Magdalena estava na sala acompanhada de um filho.
Ninguem mais.
Erão nove horas e meia.
— Viria eu cedo de mais? perguntou elle á dona da casa.
— O senhor nunca vem cedo.
Estevão inclinou-se.
Magdalena continuou:
— Se me acha só, é porque, tendo enfermado um pouco, mandei desavisar as poucas pessoas que eu havia convidado.
— Ah! mas eu não recebi...
— Naturalmente; eu não lhe mandei dizer nada. Era a primeira vez que o convidava; não queria por modo algum arredar de casa um homem tão distincto.
Estas palavras de Magdalena não valião cousa alguma, nem mesmo como desculpa, porque a desculpa é fraquissima.
Estevão comprehendeu logo que havia algum motivo occulto.
Seria o amor?
Estevão pensou que era, e doeu-se, porque, apezar de tudo, sonhára uma paixão mais reservada e menos precipitada. Não queria, embora lhe agradasse, ser objecto d’aquella preferencia; e mais que tudo achava-se embaraçadissimo diante de uma mulher a quem começava a amar, e que talvez o amasse. Que lhe diria? Era a primeira vez que o medico achava-se em taes apuros. Ha toda a razão para suppôr que Estêvão n’aquelle momento preferia estar cem leguas distante, e comtudo, longe que estivesse pensaria n’ella.
Magdalena era excessivamente bella, embora mostrasse no rosto signaes de longo soffrimento. Era alta, cheia, tinha um bellissimo collo, magnificos braços, olhos castanhos e grandes, boca feita para ninho de amores.
N’aquelle momento trajava um vestido preto.
A côr preta ia-lhe muito bem.
Estevão contemplava aquella figura com amor e adoração; ouvia-a fallar e sentia-se encantado e dominado por um sentimento que não podia explicar.
Era um mixto de amor e de receio.
Magdalena mostrou-se delicada e solicita. Fallou no merecimento do rapaz e na sua nascente reputação, e instou com elle para que fosse algumas vezes visital-a.
Ás 10 horas e meia servio-se o chá na sala. Estêvão conservou-se lá até ás 11 horas.
Chegando á rua o medico estava completamente namorado. Magdalena tinha-o atado no seu carro, e o pobre rapaz nem vontade tinha de quebrar o jugo.
Caminhando para casa ia elle formando projectos: via-se casado com ella, amado e amante, causando inveja a todos, e mais que tudo feliz no seu interior.
Quando chegou á casa, lembrou-se de escrever uma carta que mandaria no dia seguinte a Menezes. Escreveu cinco e rasgou-as todas.
A final redigio um simples bilhete n’estes termos:
« Meu amigo. — Você tem razão; na minha idade crê-se; eu creio e amo. Nunca o pensei; mas é verdade. Amo..... Quer saber a quem? Hei de apresental-o em casa d’ella. Há de achal-a bonita... Se o é!... »
A carta dizia muitas cousas mais; era tudo, porém, uma glosa do mesmo mote.
Estevão voltou á casa de Magdalena e as suas visitas começárão a ser regulares e assiduas.
A viuva usava para com elle de tanta solicitude que não era possivel duvidar do sentimento que a dirigia. Pelo menos Estevão assim o pensava. Achava-a quasi sempre só, e deliciava-se em ouvil-a. A intimidade começou a estabelecer-se.
Logo na segunda visita, Estevão fallou-lhe em Menezes pedindo licença para apresental-o. A viuva disse que teria muito prazer em receber amigos de Estevão; mas pedia-lhe que adiasse a apresentação. Todos os pedidos e todas as razões de Magdalena erão dignas para o medico; não disse mais nada.
Como era natural, ao passo que as visitas á viuva erão mais assiduas, as visitas ao amigo erão mais raras.
Menezes não se queixou; comprehendeu, e disse-o ao rapaz.
— Não se desculpe, accrescentou o deputado; é natural; a amizade deve ceder o passo ao amor. O que eu quero é que seja feliz.
Um dia Estevão pedio ao amigo que lhe contasse o motivo que o tinha feito descrer do amor, e se algum grande infortunio lhe havia acontecido.
— Nada me aconteceu, disse Menezes.
Mas ao mesmo tempo, comprehendendo que o medico merecia-lhe toda a confiança, e podia não acredital-o absolutamente, disse:
— Porque negal-o? Sim, aconteceu-me um grande infortunio; amei tambem, mas não encontrei no amor as doçuras e a dignidade do sentimento: emfim, é um drama intimo de que não quero fallar: limite-se a pateal-o.