Linda como era, não faltavam à moça adoradores de todas as idades e categorias. Muitos homens se abalavam da cidade até o Engenho Novo, só pela satisfação de contemplá-la, muitos deles conduzidos pela simples curiosidade, muitos deles instigados pela vaga esperança de uma promessa envolvida num sorriso ou num olhar. Pode-se dizer que durante muito tempo a formosura célebre de Fadinha contribuiu para o aumento da receita dos trens dos subúrbios, e para a animação do bairro, que naquele tempo não tinha a população de hoje. Muitos desses adoradores chegaram à fala, declarando-se animados das intenções mais puras, e entre eles alguns havia realmente dignos da singular ventura de casar com Fadinha; ela, porém, todos repeliu com a maior delicadeza e compostura.
Um dia, o Raposo convidou para jantar em sua casa o Remígio, um bom rapaz, seu colega, empregado na mesma repartição em que ele exercia as suas funções oficiais. Esse Remígio era uma das pérolas dá Secretaria, modelo de zelo, inteligência e assiduidade, funcionário "de muito futuro", como diziam todos; mas não era bonito, nem elegante, nem primava por nenhuma outra qualidade exterior. Entretanto, de todos quantos passaram diante dos formosos olhos da Fadinha, foi esse o único homem que lhe mereceu atenção. Negociantes acreditados e dinheirosos, funcionários bem colocados, advogados, médicos, oficiais do Exército e da Armada, etc. - tiveram todos que ceder lugar, no coração de Fadinha, a esse amanuense pálido, desajeitado, mal vestido, que apenas ganhava 166$666 réis mensais.
A moça parecia ansiosa por que o seu coração se manifestasse; imediatamente deu a entender ao Remígio que ele seria vencedor entre os numerosos candidatos à sua mão. O amanuense, que era modesto por natureza, e nem mesmo em sonhos imaginara esposar algum dia a moça mais bonita do Rio de Janeiro, ficou desvairado pela preferência que não solicitara, e apaixonou-se deveras por Fadinha.
Logo que se manifestaram claramente os primeiros sintomas daquele amor, houve um sobressalto na família. D. Firmina viu aproximar-se o perigo, e um dia, depois do almoço, quando o marido se dispunha a sair de casa, arrastando a sua obesidade até o trem, comunicou-lhe os seus receios; mas o Raposo, que tinha pelo Remígio uma afeição paternal, e não via com maus olhos a perspectiva do seu casamento com Fadinha, limitou-se a sorrir, dizendo:
— É muito natural que eles gostem um do outro e que se casem.
— Você está falando sério?
— Ora esta! Muito sério! Quem sabe se o Remígio não é digno da pequena!
— Um amanuense!
— E eu quem sou?... Que era eu quando fomos à igreja?... Fadinha se casará conforme a sua inclinação; se gosta de um amanuense e não de um ministro, paciência! Não quer ser rica; faz bem, porque a felicidade não está no dinheiro. Demais o Remígio não é para ai nenhum pobre-diabo carregado de esteiras velhas; o pai deixou-lhe alguma coisa; tem duas ou três casinhas, algumas apólices e muito juízo, que é o essencial Estimado como é na Secretaria, não lhe dou cinco anos para estar chefe de seção. Acenda você a lanterna de Diógenes, que não encontra genro mais ao pintar.
— Deixe-se disso! Nossa filha é muito bonita, e...
— Aí vem você com a boniteza de nossa filha! Isso não vale nada, absolutamente nada! E muito bonita, é, mas não tem vintém, e se se casasse à força com algum ricaço, o casamento pareceria mais um negócio que outra coisa. Demais, seria humilhante para nós que somos paupérrimos. Que diabo! Não quero especular com a beleza de minha filha, nem me opor à sua ventura contrariando os seus sentimentos. Você, que é tão religiosa, devia pensar como eu...
— Mas nós poderíamos fazer ver à Fadinha que...
— Basta! Já vejo que não nos entendemos neste particular. Na minha opinião, o Remígio é um excelente partido, e não vejo a razão por que a pequena deva aspirar a outro!
— Mas...
— Não há mas nem meio mas! Ela que decida, porque - e peço-lhe que tome em consideração as minhas palavras - a Fadinha não se casará com quem você ou eu quisermos que se case, mas com o noivo que escolher por sua livre vontade, seja amanuense, praticante, czar da Rússia, ou xá da Pérsia!...
— Eu...
— Nem mais uma palavra, Firmina! Você bem sabe que isto aqui não é casa de Gonçalo! Não admito que debaixo destas telhas outra voz se erga mais alto que a minha!
— Mas o que você está dizendo é uma asneira!
— Uma asneira!... Uma asneira!... É a mim que a senhora diz isso?!...
— Sim, sim... é ao senhor! Estou farta de representar nesta casa um papel tão subalterno!
— Nesse caso, vista as minhas calças e passe para cá as saias! Ora não seja tola! Hoje mesmo vou dizer ao Remígio que a pequena é dele!...
— Pois não há de ser, digo-lhe eu! Quero fazer a felicidade de minha filha!
— Não minta!... A senhora quer fazer a sua própria felicidade, não a dela! Não me obrigue a falar, porque, se falo, temos escândalo e escândalo grosso!
E o Raposo contrafazia-se, abaixando a voz para não ser ouvido pelos demais da casa:
— A senhora nunca a estimou como devia; nunca lhe teve amor de mãe, de verdadeira mãe!... E agora quer vendê-la... Boas!... Hoje mesmo falo ao Remígio!...
— Isso é uma infâmia! Eu sou mãe dela, e o senhor não tem certeza de ser seu pai!...
—Hein?... Que é isso?...
O Raposo cresceu para d. Firmina, mas uma onda de sangue lhe subiu à cabeça; ele abriu desmesuradamente os olhos e a boca, agitou os braços no ar e caiu fulminado.
Quando chegou o dr. Souto, chamado a toda a pressa, encontrou-o morto.
— Bem dizia eu que o Raposo era uma apoplexia ambulante!