Na fazenda do Burel,
Nos verdes onde pastei,
Muitos vaqueiros de fama,
Nos carrascos eu deixei.
O afamado Ventania.
Montado no Tempestada,
Foi quem primeiro espantou-me
Estando numa maiada,
Mais adiante encontrei
Com o vaqueiro João
No seu cavalo lazão.
Já vinha correndo em vão.
Logo me fiz ao carrasco,
Fui-me abarbar com o Veloso;
No atravessar o riacho
Só lhe deixei o rasto
Por ser ele tão teimoso!
Ouvi grande tropelada
Que zunia no sertão:
Era o afamado Grinalda
Com o Ferreira Leão.
Que dois vaqueiros de fama
Encontrei no bebedor!...
Logo me fiz ao carrasco,
E eles mal me enxergou.
Mais adiante ouço gritar:
—— Nem do rasto dou noticia,
Em que carrasco escondeu-se
A encantada lagartixa!?
Eu no tempo de bezerra
A muitos vaqueiros logrei;
Na fazenda fiz sueira,
Muitas porteiras pulei.
Abarbada me vejo
Com o vaqueiro Miguel,
No seu cavalo Festejo
Na fazenda do Burel.
Que dois vaqueiros temíveis,
João Bernardo e Miguel!...
Perto do curral os logrei,
Quasi que os deixei de pé.
—— "Só se eu morrer amanhã,
Ou não me chamar Miguel,
Só assim deixas de entrar
No teu curral do Burel.
Eu te juro, lagartixa,
Que não me hás de escapar;
Nem que corras como vento
Tu hás de entrar no curral.
Corre, corre, lagartixa,
Quero ver a tua fama;
Que no curral do Burel
Quero fazer tua cama.
Toda a minha vontade
É no teu rasto acertar,
Tu verás como se tranca
A lagartixa no curral.
Cerca, Veloso, na grota,
Faz esteira no baixio;
Aperta para o meu lado,
Lá vem como um corrupio.
Oh! que vaquinha danada!
Ela não corre, ela voa...
Meu cavalo já cansou,
É que a coisa não está boa.
Tenho corrido muito gado,
Novilhote e barbatão,
Nos carrascos e restinga;
Agora fiquei logrado
No centro deste sertão;
Bota o cavalo, Veloso,
Quero ver como se espicha,
Se ainda torna a escapar
A malvada lagartixa."
Logo ao chegar ao riacho
A lagartixa os cegou;
Como a noite era escura
MigueI e Veloso voltou.
Encontraram MigueI e Veloso
Com o tal do João Bernardo:
Pergunta pela lagartixa;
Responderam: — Estou logrado!
O João Bernardo e Miguel,
O Grinalda e o Leão,
Ventania e o Veloso
Tomaram para o poqueirão.
Logo ao entrar a gurgeia
Encontram Pedro Preguiça,
E já lhe vão perguntando
Se não vira a lagartixa.
"Encontrei numa maiada
Três rezes brancas,uma lavrada,
Três castanhas requeimadas,
E uma rouxinol disfarçada.
O sinal desta vaquinha?
—-Cara branca punaré,
Traz o ferro do Burel,
Não tem cauda, é coché.
É cega, só tem um chifre,
Muito esperta e arisca;
São estes todos sinais
Da afamada lagartixa.
"Ora se é esta a famanaz
Que tanto sussurro tem feito!
Para pegar esta vaquinha
É bastante o meu Mosquete.
Ora, vamos todos sete
Lá mais perto da maiada;
Quando passei o campestre
Vi uma rez lá deitada.
Afroxa a rédea, caboclo.
Encosta a espora, Preguiça,
Quero ver a tua fama
Com a tirana lagartixa.
Corre, corre, lagartixa,
Vai tomando mais alento;
Que o meu rucilho não corre,
Já me voa como vento.
Todo o gado adiante corre,
Não a quero perder de vista;
Hei de mostrar meu talento
À vaqueirada de crista.
João Bernardo não sabe
Que meu cavalo é de cobiça;
Como eu posso ser logrado
Por esta pobre lagartixa?
—-Aqui mesmo no carrasco
Muitas famas têm ficado;
No atravessar o riacho
Hás de ficar arriado.
Não hás de ter o prazer
De entrar eu na Boa-Vista
Com peia e laço e canzil
Só pelo Pedro-Preguiça.
Não há vaqueiro de fama
Que do carrasco me tire,
Nem que deixe sua trama,
De dentro pra fora se vire.
Mais adiante da maiada
Perdeu o Pedro-Preguiça
Chapéu, espora e chicote
No rasto da lagartixa.
"Antes de o sol sair
Vou-te esperar na maithé:
Hás de entrar com o laço
Na fazenda do Burel.
—-No riacho da Alegria
Foi a minha perdição,
Quando vi o Ventania
Mais o Ferreira Leão.
Os destemidos vaqueiros,
Veloso e o tal Grinalda,
Bem montado, às estribeiras
Traziam sua guilhada.
Grita o Ferreira Leão,
Logo respondeu o Grinalda:
—— Se não podem botar no chão,
Eu meto a minha guilhada.
Já respondeu o Veloso:
"O Ventania é cabra zarro,
Bate com o chapéu na perna,
Bota no chão, que eu amarro.
O Ventania é decidido,
Passou transes nos carrascos;
Mostrou sempre à laqartixa
Que ele é cabra macho."
Desde que eu sou nascida
Nunca contei com vaqueiro;
Pode contar gravidade
O Ventania o primeiro.
Adeus, fazenda, adeus, pasto,
Adeus, maiada e bebedor,
Adeus, restinga e carrasco,
Serrote do Logrador.
Adeus, vazante de baixo,
Adeus, serra do Coité,
Acabou-se a famanaz
Da fazenda do Burel.