Casa do Barão. — Jardim e pavilhão.


CENA I editar

O Barão e Meneses.

MENESES – Que significa isto?... Convidas-me para jantar em tua casa com alguns amigos e venho encontrar uma festa?

BARÃO – Quis fazer uma surpresa, a ti, como aos outros.

MENESES – Uma surpresa, hem?

BARÃO – Ouve lá o programa. Temos cinquenta pessoas a jantar da primeira gente da corte; a mesa está preparada embaixo das mangueiras, oculta por aquela cortina. Quase todos os convidados já chegaram.

MENESES – Sim! Vi uma multidão de carros à porta.

BARÃO – Além disto, espero à noite mais de quinhentas pessoas.

MENESES – Temos um baile também?

BARÃO – Então?... Cuidas que dou meias festas?... Jantaremos às seis horas; de repente as salas, o jardim, as ruas das chácaras e até os ramos das mangueiras, apareceram iluminados. O baile virá buscar-nos à mesa... Que dizes?

MENESES – É um brilhante e magnífico despropósito!

BARÃO – Já queres criticar!... Anda lá, Meneses, confessa que ficaste desapontado. Tu que descobres quanta novidade há neste Rio de Janeiro não sabias que hoje se dava um grande jantar e um grande baile, aos quais devias assistir! (rindo) Ah! ah! ah!... Queres que eu te explique... Os meus convites foram entregues hoje ao meio-dia... O Cassino devia ser no sábado; todos os toileltes estavam preparados... Então transferência do Cassino de manhã nos jornais... Não leste no teu?

CRIADO (entrando) – Está aí a velha.

BARÃO – Traga-a para cá. Já foi o carro buscar a família do Sr. Viana?

CRIADO – Sim, excelentíssimo. (sai)

BARÃO – Mas vamos lá, continua com tua crítica. Achas que falta alguma cousa aqui?

MENESES – Acho.

BARÃO – O quê? Música, temos três. O serviço é magnífico, preparado pelo Guimarães... Ah! querias arcos...

MENESES – Não é nada disto.

BARÃO – O que é então?

MENESES – Juízo, juízo, juízo!

BARÃO (ri-se) – Ora!


CENA II editar

Os mesmos e Helena.

HELENA – V. Ex. mandou-me chamar?

BARÃO – Já te falo meu rabugento! (Meneses afasta-se.) Mandei chamá-la sim e com empenho; quero que me faça um favor.

HELENA – Eu, Sr. Barão!

BARÃO – Por que não?... Soube por meu amigo, o Sr. Meneses, que você já se tinha emendado da má vida que teve. Incumbi aí a um sujeito de indagar disso e as informações que tive não são más. Ainda restam algumas cousinhas; mas enfim já se pode dizer que é uma mulher bem procedida.

HELENA – Não se pode fazer tudo de uma vez, Sr, Barão; bem trabalho comigo...

BARÃO – E continue a trabalhar que Deus lhe ajudará. Quanto ao favor que lhe quero pedir é ficar aqui esta noite.

HELENA – V. Ex. precisa que eu lhe faça algum serviço?...

BARÃO – Depois lhe direi; espere naquele pavilhão e feche a porta para que não a vejam.

(Helena entra na parte fechada do pavilhão.)


CENA III editar

Barão e Meneses.

BARÃO – Com que então me achas falto de juízo por gastar alguns contos de réis? Ora adeus! É preciso que a gente descanse; ganhar sempre aborrece.

MENESES – Deita as tuas barras de ouro pela janela fora se isto te diverte; mas não as atires à cabeça de teus amigos!

BARÃO – Esta é melhor!... Mas eu não entendo.

MENESES – Quando entrei vi o carro do Fernando; ele está aí?

BARÃO (sorrindo) – Está, e D. Paulina também.

MENESES – Depois do que tem havido não vês que cometes uma crueldade, pondo Carolina em face daquela mulher.

BARÃO – Talvez seja uma lição!

MENESES – Eis o teu erro, Araújo, que também foi o erro de Luís.

BARÃO – Tu não sabes o que eu pretendo fazer!

MENESES – Dize-me então.

BARÃO – Nada! É meu segredo!

MENESES – Pois guarda-o; não preciso que me contem o que estou vendo.

BARÃO – Presunção!

MENESES – Em tuas salas, onde não entrei, estão neste momento além de D. Paulina e o marido, o Tavares, o Vieira, o Ribeiro, todos os que foram testemunhas do escândalo do baile, e que uma circunstância qualquer prende à vida de Carolina.

BARÃO – Simples acaso.

MENESES – Dos personagens que representaram no drama da vida de Carolina, só faltava uma que não podia entrar na sala. Helena espera naquele pavilhão.

BARÃO – Que mais?

MENESES – Aqui em torno de mim não vejo o luxo, que o deus moderno, o dinheiro, derramou com prodigalidade para ofuscar a razão e abafar-lhe os escrúpulos?

BARÃO – Afinal que concluis?

MENESES – Queres seduzir o mundo, meu Araújo!

BARÃO – E duvidas que o consiga?

MENESES – Ao contrário; acredito. Tens todas as condições para isso. És muito rico, rico de pedra e cal, e não desses ricos de papelório que andam aí a tremer com qualquer sopro. Ofereces, pois, uma garantia sólida a essa barriga chamada sociedade que vive de bailes e jantares. És honrado; a honra pouco vale hoje em dia; nos pobres ninguém a percebe; mas nos ricos é um título apreciado pela sua raridade, e difícil de obter-se. Com quaisquer contos de réis se é barão ou comendador em quinze dias; para ser honrado é preciso gastar muito milhão de coragem durante uma vida inteira! Ora desde que aparecerem em ti sintomas suspeitos, todos te excitarão. A queda de uma virtude é sempre aplaudida pelo mundo.

BARÃO – Acabaste?... Ouve agora. Não sou como tu um homem instruído, mas tenho cá as minhas ideias. Pensei comigo!... Carolina ainda pode ser feliz; mas para isso é preciso que se veja rodeada do respeito e da estima do mundo; isso destruiria a desconfiança em que vive. Ela ainda é bonita, mais do que a tal Sofia. Luís vendo a mulher respeitada pela sociedade, esqueceria sua loucura, e se tornaria bom marido.

MENESES – É bonito de dizer; mas o fazer?...

BARÃO – Não disseste que eu levarei a minha avante?

MENESES – Tu!... O Barão de Castro alcançará um triunfo brilhante, porém a vítima e o troféu desse triunfo, o que será dela? Atada ao carro do triunfador, cada aplauso custará uma ironia, se não for um insulto, para a pobre mulher que arrastares ao teu braço.

BARÃO – Deixa-te disso! Também eu conheço o mundo.

MENESES – Tu enriqueceste nele e eu empobreci. O mundo é uma grande criança de que nós somos os bonecos. Nunca reparaste numa cousa. O menino a quem se dá um brinquedo, começa por mordê-lo, e espedaçá-lo; se o brinquedo resiste, joga-o fora; se quebra-se, então o amima e afaga.

BARÃO – Queres com isto dizer...

MENESES – Se Carolina transigisse com o passado acharia na sociedade esquecimento e prazeres; mas tu conheces a rigidez de sua consciência e a severidade com que ela se condena a si mesma!... A grande criança não gosta dessas bonecas que não quebram!...

BARÃO – Hás de ver.

MENESES – Desengana-te, Araújo; para as almas que se regeneram por uma sublime expiação, só há um refúgio: o santuário da família! Se aí Luís não se curar de sua loucura e esquecer Sofia...

BARÃO (para fora) – Por aqui!


CENA IV editar

Os mesmos, Luís, Carolina e Lina.

CAROLINA – Fez mal enganar-me, Araújo!

BARÃO – Ralhe, ralhe comigo quanto quiser! (a Luís) Como estás?

CAROLINA – Se eu soubesse que se tratava de uma grande reunião, decerto não tinha vindo.

BARÃO – Vejo então que fiz muito bem; não achas, Luís? E minha afilhada também está arrependida?

CAROLINA – Ela pode ficar com Luís; eu não, não posso.

MENESES – Pensa muito bem!

LUÍS – Eu te acompanho, Carolina.

LINA – Sem mamãe eu também não fico.

BARÃO – Pois hão de ficar todos!... Ora! Há tantos anos que vivo a fazer a vontade aos outros, um dia quero fazer a minha para saber que gosto tem isso. Estão todos presos; eu já previa o que acontece; mandei fechar os portões da chácara; são perto de cinco horas; não há remédio senão renderem-se à fome!

CAROLINA – Deixo a você decidir, Araújo!... Julga que eu possa estar satisfeita nesta reunião?

BARÃO – Se me tivesse amizade, e depositasse confiança no meu caráter, não faria tal pergunta.

CAROLINA – Fico! Está satisfeito?

LINA – Olhe, papai, globos para iluminar o jardim! Como há de ser bonito!...

BARÃO – Dê cá o braço Carolina. Venha, Lina, com sua mãe, tirar a capa.


CENA V editar

Meneses e Luís.

MENESES – Estás vendo, Luís, como o nosso Araújo vai se saindo? Que luxo! Aposto que ainda não reparaste?

LUÍS – Já.

MENESES – É uma festa esplêndida!... Nunca pensei que ele tivesse tão bom gosto! Está bem arranjado. Que dizes? Não te agrada esta riqueza?

LUÍS – Queres que te fale com franqueza, Meneses? Tudo isto já me aborrece e me assusta!... Meu desejo é voltar à roça e ali enterrar-me vivo.

MENESES – Mas isto é resolução nova?

LUÍS – De uma semana!

MENESES – Que te fez o Rio de Janeiro, então?

LUÍS – Fez de mim um cobarde e ia fazendo um grande perverso! Um anjo salvou-me!... Posso confessar-te hoje que me sinto salvo!...

MENESES – Fala!... Teu silêncio me assusta!

LUÍS – Lembras-te do que me aconteceu há dois anos com o Tavares?

MENESES – Do ataque que ele teve à noite quando o encontraste na rua e o livraste da morte?

LUÍS – Justamente. Sofia mostrou-se muito agradecida; frequentei sua casa, e de repente conheci que a amava e ela me correspondia!... Foi uma infâmia, não crês?

MENESES – Sabia essa moça que tu eras casado?

LUÍS – Não! Eu era na véspera um desconhecido, no outro dia um amigo da casa; esqueci-me de falar da minha pessoa, tão alheio andava; ninguém me interrogou. Logo, porém, que Sofia mostrou-se inclinada para mim, fiz um esforço e declarei tudo. Ela empalideceu e retirou-se sem proferir uma palavra. Eu parti para a fazenda.

MENESES – E a esqueceste junto de Carolina.

LUÍS – Não, infelizmente não; não a esqueci, mas resignei-me!... Vindo segunda vez ao Rio de Janeiro, encontrei-me com Sofia uma e muitas vezes. Ela amava-me, como podia amar; em silêncio, e a seu pesar! Sucumbi; entreguei-me a essa paixão insensata que me obrigou a mudar para a corte. Inventei pretextos; o motivo era esse.

MENESES – E teu amor nunca foi aceito por Sofia?

LUÍS – Nunca! Outro dia, nos anos de Lina, aproveitei um momento de estar só com ela para arrancar-lhe a confissão. Eu estava louco, fora de mim!... Quando Sofia iludida pelo juramento que lhe dei, proferia a terrível palavra... Ouço um grito... Carolina estava na sala.

MENESES – Que fez ela?

LUÍS – Disfarçou! Teve a sublime coragem de beijar Sofia e sorrir a mim que acabava de fazer um voto ímpio!

MENESES – Qual?

LUÍS – Custa-me dizer! Poupa-me essa vergonha!

MENESES – Dize; é preciso cauterizar a consciência enferma.

LUÍS – O de sua morte!...

MENESES – O do assassinato viria depois!

LUÍS – Oh! é horrível!... Felizmente Deus salvou-me pela mão desse anjo! Sim, Meneses! O heroísmo de Carolina, sua misericórdia celeste para o meu crime, sua nobre dignidade ante o meu insulto, tudo isto a elevou tão alto em minha alma, e abaixou-me tanto em meu remorso que eu a adoro! Mas de longe, humilde, envergonhado, contrito!

MENESES – Graças a Deus, Luís! Eu tremia por ti.... Ainda és o homem honesto de quem fui amigo e sou! Devias sofrer muito para chegar ao ponto de insultar tua mulher!

LUÍS – É verdade! Matá-la seria apenas um crime; insultá-la foi uma baixeza!

MENESES – Mas Carolina ainda não sabe de teu arrependimento?

LUÍS – Ainda não! Tive vergonha de confessar-lhe... e medo!

MENESES – Medo?...

LUÍS – Ela pode crer que é fingimento meu para enganá-la. É preciso que se convença por si mesma de minha sinceridade.

MENESES – Tens razão!

LUÍS – Que benefício me fez esta conversa, Meneses. À quanto tempo não conversamos?... Sinto-me contente! Agora é que vejo este jardim! É realmente encantador; vamos até aquele lago.

(Começa o passeio dos convidados pela chácara.)


CENA VI editar

Vieira e Tavares (no pavilhão).

VIEIRA – Meu caro Sr. Tavares, sentemo-nos por aqui. Tenho que falar-lhe sobre um negociozinho.

TAVARES – Agora?

VIEIRA – É urgente! Mas não se assuste; fique certo que não o hei de comprometer.

TAVARES – Bem sabe o meu amigo comendador que um homem em certa posição deve zelar os seus créditos.

VIEIRA – Pois eu não o conheço?... O caráter mais severo! Até peca pelo excesso!

TAVARES – Nestes tempos é preciso!

VIEIRA – Justamente; nestes tempos é preciso que a gente arranje alguma cousinha para manter sua independência. O senhor sabe que o Fernando está tísico!

TAVARES – Há muito tempo.

VIEIRA – Outro dia me disse o Dr. Lopes que não lhe dava seis meses. Ficará uma viúva ainda moça e sofrivelmente apatacada. Ora, meu caro Sr. Tavares, eu creio que estou reservado para um casamento rico. Sério! três vezes tentei casar-me com moças pobres, e roeram-me a corda.

TAVARES – Pretende então propor-se à D. Paulina!

VIEIRA – Já me propus, meu caro!

TAVARES – Oh! Estranho muito um tal proceder! Ainda vivo o marido!

VIEIRA – Mas venha cá! Que pensa o senhor que há de suceder morrendo o Fernando? D. Paulina não tem parentes na corte. Cai-lhe em casa uma súcia de marrecos, advogados, procuradores, sócios e caixeiros, que irão logo tratando de arredar os amigos desinteressados e prestimosos como o Sr. Tavares; e em menos de um ano darão cabo da herança!

TAVARES – Isso é verdade!

VIEIRA – D. Paulina precisa pois de um amigo de confiança que a ampare nessa desgraça e zele seus interesses. É uma obra de caridade, meu caro Sr. Tavares; amparar a viúva!...

TAVARES – Vista a cousa por este lado... Mas ainda tenho minhas dúvidas.

VIEIRA – Não se lembra daquele nosso camarada deputado que se propôs candidato a senatoria, quando o outro ainda estava vivo?...

TAVARES – Tenho uma ideia.

VIEIRA – Pois é o mesmo; a minha senatoria é D. Paulina. As cousas iam muito bem; no último baile do Fernando julguei certa a minha conquista; mas na despedida, não sei o que houve... Cuidei que fosse algum arrufo, por ciúmes. Mas sem dúvida me intrigaram, e não passou desse tratante do Meneses, homem de minha especial birra! Ele não me gosta, porque lhe sei da crônica. Mas o caso é que a D. Paulina não me apareceu mais. Julguei que fosse ao jantar da tal Carolina e por isso meti-me em sua casa e fiz-me convidado.

TAVARES – Ah! Foi por isso?

VIEIRA – Mas a tal sujeita logrou-me a mim e a Carolina. Que tábua bem pregada, hem? Enfim, meu caro Sr. Tavares, é preciso que eu fale à D. Paulina hoje sem falta; e só vejo um meio. Ofereça-lhe o braço para dar um passeio pela chácara e traga-a para esses lados...

TAVARES – O Sr. comendador, devia conhecer a pessoa com quem fala! Não se pedem cousas desta ordem à um homem delicado e respeitável. Pela amizade que lhe tenho farei como se nada soubesse! Outro indivíduo se arrependeria...

VIEIRA – E o senhor não se arrependerá Sr. Tavares? Olhe lá!

TAVARES – Sou inabalável. Isto não quer dizer que não ofereça meu braço a D. Paulina, como costumo. É uma senhora a quem muito preso. Se ela quiser vir para estes lados... é lá por sua conta; eu lavo as mãos em todo este negócio!...

VIEIRA – Cada vez o respeito mais!... Realmente é um caráter que eu admiro!... (Sai Tavares. Vieira fica esperando com impaciência, ora sentado, ora passeando.) Que refinado patife!... Oh! oh! oh...


CENA VII editar

Ribeiro e Frederico (de braço).

RIBEIRO – Estás hoje muito contente, Frederico? Não se pode saber por quê?

FREDERICO – É um segredo, meu pai. Depois lhe direi; agora não; estou tão comovido!

RIBEIRO – E se eu adivinhar?

FREDERICO – Duvido!

RIBEIRO – Na tua idade só os olhos da mulher que se ama produzem dessas alegrias repentinas!...

FREDERICO – E se fosse isto, ficaria zangado comigo?

RIBEIRO – Por que motivo?... Teu coração te pertence; podes dá-lo livremente; e tenho a certeza que só o darás aquela que for digna dele!...

FREDERICO – Fosse eu digno dela!... Que anjo de graça e beleza!

RIBEIRO – Lá se vai o teu segredo. Agora só falta o nome!

FREDERICO – Pois não lho direi, senão esta noite, quando voltarmos; então lhe pedirei também um consentimento...

RIBEIRO (sorrindo) – Que eu estou disposto a negar!...

FREDERICO – Duvido!... Vm. não há de ser tão mau!... Mas vamos para a sala... Parece-me que não a vejo há um século.

RIBEIRO – Por cá, para não nos encontrarmos com aquele homem.

FREDERICO – O Vieira? Ah! Não sabe, meu pai? A pouco estive quase à castigar-lhe a insolência. Disse cousas horríveis de D. Carolina, uma senhora tão virtuosa...

RIBEIRO – Calúnias!... Não acredites naquele traste... Foge dele!


CENA VIII editar

D. Francisca, Amélia, Pinheiro, Vieira, Meneses, Luís e Fernando.

VIEIRA – Que maçada!... Agora aí vem a tagarela da fazendeira!

D. FRANCISCA – Está lealmente muito bonito? Quanto custariam estes vasos?... Quero comprar seis para a fazenda. Lembra-me Amélia!

AMÉLIA – Sim, mamãe!

PINHEIRO – São muito elegantes!

D. FRANCISCA – Hão de servir mesmo para o dia. Pretendo dar um banquete igual a este. O barão já me prometeu emprestar os seus criados...

VIEIRA – Então já está marcado o dia!...

D. FRANCS1CA – À 10 de agosto, se Deus quiser!

VIEIRA – Eu aproveito a ocasião para lhe dar os parabéns. Realmente o Pinheiro merece!

D. FRANCISCA – É muito boa pessoa.

VIEIRA – Sem dúvida! Somos amigos velhos; eu o conheci bem rico!... Em menos de um ano perdeu tudo, coitado!

D. FRANCISCA – Já sei disso!

VIEIRA – Mas aposto que não sabe do que ele fez quando ficou pobre? Que coragem de homem! Comprou um tílburi...

D. FRANCISCA – O senhor está enganado comigo, Sr. Vieira. Eu não sou da corte; quando as cousas não me agradam, vou dizendo; não tenho cá etiquetas. Fique sabendo que não gosto do senhor e é obséquio não me falar...

VIEIRA – Mil perdões, excelentíssima, se a ofendi! Eu queria dizer...

D. FRANCISCA – É escusado!... Nada do que o senhor disser eu acredito!

VIEIRA – Pois eu sei certas cousinhas!...

D. FRANCISCA – Ouça. Sr. Pinheiro?

PINHEIRO – O que é D. Francisca?

VIEIRA – Por delicadeza eu me retiro.

D. FRANCISCA – Pois não, vejam o tal Vieira a desfazer no senhor?

AMÉLIA – Eu tenho uma birra desse homem!

PINHEIRO – Que disse ele?

D. FRANCISCA – Que o senhor tinha sido um gastador e perdulário...

PINHEIRO – Era de esperar!

LUÍS – Não acredite em semelhante homem, D. Francisca! É um...

MENESES (interrompendo para D. Francisca) – Perdão. Mas não lhe contou, aposto, que o Sr. Pinheiro vendeu o que lhe restava para pagar uma dívida de honra, e reduzido à última miséria, não tendo que comer um dia, preferiu ganhar o sustento pelo trabalho, a infamar-se no crime ou enxovalhar-se mendigando de casaca e luva. Isto não lhe contou ele!

D. FRANCISCA – Eu sabia tudo isto, Sr. Meneses. D. Carolina, minha amiga, contou-me as extravagâncias aqui do senhor, antes de o apresentar. Amélia o absolveu de tudo!...

PINHEIRO – Como um anjo de bondade que é!

MENESES (de parte a Luís) – Não podes falar do Vieira... depois que o fizeste dar o braço à tua mulher!

LUÍS – É verdade!... Que vil homem sou eu!

D. FRANCISCA – Não sei como o barão convida um homem desta qualidade para sua casa!... E já viram como ele está escandaloso com aquela sujeita toda emproada...

PINHEIRO (vendo Fernando) – Olhe o marido!... Creio que ouviu!...

D. FRANCISCA – Melhor!

LUÍS (vendo Sofia) – Ela!... Veio!...

MENESES – Ainda te faz estremecer!...

LUÍS – De terror!...

FERNANDO – Viu minha mulher, Sr. Viana?

LUÍS – Ainda não tive este prazer.

FERNANDO – Cuidei que estivesse por aqui. (Suspeitoso.)


CENA IX editar

Sofia e Lina.

(Outras moças e cavalheiros pelo fundo.) SOFIA – Onde me levas?

LINA – Aqui onde ninguém nos ouça!

SOFIA (rindo) – Que horrendo mistério!

LINA – Zombas? Pois eu não te conto, má!

SOFIA – Se tua carinha está contando!

LINA – Pois dize o que é!

SOFIA – Ele te deu um heliotrópio que tu escondeste no seio, mas está aí aparecendo...

LINA – Só?

SOFIA – Heliotrópio significa “eu te amo!”. Sabias?

LINA – Ele me disse!

SOFIA – Olhem o sonso! E depois?

LINA – Jurou que seu amor seria eterno!

SOFIA – E tu?

LINA – Eu ... também jurei! Com a cabeça!

SOFIA – Estão adiantados! Nunca pensei que o tal Sr. Dr. Ribeirinho fosse tão animoso!

LINA – Se tu visses como ele estava trêmulo!...

SOFIA – E tua mãe já sabe disso?

LINA – Não tenho ânimo de lhe dizer!

SOFIA – Mas a ele tiveste ânimo?

LINA – Ele me perguntou, senão... Mas esta noite eu juro que hei de contar tudo, tudo, à mamãe.

SOFIA – Fazes muito bem!

LINA – Ainda não há muitos dias, ela me disse que hei de casar com quem for de meu gosto!

SOFIA – Então é negócio decidido!... Mas quando fizeram vocês tudo isso?

LINA – Enquanto foste tocar. Na janela...

SOFIA – Por isso eu o achei tão contente quando voltei.

LINA – Vamos, senão ele é capaz de ficar zangado por não me ver!

HELENA (na porta do pavilhão) – Que desgraça, meu Deus!


CENA X editar

Helena e Frederico.

FREDERICO (vendo Helena) – Ah! (afasta-se)

HELENA – O senhor não é filho do Sr. Ribeiro?... o Dr. Frederico!

FREDERICO – Sim, por quê?

HELENA – O senhor gosta de D. Lina?

FREDERICO – Que tem você com isto?

HELENA – Quer casar com ela? Mas isto vai matar a pobre Carolina!

FREDERICO – Que diz, mulher?... Qual é a causa desse espanto?

HELENA – Uma cousa horrível, que me faz tremer... Venha, que eu lhe digo! Aqui neste lugar para que ninguém nos ouça... Que desgraça!...


CENA XI editar

Meneses, Carolina, D. Paulina, Tavares, Vieira e Fernando.

CAROLINA (ao braço de Meneses) – Além disso, vivo tremendo por causa de Lina!

MENESES – Que tem ela?

CAROLINA – Tem mudado muito estes últimos dias. Às vezes muito contente; outras pensativa e distraída!... Tenho suspeitas horríveis de que ela já ame...

MENESES – A quem?

CAROLINA – Ao filho... do Ribeiro!

MENESES – Não se aflija! É a sua imaginação! Você precisa sair do Rio de Janeiro... Uma viagem lhe faria muito bem!

CAROLINA – Se eu não levasse a minha consciência na bagagem. (desaparecem ao passo que outros aparecem ao lado oposto.)

TAVARES – Que remédio, D. Paulina, senão suportar! Com licença. (Desvencilhando o braço a pretexto de tomar uma pitada.)

D. PAULINA – Pois olhe, Sr. Tavares, se não fosse meu marido ter certas letras cora o barão eu não ficava aqui um instante!

TAVARES – É o que eu sempre digo; as considerações sociais sujeitam a gente a muita cousa... (Chega Vieira.)

D. PAULINA – Mas isto não se faz! Obrigar uma senhora a se misturar com uma mulher dessa casta! E verão que lhe há de tocar na mesa melhor lugar que a mim?

TAVARES – Será possível?

VIEIRA – Realmente toda a sociedade está indignada com o procedimento do barão! Que querem? O dinheiro dá muita cousa mas não dá educação!

D. PAULINA – Dizia, Sr. Tavares?

VIEIRA (a Tavares) – Ah! Sua filha está chamando-o.

TAVARES (à D. Paulina) – Um instante...

PAULINA – Também vou!

TAVARES – Nada; já volto!

VIEIRA – Fique, preciso lhe falar.

PAULINA – Deixe-me passar!

VIEIRA – Há de ouvir-me!

PAULINA – O senhor quer me comprometer?

VIEIRA – Quem se compromete é a senhora! Por que foge de mim, e nem ao menos me quer ouvir?

PAULINA – Porque vi o abismo em que ia cair... Já andavam falando de mim. Vá embora! Aí vem gente.

VIEIRA – Irei; mas receba esta carta que lhe escrevi receando que não lhe pudesse falar.

D. PAULINA – Não quero! (Joga ao chão.)

VIEIRA – Se não a apanhar fica aí para quem quiser ler.

PAULINA – Que fique! (volta-se) Meu marido!

VIEIRA (fugindo) – Arranje-se agora com ele!

PAULINA – Infame! (corre para apanhar a carta, o marido chega e lhe agarra pelo pulso; aparece Carolina e Meneses.)

FERNANDO – Dê-me esta carta!

PAULINA – Fernando!

FERNANDO – Cala-te, miserável! (abrindo.)

MENESES (à Carolina) – Onde vai?

CAROLINA – Esconda-se!... (a Fernando) Esta carta me pertence!

FERNANDO – À senhora? Não é possível!

CAROLINA – Restitua-me, Sr. Fernando! não tem direito de a ler. (recebe.) Pois o senhor não vê que um homem da qualidade do comendador Vieira só se animaria a escrever a uma desgraçada, como eu?... Lembra-se do que fui?...

FERNANDO – E como se achava a carta na mão de minha mulher!

CAROLINA – D. Paulina teve compaixão de mim e quis obrigar o Vieira a receber de novo esse indigno papel!

PAULINA – Envergonhe-se do conceito que faz de sua mulher!... Todos os senhores são assim; a menor cousa já suspeitam uma traição, um crime! Se me tivesse falado com brandura...

FERNANDO – É verdade o que a senhora diz, ou é um pretexto para defender?... (à Carolina.)

CAROLINA – Duvida!... Leia: “Se não fizer o que lhe peço se arrependerá. A senhora bem sabe que eu posso perdê-la agora mesmo e fazer sair desta casa corrida de vergonha.” — Então?...

FERNANDO – Que canalha!...


CENA XII editar

Os mesmos e o Barão.

BARÃO – Já estão com fome?... Pouco se demora!...

FERNANDO – Ouça barão! Para que admite o senhor em sua casa este Vieira?

BARÃO – Verá daqui a pouco!

FERNANDO – O senhor não sabe...

BARÃO – Ora!... (aos criados) Toque a música para chamar as pessoas que andam passeando!

PAULINA – A senhora vingou-se generosamente, salvando-me. Peço-lhe que me perdoe as ofensas que lhe fiz!

CAROLINA – Nada tenho que perdoar! O que a senhora fez outra faria!...

PAULINA – Quero que seja minha amiga... Promete?...

CAROLINA – Não sou digna... Aí vem, seu marido... Afaste-se para que ele não suspeite...

MENESES (aparecendo) – Carolina você é uma santa!

CAROLINA – Quer ajudar-me a salvá-la.

MENESES – Diga!

CAROLINA – O Vieira tem cartas dela e a ameaça...

MENESES – Basta! Eu as tomarei!

(Vêm chegando os convidados.)


CENA XIII editar

Todos menos Frederico e Helena.

CAROLINA – Onde estará Luís?

MENESES – Não o vejo!

CAROLINA – Acho-o tão triste hoje! E Lina? Procure-a.

MENESES (vendo Luís) – Ah! Lá está ele!...

VIEIRA (dando o braço a Sofia) – Ora diga, D. Sofia, não é realmente mal empregada a riqueza em um labrego. Que brutalidade!... Fazer-nos jantar embaixo das árvores.

SOFIA – É mais fresco!...

TAVARES – Não é próprio de pessoas de certa posição!

MENESES (à Lina no pavilhão) – Que tem você, Lina?

LINA – Nada! Me deixe, Sr. Meneses.

MENESES – Por que separou-se das outras?

LINA – Fui eu?... Elas todas é que estão fugindo de mim! Até Sofia, tão minha amiga! Ainda há pouco... só me abraçando... e agora nem me fala!

MENESES – Deixe-se disto! Venha para junto de sua mãe! O jantar não tarda.

LINA – Não vou! Minha vontade é chorar!...

CRIADO (alto) – S. Ex. está servido!... (correm-se as cortinas.)

BARÃO – Chamam-nos para a mesa, minhas senhoras; antes porém de nos sentarmos desejo dizer algumas palavras às pessoas que me fizeram a honra de aceitar o meu convite!

VIEIRA – Vai se dar ao desfrute!

BARÃO – Permitem?

VOZES – Ouviremos com o maior prazer!

MENESES – Seu padrinho vai fazer um discurso! Não quer ouvir? (saindo do pavilhão para o jardim.)

LINA – Eu não! Estou zangada! (fica no pavilhão.)

BARÃO – Meus senhores, eu sou um homem muito esquisito. Nasci pobre e até meus vinte e três anos nunca soube o gosto que tinha trazer no bolso cinquenta mil réis. De repente, tive acesso, como dizem lá no batalhão de que me fizeram comandante, fui promovido de pobre a rico. Sentei praça de caixeiro há quinze anos e já cheguei a barão. Por isso tenho ainda muito defeito da gente pobre, que ainda não pude perder!

MENESES – Prefiro estes defeitos ao teu dinheiro!

VOZES – Apoiado!

BARÃO – Ora um dos meus defeitos é gostar de ver as cousas direitas e no seu lugar. Tem-se dado nesta terra muito banquete a gente grande, políticos e ricaços, mas não me consta que se tenha oferecido uma festa à virtude... Isto é, eu não pretendo dizer que aquelas pessoas não fossem virtuosas; como são também as que me fizeram a honra de vir hoje a minha casa... Mas eu quero a virtude... só, sem mais nada, de modo que... Meneses, tu bem me entendes ajuda-me a explicar isto!

MENESES – Todos nós compreendemos perfeitamente o pensamento do nosso amável barão!

VOZES – Sem dúvida!

VIEIRA (baixo a Tavares) – Menos eu!...

MENESES – Ele quer dizer que tencionando honrar a virtude e dedicar-lhe uma festa, de propósito escolheu a virtude pobre, obscura que depois de uma luta heroica subiu a maior altura à que pode chegar à santidade da mulher!... Buscou uma virtude singela e não adornada como o das senhoras presentes, pela posição, riqueza, formosura e outros dotes!

BARÃO – Justamente!

VOZES – Bravo! bela ideia!...

BARÃO – Aqui estão pessoas que eu muito respeito não só pelo lugar distinto que ocupam na sociedade, como pela sua inteligência e honradez! espero que todas se unam a mim com prazer para prestarmos esta homenagem de consideração a uma digna esposa e mãe! Seu braço D. Carolina; o lugar de honra lhe pertence!

VOZES – Muito bem!... muito bem!

CAROLINA – Tenha dó de mim.

BARÃO – Aceite!

VIEIRA – Desceu, meu caro Sr. Tavares?

TAVARES – Confesso que não.

VIEIRA – O velho deu em gaiteiro!... (rumor de conversa entre os convidados.)

MENESES – Que te disse eu? A sociedade já murmura pela boca de Vieira!

BARÃO – Do Vieira!... Então é a canalha! (Fala a um criado o qual vai ao pavilhão buscar Helena.)

VIEIRA – Não tarda que os carroceiros feitos barões deem bailes para nos fazer dançar com as pretas da fazenda!...

BARÃO – Ainda não acabei, meus senhores. Sendo este jantar a festa da virtude é claro que não deve aqui estar a vergonha dos homens de quem se pode dizer tudo, mas eu me contento em dizer um nome! Chamam-no por zombaria o comendador Vieira!

VIEIRA – O senhor me insulta! (Helena aparece.)

BARÃO – Eu o expulso!... Esta mulher...

VIEIRA – Helena!

BARÃO – Helena! sim, que foi sua companheira outrora e se emendou ocupará o lugar que a princípio lhe tinha reservado na mesa de meus criados, mas do qual vejo que ainda não é digno. O seu é na casa de correção.

VIEIRA – Entrego o que diz ao mais soberano desprezo. E me retiro por dignidade... própria. (Risadas.)

BARÃO – Agora meus senhores, podemos jantar.

CAROLINA – Espere, meu amigo, não vejo Lina! (Carolina solta-se do braço de Araújo e busca a filha entre o jardim; os convidados caminham para a mesa; Meneses demora-se à espera de Lina; e o barão depois de chegar à mesa volta em busca de Carolina e chega no fim da cena em tempo. Enquanto isto correm as cenas seguintes o mais rápido possível.)


CENA XIV editar

Lina e Frederico (no pavilhão).

FREDERICO (saindo) – Ah!...

LINA (sorrindo) – Que susto me causou!...

FREDERICO (quer fugir e volta) – D. Lina, nunca mais a verei! Adeus e para sempre!...

LINA – Meu Deus!... Que tem o senhor...

FREDERICO – Um segredo terrível, que acabo de saber!

LINA – Que segredo!... Eu estou tremendo!...

FREDERICO – Adeus; esqueça-se deste infeliz!

LINA – Que lhe fiz eu, para me falar assim?

FREDERICO – Uma fatalidade pesa sobre nós!... Basta que eu a saiba e sofra!

LINA – E eu não sofro?... O senhor mata-me e nem me diz por quê!...

FREDERICO – Oh! sim! Devo confessar-lhe para que não me acuse... e se esqueça de mim!... Uma mulher que lhe viu nascer... ali... neste instante me contou. Nós somos, D. Lina!...

LINA – O quê? (Carolina chega correndo.)

FREDERICO – Nós somos irmãos.

LINA – Irmãos!...

CAROLINA – Ah! (grito pungente.)

LINA (correndo a ela) – Minha mãe... É verdade! Ele é...

CAROLINA (caindo de joelhos) – Perdão, minha filha!


CENA XV editar

Os mesmos e o Barão.

BARÃO (no jardim sem vê-la) – Carolina?

LINA – Desgraçada de mim!...

CAROLINA – Perdão!...

MENESES – Vês!

BARÃO – O quê?

MENESES – A mulher que reergueste perante a sociedade ali está rojando no pó aos pés de sua filha!...

(Lina desmaia nos braços de Frederico.)