CANTO IV

A VIDA HEROICA
 

A Vida heoica


A Águia — o génio das montanhas —
Ardia numa febre de heroísmos;
Brotára-lhe das férvidas entranhas,
Era o grito de angústia dos abismos.

Ia poisar nas cristas alterosas
Com atitudes magestosas
Duma estátua em soberbos pedestais;
E quando as azas negras se alargavam
As remíjes agudas faiscavam,
Para fender o ar como punhais.


Que heroica aparição,
Quando surgia vigorosa, ardente,
Na cúspide do monte!
Despedia de si o súbito clarão
Dos astros no Oriente,
Quando rasgam as brumas do horizonte;

Ave de preza,
Que fila e que arrebata
Com verdadeiro amôr ao perigo;
Duma estirpe real que adora a luta aceza:
Tem júbilos crueis emquanto mata,
Canta sobre o cadáver do inimigo.

Palpita-lhe no rude e altivo porte,
Todo talhado em formas duras,
A enerjia suprema duma raça;
Brilham-lhe as penas ríjidas e escuras,
Envolvendo-lhe o peito alto e forte
Numa ardente couraça.

Salta-lhe o coração no vasto peito,
Cárcere estreito
Pra tão indómito pulsar,


Indo de encontro ao ríjido broquel,
Como numa caverna o irado tropel
Dos vagalhões do Mar.

Se via as outras Águias na amplidão,
Sulcando todo o Céu num vôo forte,
Cheio de majestade e de harmonia,
Pulava-lhe de fúria o coração,
E atirava num súbito transporte
Arrebatados gritos de alegria.

Um desejo sem fim, um contínuo transporte
Lhe dilatava o coração;
Na sua veemente exaltação
Desafiava com despreso a Morte.

Vivia a Vida trájica e profunda.

Heroica, aventureira, vagabunda,
Rasgando sempre espaços novos,
E ignorando as fronteiras
Que dividem os povos,
Percorreu as lonjínquas cordilheiras,
Atravessou o Mar e os Céus distantes,


Lançando em cada serra
Os seus gritos de guerra
Bárbaros, percucientes, terebrantes.

Carne que a chama fúljida consome,
Quando sentia a fome,
Partia das altíssimas arestas,
Abria as asas sobre a rocha escassa
E, corsário do Azul, partia á caça
Dos animais bravios das florestas.

Se via a presa, os seus instintos
Erguiam-se coléricos, famintos,
 E despedia lume pelo olhar;
E com os olhos fitos sobre a presa
A devora-la co a pupila acesa
Descia de vagar.

Mas ei-la que se arroja de repente,
Vertijinosamente,
Ranjendo o

bico ponteagudo;

E cai co as asas encolhidas
E as garras estendidas,
Fendendo, abrindo o ar num silvo agudo.

Rápida flecha em direitura á meta,
Ei-la que abala, corre e se arremessa,
Desaba sobre a presa e já lhe espeta,
Lhe finca e crava as garras na cabeça.

Depois, tinta de sangue e olhos em brasa,
Erguia a presa, desfraldando a asa,
Ia poisa-la sôbre as altas penhas;
E, ébria duma divina crueldade,
Atirava o seu canto á Imensidade
Do cimo das montanhas.