Não esperava o barão de Moreira que se decidisse tão bruscamente a sua sorte; no fundo, contava que uma circunstância qualquer, atirando-lhe Fadinha nos braços, o dispensasse das responsabilidades do casamento; entretanto, o titular submeteu-se a tudo, resignando-se a perder a liberdade que era o encanto da sua vida de libertino.
D. Firmina e os filhos não cabiam na pele de contentes. Ela tratava agora os vizinhos e mais pessoas do seu conhecimento com ares de proteção, e o Alexandre olhava para os companheiros do armazém e do escritório, e lhes falava, como se já fossem caixeiros dele.
O Pimenta estava radiante, e, com o olho na prometida lambugem, por todos os meios e modos estimulava o barão para que o casamento se realizasse quanto antes.
Marcou-se o "grande dia" em família, durante o jantar com que se festejou o décimo nono aniversário da Fadinha, e o barão, num brinde feito à noiva, ofereceu-lhe, com muita delicadeza, o enxoval, que mandaria vir de Paris. O casamento efetuar-se-ia em setembro, com todo o luxo e aparato. O noivo não mudaria de casa; apenas faria alguns reparos e modificações imprescindíveis em certos compartimentos, e substituiria a sua mobília de solteiro. O Pimenta foi logo encarregado de todas essas diligências.
Fadinha dissimulava o mais que podia o seu desgosto. Sofria muito, muito, porque, por mais que tentasse iludir a si mesma com a perspectiva de ser baronesa e abastada, não podia esquecer-se do Remígio. Este, que sabia, por portas travessas, de todos os incidentes relatados, sofria tanto como Fadinha; consolava-se, porém, com a idéia de que ela seria venturosa, e nada, absolutamente, nada lhe faltaria neste mundo, nem mesmo o seu amor, porque ele continuaria a amá-la, e amá-la-ia sempre, embora casada, cheia de filhos, envelhecida, morta!
Entretanto, prosseguiam os preparativos para o casamento. Chegou o enxoval, que era riquíssimo, e o palacete do barão ficou que nem um brinco. Os papéis estavam prontos. O Pimenta, que se incumbiu também disso, não se esqueceu de coisa alguma, nem mesmo do bilhete de confissão, comprado a um sacerdote pouco escrupuloso.
Na cidade, um dos assuntos obrigados de todas as conversas era o próximo enlace do barão de Moreira. Toda a gente o elogiava por se casar com moça pobre, e toda a gente o invejava, porque essa moça era a mais bonita do Rio de Janeiro. Fadinha tornou-se, mais que nunca, objeto de curiosidade pública, e mais que nunca o Engenho Novo foi visitado por pessoas estranhas ao bairro.
Faltava um mês apenas para a celebração do casamento. Era em 15 de agosto. D. Firmina, sempre devota, exigiu que Fadinha fosse com ela à ermida da Glória levar uma vela à Virgem e pedir proteção divina. A moça aquiesceu, e lá foram mãe e filha... A noite era quente, e no Largo da Glória, no outeiro e na ermida, a multidão compacta. Só à custa de incalculáveis esforços conseguiram as duas senhoras levar a vela ao seu destino. Dentro da ermida Fadinha sentiu-se mal, respirando com dificuldade, queixando-se de dores de cabeça.
— Não é nada. Vamos para casa, que isso passa.
Meteram-se num carro. Quando chegaram ao Engenho Novo, Fadinha ardia em febre. Foi imediatamente para a cama.
Estavam presentes, esperando as senhoras, o barão e o Pimenta, que se tornara íntimo da casa. Este foi logo chamar o médico.
Depois que Fadinha se acomodou, o noivo pediu licença para vê-la, e d. Firmina introduziu-o no quarto. A moça tinha os olhos fechados e ofegava. O barão aproximou-se dela e, tomando-lhe uma das mãos ardentes, perguntou-lhe com meiguice:
— Então?... Que foi isso?...
Fadinha sorriu e murmurou:
— Remígio!... Meu Remígio!
Delirava.
Trouxe o Pimenta o dr. Souto, o médico da família, o mesmo que passara o atestado de óbito do Raposo. Era um sexagenário, que havia mais de trinta anos clinicava no bairro, onde todos o conheciam e respeitavam.
— Então a beleza adoeceu?... Não há de ser nada, não há de ser nada...
O médico sentou-se junto ao leito e tomou o pulso à doente:
— Tem muita febre, tem... e a pele como está seca!... Já sei... uma supressão de transpiração... Não há de ser nada...
E voltando-se para d. Firmina:
— Segundo me disse aquele senhor (e apontou para o Pimenta), a menina foi à festa da Glória, sentiu-se mal dentro da igreja, e voltou para casa com febre e dores de cabeça...
— Sim, doutor.
— E não se queixou de mais nada?
— Não, senhor, mas está muito agitada, como vê...
O doutor debruçou-se delicadamente sobre a enferma, e perguntou-lhe em tom paternal:
— Ainda lhe dói muito a cabeça?
Fadinha não respondeu. Parecia não dar acordo de si.
O médico repetiu duas vezes a pergunta, e a enferma teve, afinal, um movimento quase imperceptível de lábios.
— E que mais lhe dói? Diga! Preciso saber... Vou dar-lhe um remédio que a porá boa...
A moça levou a mão à garganta.
— Dói-lhe também a garganta?
Desta vez ela respondeu distintamente:
— Dói.
— Bom. Não há de ser nada... Vou receitar, e amanhã voltarei cedo.
E depois de prescrever um sudorífico e uma dose alta de quinino, o médico despediu-se, dizendo:
— Convêm deixá-la quieta, muito quieta... Não lhe falem... Não façam o menor rumor neste quarto...
— Mas que tem minha filha, doutor?
— Por enquanto não posso diagnosticar... mas não há de ser nada... Não se assustem... Deixem-na transpirar, transpirar bastante... Só lhe mudem a roupa quando estiver alagada... De duas em duas horas uma cápsula... Até amanhã.
— E se a febre aumentar?
— Não aumenta, mas se aumentar previnam-me: darei cá um pulo. Não há de ser nada. Até amanhã.
— Boa noite, doutor.
E o médico saiu.
Entretanto, aquelas palavras - Remígio!.. Meu Remígio!.. - proferidas pela moça na inconsciência do delírio sobressaltaram a família - e, quando o barão e o Pimenta se retiraram, d. Firmina e os rapazes, não obstante o estado em que se achava a doente, e as recomendações do médico, dirigiram-lhe amargas invectivas:
— Filha ingrata! Destruíste a nossa felicidade!
— Escabreaste o barão!
— Deitaste tudo a perder!
— Podes limpar a mão à parede!
A doente, que parecia não ouvir tais recriminações, começou a gemer, a gemer, como se sentisse muitas dores em todo o corpo. Assim passou a noite.