A Mulher na agricultura, nas industrias regionaes e na Administração Municipal/Lacticultura

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Lacticultura
 

 

Falar na missão da mulher no vasto dominio da exploração de lacticínios é quasi um pleonasmo, pois que o seu trabalho é neles indispensável e quanto mais avançar a lacticultura, que é já felizmente uma segura fonte de riqueza no nosso país, mais o trabalho da mulher será necessário.

Começando pelo sistema primitivo, de que mal agora vamos saindo em Portugal, sempre a mulher teve a sua missão nesta indústria, tão velha como a civilização, e que inicia a sua benéfica influência, elevando o homem de caçador e guerreiro a pastor e agricultor, que tanto mais desejam a paz, quanto mais teem que perder e mais fácil lhes corre a vida material.

E assim por toda a parte encontramos a mulher pastora, já de camelas, na terra ardente, onde o berbere defende a sua tenda, já de ovelhas nos vales e alcantis da nossa terra linda. De pastora é o primeiro passo da sua vida agrícola. A própria tradição a consagra pastorinha amável e ladina nos contos infantis, santa pastora das lendas cristãs, fonte de ilusão e de felicidade na moderna mitologia católica.

Mais tarde, é ela ainda quem fabrica o requeijão e o queijo, sem cultura nem método, só por intuição; pela aptidão inconsciente que dá o trabalho tradicionalmente seguido, ela consegue dar-nos o tipo mais ou menos fixo dos nossos admiráveis queijos da Estrêla, os cabreiros picantes de Traz-os-Montes, o queijo alentejano, e outros mais ou menos conhecidos por êsse país fóra.

Com uma instrução nula e uma tecnologia perfeitamente rudimentar, ninguem faria mais nem melhor.

É tempo, porêm, de atacarmos de frente o problema e resolvê-lo, como todos os países o teem resolvido, pela instrução disseminada e pela indústria scientífica.

O queijo manteigoso, o da Serra da Estrêla e porventura o seu similar alentejano, podem ter um largo mercado no estrangeiro, principalmente no Brasil, onde o próprio português, saudoso, o paga compensadoramente.

Quando residimos em S. Paulo, um dos mais ricos e progressivos Estados da Federação Brasileira, doeu-nos não pouco vêr como a nossa indústria era batida na concorrência com o estrangeiro, nem sempre por ser melhor, mas sim por melhormente apresentada.

E falámos tantas vezes no que de nosso ali podia valorizar-se e especialmente no queijo da Serra, que, mais por gentileza do que por espírito de ganância, patrícios nossos mandaram ir da Serra uma encomenda de queijos, os quais ali chegaram em optimas condições, transportados na câmara frigorífica do navio.

Retirando logo em seguida, não sabemos se a importação continuou, mas que essa primeira remessa foi rapidamente esgotada, vendendo-se a 8:000 reis o quilo (moeda brasileira, é claro), podemos afirmá-lo.

Temos, pois, mercado á farta, não só interno como externo, para o que pudermos fabricar.

Possuimos um tipo de queijo inigualável, especialmente para o paladar português... e portuguêses temos, em magníficas condições económicas, espalhados por todo o mundo.

Falta-nos apenas a sciência aplicada ao que já existe tradicionalmente e ao que de futuro pudermos ainda criar e desenvolver.

Tudo quanto se refere a lacticínios tem merecido, nos países muis cultos da Europa, um cuidado verdadeiramente comovedor, visto que o leite é o alimento primacial das Crianças e dos velhos e tantas vezes o derradeiro recurso nutritivo dos doentes. Entre nós, tudo está por fazer, a começar pela cidade de Lisboa, onde a venda e distribuição do leite é vergonhosa, sob o ponto de vista higiénico, conforme é provado no relatório há pouco apresentado á Câmara Municipal de Lisboa, pelo lente da Escola de Medicina Veterinária, Sr. Paula Nogueira, que tem, como poucos, competência para o dizer, pelos seus conhecimentos especiais e pela comparação com o que viu em alguns países estrangeiros.

Os países escandínavos é qué primeiro encararam a sério o problema da criação e exploração dos animais domésticos, possuindo hoje uma indústria leiteira florescente e da qual teem, por assim dizer, o segredo.

O seu exemplo começa a espalhar-se por outros países, todos compreendendo hoje que são indispensáveis, para atingir um fim compensador nesta indústria, as cooperativas, as associações e os sindicatos, todo o sistema associativo económico bem conhecido e ainda mal praticado entre nós.

E, sobretudo, o que é necessàrio é fundar as escolas de lacticínios, sem as quais é impossível ter, em boas condições, manteiga, queijo, nata, leite condensado e pastorizado, e tudo mais quanto depende dêste ramo da indústria pecuária.

Estas escolas são, em toda aparte, quasi únicamente destinadas ao ensino feminino.

A Suécia possúi numerosos estabelecimentos públicos particulares, destinados a ensinar ás raparigas a indústria dos lacticínios, e a idea da escola especial de leitaria pertence-lhe, pois foi ela que, em 1858, apresentou ao Parlamento o projecto que êste aprovou, com a imediata dotação de 6:000 riksdaler para o realizar.

Hoje, as escolas leiteiras, na Suécia, formam quatro grupos:

1.° O Instituto leiteiro de Alnarp, que é uma verdadeira escola de ensino superior, organizada pelo Estado.

2.° As escolas oficiais estabelecidas em Björkfors e Atvidaberg, sendo a primeira reservada para o sexo feminino e a segunda coeducativa.

3.° Estações de leitaria do Estado, em número de 24, em diversas regiões, sendo os seus cursos somente destinados ás raparigas.

4.° Escolas de leitaria estabelecidas por sociedades agrícolas ou pela iniciativa particular.

Á iniciativa sueca seguiu-se a da Finlândia, a da Noruega e a da Dinamarca, todas modelares no seu género.

Todos os outros países europeus lhes vão hoje no encalço, se exceptuarmos a Espanha e nós, infelizmente, irmanados nessa miséria!

Uma das mais antigas escolas de lacticínios que existem na Europa é, além das da Suécia, a de Edimon, fundada na Rússia, em 1871.

Não podemos alongar-nos neste assunto, em que tanto ha que dizer entre nós, porque não é um livro de especialização agrícola que estamos fazendo, mas uma simples tese de enunciação sôbre o muito que ha a fazer em Portugal, para utilizar o trabalho feminino.

Sómente queremos bem frisar que no assunto «Lacticínios», como em todos os outros, o primeiro passo a dar para o seu desenvolvimento é fundar as escolas femininas especiais e desenvolver a propaganda scientífica, vulgarizando-a pela palavra autorizada dos especialistas. E esta propaganda tem de ser não só técnica, como social, pois esta indústria é das que não podem manter-se nem progredir, sem se resolver o problema associativo.

É indispensavel que as senhoras cultas bem compreendam isto e que todas elas, esposas, mães, filhas, irmãs dos proprietarios e cultivadores, se liguem no pensamento comum de fomentar uma grande riqueza nacional, pondo de parte toda a divergencia de sentimentos e ideas que possa existir, visto que a questão economica não tem exclusivismos e para todos se apresenta da mesma fórma imperativa. É ás associações de senhoras cultivadoras que a nosso vêr cabe a simpatica e util missão de organizar as associações cooperativas operarias, porque ás mulheres não convem de modo algum seguirem nesse ponto o exemplo dos homens, criando incompatibilidades, e ás vezes odios, entre o proprietario e o operario.

As mulheres teem todas o mesmo interesse moral e todas portanto se devem unir numa fraternização inteligente, com que a sociedade só tem a lucrar.

Aos municipios impende encetar este trabalho de industria scientifica, limitada embora ás condições do meio e em harmonia com as tradições locais.

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