Levantou-se da cama o pobre namorado sem ter conseguido dormir. Vinha nascendo o sol.

Quiz ler os jornais e pedio-os.

Já os ia pondo de lado, por haver acabado de ler, quando repentinamente vio o seu nome impresso no Jornal do Commercio.

Era um artigo a pedido com o titulo de Uma obra prima.

Dizia o artigo:


« Temos o prazer de annunciar ao paiz o proximo aparecimento de uma excellente comedia, estréa de um joven litterato fluminense, de nome Antonio Carlos de Oliveira.

« Este robusto talento, por muito tempo incognito, vai emfim entrar nos mares da publicidade, e para isso procurou logo ensaiar-se em uma obra de certo vulto.

« Consta-nos que o autor, solicitado por seus numerosos amigos, leu ha dias a comédia em casa do Sr. Dr. Estevão Soares, diante de um luzido auditorio, que applaudio muito e prophetisou no Sr. Oliveira um futuro Shakespeare.

« O Sr. Dr. Estevão Soares levou a sua amabilidade a ponto de pedir a comedia para ler segunda vez, e hontem ao encontrar-se na rua com o Sr. Oliveira, de tal enthusiasmo vinha possuido que o abraçou estreitamente, com grande pasmo dos numerosos transeuntes.

« Da parte de um juiz tão competente em materias litterarias este acto é honroso para o Sr. Oliveira.

« Estamos anciosos por ler a peça do Sr. Oliveira, e ficamos certo de que ella fará fortuna de qualquer theatro.

« O amigo das lettras. »


Estevão, apezar dos sentimentos que o agitavão então, enfureceu-se com o artigo que acabava de ler. Não havia duvida que o autor d’elle era o proprio autor da comedia. O abraço da vespera fôra mal interpretado, e o poetastro aproveitava-o em seu favor. Se ao menos não fallasse no nome de Estevão, este poderia desculpar a vaidadezinha do escriptor. Mas o nome alli estava como complice da obra.

Pondo de lado o Jornal do Commercio, Estevão lembrou-se de protestar, e ia já escrever um artigo quando recebeu uma cartinha de Oliveira.

Dizia a carta:


« Meu Estevão. — Lembrou-se um amigo meu de escrever alguma cousa a proposito da minha peça. Expliquei-lhe como se dera a leitura em tua casa, e disse-lhe como é que, apezar do vivo desejo que tinhas de ouvir lêl-a, interrompeste-me para ir cuidar de um doente. Apezar de tudo isto, o meu referido amigo contou hoje no Jornal do Commercio a historia alterando um pouco a verdade. Desculpa-o; é a linguagem da amizade e da benevolencia.

« Hontem entrei para casa tão orgulhoso com o teu abraço que escrevi uma ode, e assim manifestou-se em mim a veia lyrica, depois da comica e da tragica. Ahi te mando o rascunho; se não prestar, rasga-a. »


A carta tinha, por engano, a data da vespera.

A ode era muito comprida; Estevão nem a leu; atirou-a para um canto.

A ode começava assim:


Sahe do teu monte, ó musa!
Vem inspirar a lyra do poeta;
Enche de luz a minha fronte ousada,
E mandemos aos evos,
Nas azas de uma estrofe ingente e altisona,
Do caro amigo o animador abraço!

Não canto os altos feitos
De Achilles, nem traduzo os sons tremendos
Dos rufos marciaes enchendo os campos!
Outro assumpto me inspira.
Não canto a espada que dá morte e campa;
Canto o abraço que dá vida e gloria!