Junto ao placido rio
Que entre margens de relva e fina areia
Murmura e serpenteia,
O tronco se levanta,
O tronco melancolico e sombrio
De um salgueiro. Uma fresca e branda aragem
Alli suspira e canta,
Abraçando-se á tremula folhagem
Que se espelha na onda voluptuosa.
Alli a desditosa,
A triste Ophelia foi sentar-se um dia.
Enchião-lhe o regaço umas capellas
Por suas mãos tecidas
De varias flôres bellas,
Pallidas margaridas,
E rainunculos, e essas outras flôres
A que dá feio nome o povo rude,
E a casta juventude
Chama — dedos da morte. — O olhar celeste
Alevantando aos ramos do salgueiro,
Quiz alli pendurar a offrenda agreste.
N'um galho traiçoeiro
Firmára os lindos pés, e já seu braço.
Os ramos alcançando,
Ia depôr a offrenda peregrina
De suas flôres, quando
Rompendo o apoio escasso,
A pallida menina
Nas aguas resvalou; forão com ella
Os seus — dedos da morte — e as margaridas.
As vestes estendidas
Algum tempo a tiverão sobre as aguas,
Como sereia bella,
Que abraça ternamente a onda amiga.
Então, abrindo a voz harmoniosa,
Não por chorar as suas fundas mágoas,
Mas por soltar a nota deliciosa
De uma canção antiga,
A pobre naufragada
De alegres sons enchia os ares tristes,
Como se alli não visse a sepultura,
Ou fosse alli creada.
Mas de subito as roupas embebidas
Da lympha calma e pura
Levão-lhe o corpo ao fundo da corrente,
Cortando-lhe no labio a voz e o canto.
As aguas homicidas,
Como a lage de um tumulo recente,
Fechárão-se; e sobre ellas.
Triste emblema de dôr e de saudade,
Forão nadando as ultimas capellas.