eu tinha de ser amado por Anica, e com a segurança da sua virtude alguns dias de demora no pedido de casamento não podiam senão duplicar a minha felicidade com o aguçamento de honestos mas ardentes desejos da posse do objeto amado.
Empreguei o resto do dia no estudo da tia Domingas, e do mano Américo pela visão do bem.
Indispensavelmente a visão do mal tinha sido a visão do diabo, que me fizera ver o contrário da verdade, e caluniar os mais santos corações, e os caracteres mais puros e generosos.
A tia Domingas era a devoção, a piedade personalizada. Aos pobres negava esmola à nossa vista, e semeava benefícios às escondidas: era a caridade do evangelho, o bem que fazia, só ela o sabia. e quando rezava, mais vezes suas orações eram por seus parentes e pelos estranhos, do que por si. No governo da casa economizava para matar a fome à indigência, e imaginava mil pretextos para ter mais que dar, e encobrir o que dava.
A tia Domingas era e é uma santa velha; o que ela faz em obras de caridade só Deus o sabe, e eu agora também o sei pela visão do bem.
O mano Américo é o tipo da dedicação fraternal: vive pensando em mim, negociando por mim, e explorando em meu favor e beneficio as evoluções, revoluções, e combinações da Praça do Comércio.
Em sua abnegação sublime deixa intatas e não desviadas do emprego em que se acham as somas da sua riqueza própria, e, mercê de uma procuração que assinei, negocia com a minha fortuna, jogando na praça: se perde, perco eu e é justo; se ganha, tira dos lucros a sua porcentagem, o que é justíssimo; a prova da honradez e boa-fé do mano Américo é que a minha fortuna ainda não diminuiu um ceitil, embora não tenha aumentado por causa de alguns prejuízos conseqüentes de jogo infeliz.
O que tem sempre aumentado é a fortuna do mano Américo que nunca perde, e ganha sempre; mas a isso nada tenho que dizer; porque o mano Américo só se ocupa de mim, e faz o sacrifício de jogar na praça somente com o meu dinheiro, e em tal caso quando há perdas, é evidente que eu devo carregar com elas, tanto mais que quando há lucros, meu irmão os reparte comigo.
É evidente que se o mano Américo jogasse na praça com os seus próprios recursos, ganharia somente para si, e eu não teria parte nos lucros.
Eu fora o mais vil ingrato se desconhecesse o que devo ao mano Américo.
A visão do bem acaba de mostrar-mo tal qual ele é. A sua prudência e sabedoria igualam à sua dedicação fraternal, e aos escrúpulos de sua probidade.
Com a minha luneta mágica eu poderia gerir perfeitamente os meus negócios; não incorrerei porem nesse erro: o mano Américo continuará a ser o depositário de toda minha fortuna, e a administrará e empregará absolutamente, como entender melhor.
Oh! quão aleivosa e envenenada, traidora e diabólica era a visão do mal! A que criminosos juízos sobre o caráter dos meus ótimos parentes me levou ela!
Ainda bem que posso enfim ver e apreciar a verdade, e pelo conhecimento da verdade viver a mais ditosa, e risonha das vidas.
Casar-me-ei com a prima Anica.
A tia Domingas será o gênio protetor da família e o anjo da caridade que fará descer as bênçãos do céu sobre a nossa casa.
O mano Américo continuara a ser o arbitro, o regulador dos negócios da família, dispondo convenientemente dos nossos cabedais em proveito de todos.
E eu serei o egoísta, o desfrutador de tantos benefícios só e de tanta felicidade sem trabalho, sem cuidados, só me ocupando do amor da prima Anica.
Abençoado sela o armênio
Abençoada seja a luneta magica que me deu a visão do bem.