Na casa de Luís.— Sala de visitas.


CENA I

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Luís e Lina. . (Luís entra da rua.) LINA – Bom-dia papai.

LUÍS – Estava justamente à tua espera, para ver como te fica esta pulseira.

LINA – Ah! que linda! (beija-o na face) obrigada, bom papai, obrigada!...

LUÍS – Nesta cercadura há dezesseis rosas; são os teus dezesseis anos floridos!

LINA – Papai tem muito bom gosto!

LUÍS – O gosto não foi meu, porém de uma pessoa que te quer muito.

LINA – De mamãe?

LUÍS – Não! De tua maior amiga. Não adivinhas?

LINA – Sofia?

LUÍS – Ela mesma!

LINA – Ora! eu apreciaria mais se fosse o seu gosto.

LUÍS – E também foi, combinamos ambos na escolha (pausa). Mas vamos a saber... Como arranjaste tua festa?

LINA – Eu lhe digo. Temos um peru gordo, e um leitãozinho que vieram da fazenda. Mamãe encomendou duas gelatinas e uma pirâmide de camarões, na casa do Carceller. Meu padrinho manda as flores e as frutas da chácara. E daqui a pouco eu vou fazer um prato de creme. Mas não é só isto!... Havemos de ter sorvetes!...

LUÍS – Bem! Bem! Já se sabe que és uma excelente dona de casa.

LINA – E não diga brincando! Mamãe prometeu-me que havia de descansar da lida da casa, quando eu completasse meus dezesseis anos. Portanto de hoje em diante faça obséquio de respeitar-me!

LUÍS – Bravo! Já me estás com uns ares de matrona!

LINA – Há de ver como esta casa andará em ordem!

LUÍS – Começando por hoje. Aposto que não sabes ainda quem são teus convidados?

LINA – Ora? Os do costume. Meu padrinho, Meneses, Sofia e o pai. Só tem de mais Amélia, a mãe e o noivo!

LUÍS – Não disse? Ainda faltam três.

LINA – Quais?

LUÍS – Depois saberás! Escreveste a Sofia?

LINA – Falei-lhe eu mesma no baile do Fernando.

LUÍS – E ela te prometeu vir sem falta?... Talvez procure algum pretexto...

LINA – Sofia!... Só estando de cama.

LUÍS – Escreve-lhe sempre.


CENA II

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Os mesmos e Carolina.

LINA – Olhe mamãe, que linda pulseira papai me deu!

CAROLINA – Está realmente muito bonita e delicada.

LINA – Dezesseis rosas na cercadura... Viu mamãe? Como é mimoso!

CAROLINA – Também trago-te meu presente de anos. Não é rico e elegante, mas deve ser para ti, como foi para mim, de grande preço!

LINA – Basta vir de sua mão, boa e querida mamãe.

CAROLINA – Vês estas fitas azuis?... Estão já desbotadas! Há dezoito anos que teu pai me deu estes laços para com eles me enfeitar quando fosse à missa.

LINA – Ah! Eu quero beijá-las!

CAROLINA – Eu era então moça, alegre, inocente e bonita como tu, Lina!... Tudo passa!... Um dia caíram-me na rua os meus laços azuis... Chorei muito, muito!... Mas felizmente teu pai os achou outra vez e mos trouxe!

LUÍS – Que necessidade há de recordar o passado?

LINA – É verdade!... não vá agora ficar triste, boa mamãe.

CAROLINA – Não; neste dia devo estar contente. Restituindo-me os laços que eu perdera, Luís me disse: “São as asas de um anjo.” E pediu-me que os guardasse para minha... para nossa filha!

LINA – Querido papai!

CAROLINA – Aqui os tens, Lina. És um anjo de candura e bondade; cubram-te estas asas como um manto celeste, e à sombra delas vicem as rosas de tuas belezas.

LINA – Sou capaz de jurar que fiquei tão bonita com elas, como era mamãe. (Vai ao espelho.)

LUÍS – Que extravagante lembrança!

CAROLINA – Por quê, Luís?

LUÍS – Há certas cousas que se devem esquecer; e quando isso não é de todo possível, acho de mau gosto fazer ostentação delas.

CAROLINA (meia voz) – Enganou-se na palavra; expiação é que devia dizer, Luís.

LUÍS – Não discutamos. Oponho-me a que Lina ande com estas fitas. Vai tirá-las, minha filha!

LINA – Por quê, papai? Um presente de mamãe no dia de meus anos!

LUÍS – Quem gosta dessas relíquias, pode guardá-las; mas não as anda mostrando; seria prestar-se ao ridículo. Que figura farias com umas fitas desbotadas nos cabelos e um vestido novo?

LINA – Quando souberem quem mas deu e por que estão desbotadas, hão de achá-las bem bonitas.

LUÍS – Não sejas teimosa. Vai tirá-las, já disse.

LINA – Pois tire, papai, se quiser, eu não. Mamãe aí as deitou, eu não lhes toco.

LUÍS – É justo!... Ela é tua mãe!...

CAROLINA – Luís!... Vem cá, Lina! Teu pai tem razão. Dei-te estas fitas como uma lembrança, para as conservares em memória de tua mãe. Não servem para enfeite. Pede perdão a teu pai do que lhe disseste!

LINA – Me perdoa, papai?

LUÍS – Está bem; vai cuidar dos arranjos de tua festa!

LINA – É verdade, mamãe, sabe que teremos mais três convidados?

CAROLINA – Nada sei, minha filha.

LUÍS – Convidei algumas pessoas mais.

LINA – São precisos doze talheres!... Ora o jantar chega! Vinte que fossem! Com licença, vou dar minhas ordens ao cozinheiro, e mandar Manuel pôr mais uma tábua na mesa.


CENA III

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Luís e Carolina.

CAROLINA – São pessoas de cerimônia os outros convidados?

LUÍS – De cerimônia?... não; sabem que é um jantar de família. O Fernando, a mulher e o Dr. Ribeirinho.

CAROLINA – Não é possível! Meu Deus!...

LUÍS – De que provém semelhante espanto?

CAROLINA – Pois Luís, depois do que se passou!... Quer que eu receba em minha casa essa senhora que tão cruelmente me insultou?...

LUÍS – Não exagere as cousas, Carolina. O que houve foi apenas um equívoco inocente, causado por aquele intrigante do Vieira. O Fernando já me deu uma completa satisfação. Demais em princípio esses escrúpulos são infalíveis, apesar de termos vivido tanto tempo arredados da corte; é preciso pois sofrê-los com paciência e esperar que o hábito os faça cessar.

CAROLINA – Ninguém sofre com resignação maior do que eu essas e outras ainda mais duras provanças. Aceito-as como as penas de minha longa expiação; e depois que as passo, sinto dentro em mim um grande contentamento, porque me julgo melhor e mais remida da culpa. Tão corajosa, porém, sou eu para arrostar o castigo que Deus me inflige, quanto me encho de terror só de pensar que uma palavra, uma revelação cruel possa perturbar a serena inocência de minha filha!

LUÍS – Realmente não sei que prazer é este seu, Carolina, de estar sempre a repetir e fantasiar cousas desagradáveis!

CAROLINA – Custa-lhe muito aplacar os sustos de uma mãe já tão infeliz, sejam eles embora imaginários?...

LUÍS – Que havia eu de fazer?... Estou em tais relações com o Fernando, que seria uma imprudência não convidá-lo; e convidá-lo sem a mulher era pior ainda, era uma grosseria.

CAROLINA – E cuida que D. Paulina se digne descer ao ponto de vir à nossa casa?

LUÍS – Por que não? Asseguro-lhe que há de vir.

CAROLINA – Se visse que o marido daquela a quem insultou se ofendera com o seu procedimento, talvez viesse para desculpar-se. Mas estou certa que aproveitará mais essa ocasião para desfeitear-nos.

LUÍS – Veremos.

CAROLINA – E o outro seu convidado, Luís, o Dr. Ribeirinho...

LUÍS – Também a insultou?

CAROLINA – Esse me horroriza, Luís! Não tive ânimo de lhe dizer ainda. Esse moço dançou com Lina no baile do Fernando, e notei que ambos pareciam muito inclinados um ao outro. Se acabarem por se gostar!

LUÍS – Que tem isso? É um bom casamento!

CAROLINA – Casamento, Luís?... Não se lembra então? O filho do Ribeiro!

LUÍS – É verdade! nem me ocorreu, habituado como estou a considerá-la minha filha!

CAROLINA – Será por isso, ou porque anda tão alheio da família, que nem se lembra dela?

LUÍS – Temos agora recriminações?... Não é ocasião própria.

CAROLINA – Descanse; nunca as ouvirá de mim. Sei bem que não tenho direito de fazê-las. Mas Luís, eu lhe suplico, não chame esse moço para nossa casa! Se soubesse o terror que se apoderou de mim.

LUÍS – Seja razoável. Pois entre tantas moças que há neste Rio de Janeiro, o Ribeirinho havia logo de namorar-se de Lina? Não está vendo que é um despropósito?

CAROLINA – Tudo é possível para minha punição.

LUÍS – Bem; outra vez não o convidarei.

ESCRAVO – Está aí o Sr. Tavares.

CAROLINA – Tão cedo!

LUÍS – Que entre.

CAROLINA – Eu vou-me vestir antes que cheguem outras pessoas.


CENA IV

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Luís e Tavares.

LUÍS – Veio só?

TAVARES – É verdade! sucedem cousas!...

LUÍS – O que foi? D. Sofia adoeceu?

TAVARES – Não, não foi isso felizmente; porém um contratempo com que não contava. De repente sem esperar chega-nos o comendador Vieira em casa, e fez-se de convidado para jantar.

LUÍS – Não me admiro. Está nos seus hábitos.

TAVARES – Pois eu confesso ao meu amigo que estranhei assaz semelhante procedimento, que não me parece de um homem grave!

LUÍS – Mas em todo o caso isso não era um obstáculo. Devia dizer ao tal senhor que estava comprometido a jantar em nossa casa.

TAVARES – Acanhei-me. Bem sabe o meu amigo que é necessário na sociedade ter certas contemplações.

LUÍS – Ora; contemplações com Vieira!

TAVARES – É amigo do Fernando a quem sou devedor de muitas finezas; demais consta-me que é uma língua terrível, e mau para inimigo. Um homem de certa posição deve zelar muito a gravidade de seu caráter.

LUÍS – Nunca esperei da sua parte semelhante cousa, Sr. Tavares. Faltar a um convite meu, para não contrariar um estranho.

TAVARES – Por isso mesmo que o meu amigo me honra com sua estima, julguei que mais facilmente me desculparia. Acredite que sinto bastante este contratempo.

LUÍS – Não aceito desculpa alguma. Escreva um bilhete ao Vieira avisando-o do compromisso que tomou e venha jantar conosco. Às três horas eu o espero.

TAVARES – Havia um meio ainda de arranjar tudo.

LUÍS – Qual? Diga!...

TAVARES – Era trazer o Vieira conosco; mas o meu amigo não gosta dele; o melhor é não pensar nisto.

LUÍS – Aquele infame em minha casa? De forma alguma!

TAVARES – Eu previa isso. Entretanto não anda ele pelas melhores casas? Pois nós é que havemos de endireitar o mundo? Repugna com efeito ao caráter de um homem sisudo ombrear com gente dessa laia, mas é preciso que hajam maus para os bons valerem de alguma cousa. Passar bem Sr. Viana. Repito ao meu amigo que muito pesar...

LUÍS – Eu o espero! Se de todo não se puder descartar do Vieira...

TAVARES – Que fazer então?

LUÍS – Nesse caso... traga-o...

TAVARES – Bem! Bem! Até logo!

LUÍS – Mas faça o possível...

TAVARES – Sim! Sim!


CENA V

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Meneses e Helena.

(Meneses entra primeiro, depois Helena que para na porta.)

HELENA – Não é o Sr. Meneses?

MENESES – Creio que já a vi; mas há muito tempo!

HELENA – Tão velha e acabada estou eu que não me conhece! Aposto que já nem se lembra mais da Helena?...

MENESES – Ah! Com efeito era preciso adivinhar. Como podia eu reconhecer uma borboleta em figura de barata?

HELENA – É para ver como a gente muda! Bem o senhor me dizia.

MENESES – Mas que veio você fazer a esta casa, mulher? Não sabe que sua presença aqui só pode trazer desgosto e tristeza? Se a falta de meios a obriga a pedir, tome e retire-se já!

HELENA – Não tenha susto, Sr. Meneses. Venho a esta casa porque sou chamada.

MENESES – Duvido. Quem a chamou?

HELENA – Ela mesma.

MENESES – D. Carolina?

HELENA – Eu lhe conto; é segredo; ela não quer que diga a ninguém; mas o senhor não me compromete. Não sei por que é que se há de esconder o bem que se faz!...

MENESES – Venha o tal segredo.

HELENA – Fazem dois anos que ela me viu passar na rua doente e pedindo esmola; mandou-me chamar para saber das minhas desgraças e deu-me alguma cousinha para viver e um emprego para trabalhar.

MENESES (rindo) – Um emprego!... Muita habilidade tem D. Carolina se descobriu em você préstimo para alguma cousa boa.

HELENA – Pois olhe! sou a caixeira dos pobres.

MENESES – Ah! Ela cuida dos pobres?

HELENA – Não pense que são os pobres que andam por aí a pedinchar pelas ruas e igrejas, como eu já andei. Nada; os nossos são os pobres que trabalham e têm vergonha de pedir quando lhes falta o necessário.

MENESES – O teu emprego de caixeira consiste então em levar-lhes a esmola.

HELENA – Pois não! Ela diz...

MENESES – Ela não, a Sr.a D. Carolina!

HELENA – A Sr.a D. Carolina diz que a esmola faz a gente preguiçosa; é preciso ajudar as tais sujeitinhas, mas obrigando-as a trabalhar.

MENESES – E como consegue ela isso?

HELENA – Faça de conta que nesta rua tem uma pobre mulher costureira, que está doente e não pode trabalhar; como não ganha nem tem quem lhe fie, lhe fica a roupa toda suja, então eu tomo-a para lavar e dou-a à lavadeira que mora noutra rua. Quando a roupa está pronta pago com o dinheiro que a senhora me dá; a costureira fica-me devendo e pensa que fui eu quem lhe lavei a roupa. Eu ponho-me em cima dela todos os dias a cobrar, grito, ralho, até que por fim ela paga de seu trabalho.

MENESES – É bonito, é; mas tenho meus receios que a caixeira não tire sua porcentagem desses empréstimos.

HELENA – Ah! Sr. Meneses!... Aí vem ela. Disfarce!

CENA VI

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Os mesmos e Carolina.

CAROLINA – Não sabia que já tinha chegado.

MENESES – Como passou de ontem?

CAROLINA – Bem. Deixe-me falar a esta velha.

MENESES – Muito me surpreende, Carolina, encontrar Helena em sua casa.

CAROLINA – Você a reconheceu? Não é a mesma mulher, acredite.

MENESES – Tem certeza disso? Não a está ela enganando?

CAROLINA – Posso assegurar-lhe que seu arrependimento é sincero.

MENESES – A prova?

CAROLINA – Tenho-a incumbido às vezes de certas costuras...

MENESES – Ela tudo me confessou, Carolina. É mais uma das suas obras de beneficência. Não se envergonhe por isso!

CAROLINA – Pois bem, já que sabe, posso falar-lhe abertamente. Para experimentar, Helena, incumbi a outra pessoa de indagar do que ela fazia e nunca a achei em falta.

MENESES – Ainda assim; não gosto de ver essa mulher em sua casa, Carolina. Creio que você podia achar outro instrumento melhor para sua caridade.

CAROLINA – Neste ponto não lhe dou razão. Ela foi o instrumento do erro; Deus a destinou para instrumento da reparação.

MENESES – Não lhe dói porém o contacto dessa mulher?

CAROLINA – Por isso mesmo!

MENESES – Há exageração nessa severidade.

CAROLINA – Diz a minha consciência que não; mas quando houvesse eu não me devia esquivar a um constrangimento que salva essa pobre mulher. Estou convencida que ninguém senão eu a podia arrancar ao vício... Sabe por quê? pela razão de me ter visto outrora a par com ela.

MENESES – Não diga isto!

CAROLINA – Eu sou para esta mulher, a fé e a esperança; seja você a caridade!... Venha cá, Helena!

HELENA – Não vim mais cedo, porque só agora, chegando, recebi o recado.

CAROLINA – Mandei-a chamar para lhe dar uma nova incumbência.

HELENA – Estou pronta.

CAROLINA – Lina faz hoje dezesseis anos; quero dotar em seu nome uma moça pobre e bem procedida. Conhece alguma que esteja neste caso?

HELENA – Não; mas posso indagar.

CAROLINA – Devia ter-me lembrado disso há mais tempo para que o dote fosse dado no dia de hoje.

HELENA – Até à noite ainda se pode fazer muita cousa.

CAROLINA – Pois veja se me obtém isso!

HELENA – Vou já.

CAROLINA (a Meneses) – Diga-lhe uma boa palavra!

MENESES – Helena, eu sabia que a serpente tentou a mulher; vejo agora que há anjos que convertem demônios!

HELENA – É verdade!... se não fosse ela!...


CENA VII

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Carolina e Meneses.

MENESES – Há quinze dias que estou para lhe fazer uma pergunta, Carolina; desde a conversa que tivemos em casa do Fernando. Aproveito, pois, esta ocasião de estarmos sós. Diga-me, o amor de Luís já a abandonou?

CAROLINA – Meu amigo!...

MENESES – Bem suspeitava eu que ia ferir em sua alma uma corda dolorosa. Se você achasse um refúgio no coração de Luís, não havia de temer tanto do mundo, nem sentir tão presente um passado já remoto. Mas ele a deixa isolada no vácuo de sua consciência, erma de esperanças, e por isso você procura a sociedade para fugir à vida íntima, embora lhe guarde ela tantos amargores!

CAROLINA – Não sei se uma mulher pode confiar ao seu maior amigo, mesmo a seu pai, o segredo da vida conjugal!...

MENESES – Lembre-se que sou responsável por seu casamento, pois consenti nele; essa responsabilidade e a afeição que tenho a ambos me dão o direito de penetrar no santuário doméstico.

CAROLINA – Tem razão. Devo confessar-lhe tudo, sim, mas por outro motivo; para que não recaia sobre Luís, a culpa que não tem.

MENESES – Ama-a ele ainda?... Responda.

CAROLINA – Não, não me ama, nem podia.

MENESES – Por quê, Carolina?

CAROLINA – Admira-lhe isso! Ouça-me. Logo depois de celebrar-se o nosso casamento, Luís me disse: “És minha esposa para o mundo, Carolina; à face de Deus serás minha irmã.” Estas palavras proferidas ainda à vista do altar foram como um voto solene, embora secreto, de nossa união. Juramos a Deus cumpri-lo.

MENESES – Voto impossível!

CAROLINA – É verdade, impossível. A luta foi longa e terrível; mas devíamos sucumbir afinal. Então começou o suplício cruel de minha vida!

MENESES – Não lhe compreendo.

CAROLINA – Nem pode compreender. Imagine uma criatura devorada por moléstia repugnante, que tenha a desgraça de amar e ser retribuída com igual paixão!... Sentindo-se imunda e repulsiva para aquele a quem adora, temerá a cada instante ver o amor afogar-se em asco, a carícia transformar-se em gesto de nojo!... Imagine qual suplício deve ser o seu! Pois esse foi o meu, talvez mais cruel!... O amor que houvera sido minha ventura, tornou-se meu incessante martírio!

MENESES – Pobre Carolina! Adivinho agora tudo.

CAROLINA – É preciso que adivinhe porque eu não sei, nem ouso dizer-lhe! Não há amor que resista às decepções que Luís sofria! Diga, pensa que seja possível amar uma mulher a quem se causa horror?... Se meu marido aproximava-se de mim gelava-se-me o coração; se me fazia uma carícia derramava-se por todo o meu ser tal angústia e espanto, que perdia a razão. Depois que essa paixão me tinha assim flagelado, deixava-me agonizando, como a vítima que fustigaram até ao sangue... Mas não era sangue, era a alma que me dilaceravam!

MENESES – E Luís não percebia? Nunca tentou desvanecer esse terror e sufocar à força de amor e ternura a lembrança implacável do passado?

CAROLINA – Muitas vezes, muitas, envolveu-me de sua ardente paixão, criou em torno de mim um outro mundo, um céu para abrigar-me nele. Mas tudo era inútil. Se afinal iludida me enchia das veementes efusões de sua alma, sabe o que sucedia?... Encontrava nele frieza e tédio, que me arrojava de novo ao passado.

MENESES – Luís tem uma alma entusiasta e veemente, capaz de grandes arrojos, mas passageiros e rápidos. Eu previ que lhe havia de faltar coragem e força para essa luta!

CAROLINA – Ninguém a teria. O suplício cruel desse amor durou anos. Luís devia amar-me muito para resistir tanto tempo. Se pois ele já não me ama, a culpa não é sua, mas somente minha, que não pude fazê-lo feliz.

MENESES – É dele, porque só no caso de sentir-se capaz de subjugar essas revoltas da consciência e da sociedade, devia ter realizado semelhante casamento. Iludiu-se; e dessa falta não se defende.

CAROLINA – Repito, Luís não tem a menor culpa. Quando eu, sua mulher, o absolvi do amor que me jurou, ninguém, creio eu, tem o direito de ser mais severo e perturbar a calma de sua consciência.

MENESES – Descanse; não lhe direi uma palavra a tal respeito.

CARQLINA – O erro desse casamento foi meu e meu só, por ter nele consentido; devia saber que estava morta para o amor. Tenho disso tal remorso, que se Luís viesse a amar outra mulher... eu sofreria horrivelmente, mas... havia de respeitar a felicidade que eu lhe não pude dar.

MENESES – A felicidade criminosa!...


CENA VIII

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Os mesmos e Lina.

LINA – Está aí D. Francisca, mamãe!... Ah! Sr. Meneses!

MENESES – Bom-dia e bons anos.

LINA (na janela) – Vem com o Sr. Pinheiro.

MENESES (baixo) – O Pinheiro, Carolina?

CAROLINA – Sim, Meneses; é noivo da filha de D. Francisca, uma das minhas amigas e rica fazendeira.

MENESES – Perdão, Carolina!

LINA (na janela) – Que lindo vestido tem Amélia!

MENESES – É tão admirável tudo quanto faz que vou de surpresa em surpresa. Já entendi; esse casamento foi você quem o arranjou.

CAROLINA – Causei a desgraça desse moço e ele é inocente da minha!... A vergonha que sua presença me causa não devia impedir-me de reparar o mal; o cumprimento desse dever me santifica de tal modo, que lhe confesso... Parece-me que para ele sou outra mulher!

LINA – D. Francisca vem com um luxo, mamãe! E Amélia, tão envergonhada com o noivo!


CENA IX

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Os mesmos, D. Francisca, Amélia e Pinheiro.

D. FRANCISCA – Dá licença, minha amiga?

CAROLINA – Entre D. Francisca! (cumprimentos gerais.)

D. FRANCISCA – O Sr. Lopes não pode vir porque está com sua enxaqueca. Tomei então a liberdade de trazer em lugar dele este meu afilhado para me carregar o saco.

CAROLINA – Fez muito bem.

D. FRANCISCA – Tanta cousa que a gente é obrigada a trazer, o leque, o lenço, a carteira, as chavinhas, além da caixa de rapé, que eu não dispenso. O Sr. Pinheiro, este nem lhe chega o tempo para olhar Amélia. Está bem; não fiquem aí vermelhinhos. Hoje em dia já as crianças casam as bonecas. Não é assim mesmo, minha feiticeira?... Venha cá! Então aposto que lhe agrada mais a corte que a roça?... Nem se pergunta!

LINA – Gosto do lugar onde mamãe está.

D. FRANCISCA – Isso é agora. Dê cá o saco, menino.

MENESES – É a primeira vez que vem à corte, minha senhora?

D. FRANCISCA – Qual!

CAROLINA – Tem estado aqui por diversas vezes.

D. FRANCISCA – Somos conhecidas velhas, mas cada vez que volto é como se viesse pela primeira vez. O Rio de Janeiro vai ficando mais moço e mais bonito, eu mais velha e mais feia. É servido de uma pitada?

MENESES – Obrigado, minha senhora.

D. FRANCISCA – Sim, os senhores todos agora deram em fumistas; viraram canudo de chaminé, porque estamos no século do vapor. Nós, da roça, estamos ainda pela moda do dominus tecum.

MENESES – Que quer minha senhora. Era preciso que o pobre nariz da humanidade descansasse!

D. FRANCISCA – Então agora trabalha a boca? Mas nós as mulheres que não fumamos, que havemos de fazer?

MENESES – Falar, falar, enquanto os homens fumam.

D. FRANCISCA – Não está má a maneira de chamar-me tagarela. Mas eu não me zango, não. Meu marido é homem de poucas palavras, Amélia é o que o senhor vê, parece muda; então falo eu por toda a família.

CAROLINA – Sempre alegre! Que gênio feliz!

D. FRANCISCA – Ora, minha amiga, se a gente não levar essa vida assim com cara de riso, são dois purgatórios, um neste mundo e o outro lá em cima. Ah! Aqui está o nosso pensativo.


CENA X

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Os mesmos, Luís e o Barão.

LUÍS – Como passou, D. Francisca? Seu marido?

D. FRANCISCA – Pois o senhor é marido e me pergunta? Não sabe da balda dos homens todos? Tem sempre uma enxaqueca à mão para não acompanharem suas mulheres.

LUÍS – Como estou em unidade, julgo mais prudente uma retirada honrosa. Que dizes? (para Meneses apertando-lhe a mão.)

D. FRANCISCA – E o Sr. Meneses?

LUÍS – Este é solteiro ainda!

MENESES – É verdade, minha senhora. Apesar de já velho, tinha esperanças de casar-me, com alguma moça míope que não me visse a calva e os cabelos brancos! Mas depois da invenção dos balões reneguei inteiramente do matrimônio.

D. FRANCISCA – Mas por quê?

MENESES – Se eu me casasse era para viver junto de minha mulher. Ora desde que o balão tomou o lugar que eu podia ocupar de um ou de outro lado, julgo inútil casar-me! (risos.)

D. FRANCISCA – É engraçado o tal Sr. Meneses. Pois olhe, o meu balão é dos maiores, e nunca o Sr. Lopes reparou nisso!

LUÍS – Mas o Sr. Pinheiro não tem o mesmo receio.

PINHEIRO – Não, senhor. Enquanto não se usarem balões que cubram o coração, eu espero ter sempre o meu lugar!

D. FRANCISCA – Bravo, meu futuro genro!

LINA – Não cores, Amélia!

AMÉLIA – Eu, não!

D. FRANCISCA – Assim, defenda o nosso sexo! É seu dever.

MENESES – O Sr. Pinheiro está um pouco atrasado, D. Francisca. A moda do coração já passou como a do rapé de que falamos há pouco. A ultima moda agora é o charuto e o dote.

BARÃO – Este Meneses é incorrigível!

LINA – Oh! meu padrinho!... Agradeço-lhe muito as belas frutas que me mandou. E as flores! São lindas!

BARÃO – Esconda isto!... (dá um par de bichas de diamante.)

LINA – Para mim?... Que riqueza!... Olhe mamãe!

LUÍS – Realmente é demais, Araújo.

BARÃO – O senhor não tem ingerência nisto!

D. FRANCISCA – É uma peça de gosto!

MENESES – Também trouxe-lhe meu presente de anos, Lina. É a ocasião de o receber. Cada um dá o que tem. Eu, dou-lhe um conselho.

LINA – E eu o receberei com muito prazer.

MENESES – É breve! Quando trouxer seus diamantes, Lina, lembre-se que eles tem a forma de uma lágrima!...

CAROLINA – Este presente, minha filha, é mais rico do que o outro. Os diamantes custam às vezes muitas lágrimas e bem amargas!

MENESES – Também se podem resgatar.

LINA – Então não devo usar destas joias?

ARAÚJO – Por que não?

MENESES – Deve, porém, modestamente e sem orgulho, como de uma flor e de uma fita!

FRANCISCA – É o que eu sempre digo a Amélia; riqueza não é grandeza; assim como vem, assim vai.

CAROLINA – D. Francisca, vamos nós para a varanda? É mais alegre. Aqui está muito calor!

D. FRANCISCA – Como quiser. Não faça cerimônias comigo.

LINA – Venha D. Amélia. Sr. Pinheiro!

D. FRANCISCA – Ouça, Sr. Meneses. Quero saber a sua opinião...

MENESES – Não tenho opinião, minha senhora. Opinião é uma casaca incômoda hoje em dia. Se hei de estar a virá-la a cada canto de rua, prefiro andar com o redingote da moda, que tem duas vistas.

LINA – Não vem, meu padrinho?

BARÃO – Já vou.


CENA XI

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Barão e Luís.

BARÃO – Andas triste, Luís.

LUÍS – Não; incomodado.

BARÃO – Do moral?

LUÍS – Não é nada!

BARÃO – Acho eu que é muito!... Ora pois... Durante vinte anos me puseste no costume de te ver desabafar o que ia lá por dentro. Era eu assim como um borrador de loja onde assentavas tudo... E agora já não me falas de tua vida e até foges de mim! Então...

LUÍS – Desconfiança tua!

BARÃO – Pus-me cá a parafusar e disse com meus botões: Luís que já não me conta a sua vida, aqui há cousa!

LUÍS – Não tenho que contar.

BARÃO – Ou tens vergonha de confessar?

LUÍS – Vergonha por quê, Araújo?

BARÃO – Ora supõe... É uma suposição... que tu não fazes tua mulher feliz. Não terias remorso?

LUÍS – Ela se queixou?

BARÃO – Ela!... Bem sabes que morreria antes do que...

LUÍS – Eu sou o ente mais desgraçado, Araújo! Um engano fatal fez a infelicidade de Carolina e a minha. Pensei que meu amor fosse eterno, imenso, e nada valia! O coração do homem é um vil embusteiro! O meu que eu julguei se consumisse todo com aquela paixão da mocidade, aqui está ainda, o miserável, ávido e sedento de amor! Este é o meu castigo, Araújo. Tremo dentro em mim pensando que possa vir a amar outra mulher!...

BARÃO – Serás... um cobarde, se tal acontecer!

LUÍS – Um infame, bem sei!...Tu não me condenas mais severamente que eu próprio, e não obstante...

BARÃO – Cala-te desgraçado!...


CENA XII

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Os mesmos, Tavares, Sofia e Lina.

TAVARES – Creio que não chegamos tarde!

LUÍS – Ah! D. Sofia!

SOFIA – Como está D. Carolina?

TAVARES – Excelentíssimo Sr. Barão!...

BARÃO – Bom-dia, meu senhor! (vai saindo.)

LINA (entrando à Sofia.) – Julguei que não vinhas mais. Já estava preparando uma zanga que não imaginas!

TAVARES – Está hoje um calor!...

SOFIA – Pois eu adivinhando isto trouxe-te aqui meu coração, já todo crivado de alfinetes. Não estás satisfeita, má?

LINA – Ah! É uma pregadeira!... que mimoso trabalho!

LUÍS – Esses dedos são mágicos!

SOFIA – Se o fossem, em vez de crivarem os corações, haviam de sará-los!

LINA – Olha! Vou guardá-lo aqui no meio dos outros!

SOFIA – Nada! Isso foi lembrança, o presente é este! (dá-lhe dois beijos nas faces.)

TAVARES – O homem já chegou?

LUÍS – Quem? O Fernando?

TAVARES – O Vieira!

LUÍS – Pois ele vem?

TAVARES – Que tal? O meu amigo não me autorizou a convidá-lo?

LUÍS – É verdade; mas pensei que pudesse desembaraçar-se dele.

TAVARES – Entre gente de certa posição não é bonito...

LUÍS – Bem. (perturbado) Entremos!


CENA XIII

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Lina, Sofia, Frederico e Luís.

SOFIA – Então, ingrata, não me agradeces?

LINA – O quê? Teu presente? Quantas vezes...

SOFIA – Não te faças desentendida! Ficaste muito admirada de vê-lo hoje em tua casa?

LINA – À quem?

SOFIA – Ora! Ao Ribeirinho!

LINA – Mas ele não está aqui.

SOFIA – Ainda não veio? Então não pode tardar.

LINA – Meu Deus!... Quem o convidou?

SOFIA – Teu pai. Eu pedi-lhe...

LINA – Sofia!...

SOFIA – Como cousa minha; nem ele suspeita. Quis fazer-te esta doce surpresa.

LINA – Oh! que belo! Mas vou ter uma vergonha!... Sinto que lhe quero muito bem, muito mesmo; e quando estou junto dele, como outro dia no baile, fico toda trêmula; minha vontade é correr para onde está mamãe.

SOFIA – Pois prepara-te que aí está ele.

LINA – Não é!... será, meu Deus?... Ah! Sofia, me esconde.

FREDERICO – Minhas senhoras!

SOFIA – Já havia quem reparasse na sua demora.

FREDERICO – Seria assim tão feliz?

LINA – Sossega, Sofia!

SOFIA – Pois estás querendo fugir!

LINA – Acho melhor irmos para a varanda onde estão os outros.

SOFIA – Que pressa é esta?

LUÍS – Sr. Dr. Ribeiro!... Queira entrar; as senhoras estão na varanda.

SOFIA (à Lina) – Então já não queres vir?

LINA – Agora, não; espera.

LUÍS – As outras pessoas que esperamos não podem tardar, Lina; vai dar tuas ordens para que o jantar não se demore.

LINA – Sim, papai!

SOFIA – Eu vou ajudar-te.

LINA – Eu não consinto. D. Francisca está ansiosa por ouvi-la cantar. Comprometi-me pela senhora.

SOFIA – Nesse caso não quero que falte à sua palavra.


CENA XIV

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Luís, Sofia, depois Carolina e o Barão.

SOFIA – Mas o caminho do piano não é este!

LUÍS – Foi um pretexto, Sofia, para ter um momento de falar-lhe sem testemunhas. É preciso que eu aproveite estes rápidos e fugitivos instantes. Quando vou à sua casa, esconde-se de mim!

SOFIA – E não devo fazer?... Já basta o crime de ouvi-lo essas vezes em que não posso evitar.

LUÍS – Tem razão, Sofia, tem razão! É preciso que sua vontade, resista já que a minha alma não pode! Repila este cobarde, esmague-o com seu desprezo! Mas saiba! Este furor que se apodera de mim e me exaspera a ponto de inspirar ideias horríveis...

SOFIA – Eu lhe peço... deixe-me...

LUÍS – É a dúvida, essa dúvida cruel de não ser amado! Se eu soubesse que seu coração palpitava alguma vez por este infeliz, Sofia, eu repousaria desse horrível pesadelo de que a senhora possa amar outro homem e esposá-lo!... Seu amor me daria uma força heroica para vencer os arrebatamentos da paixão. Quando ouvisse ressoar dentro em minha alma uma voz celeste que me dissesse, ela te ama, me sentiria venturoso na minha desgraça!

SOFIA – O senhor ilude-se! Essa força não a deve tirar de mim, mas de sua mulher e de sua filha!...

LUÍS – Não fale desses nomes que me irritam!... Sim, porque me envergonham!... Sabe de que é capaz um homem para aplacar o remorso que o vai roendo?... Só a mão da mulher amada pode deitar bálsamo sobre esta chaga!

SOFIA – Pois bem, Sr. Viana, para sua e minha tranquilidade... (Carolina aparece.)

LUÍS – Acabe!

SOFIA – Eu o amei antes de saber...

LUÍS – Amou!...

SOFIA – E ainda o amo... por infelicidade minha!

LUÍS – Ah! (Carolina quer fugir, vê o Barão à porta; gesto suplicante, querendo impedi-lo de continuar.)

SOFIA – Esta palavra que o senhor arrancou de meu coração, de onde não devera sair, foi nosso adeus eterno!

LUÍS – Que diz Sofia?

SOFIA – Não nos veremos nunca mais!...

LUÍS – É impossível! O amor nos une... (toma-lhe as mãos.)

SOFIA – Um abismo nos separa!

LUÍS – Esse abismo... pode de um instante para outro desaparecer!...

CAROLINA – Ah! (Querendo fugir quebra um vaso da sala.)


CENA XV

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Os mesmos, Carolina e o Barão.

CAROLINA – Foi este vaso, Luís!... Que susto me causou!... (para o Barão que a ampara.) Felizmente não me ofendeu! (tom expressivo.) Sossegue meu amigo!... Não é nada. (Correndo para Sofia) Ah! D. Sofia, não a tinha visto! Como passou?... (beija-a na face.)

SOFIA – Bem, obrigada!

CAROLINA – Não nos dará o prazer de cantar hoje alguma cousa? D. Francisca há de gostar muito de ouvi-la.

SOFIA – Quando a senhora quiser. Estou pronta.

CAROLINA – Vá buscar D. Francisca, Luís; podemos aproveitar o tempo antes de jantar. (Luís sai) Barão, ainda não ouviu D. Sofia cantar? Que bela voz!... (baixo.) Silêncio, se quer que eu viva.

BARÃO – Não posso, não está em mim.

CAROLINA – E eu pude!... mate-me então!...

BARÃO – Descanse, Carolina. Nada direi... (Sofia preludia.)


CENA XVI

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Os mesmos, Luís, D. Francisca, Meneses, Amélia, Pinheiro, Frederico e Tavares.

MENESES – Que tem, Carolina!... Está de uma palidez mortal!

CAROLINA – Um susto! Sou uma medrosa.

D. FRANCISCA – Que vai cantar, D. Sofia?...

SOFIA – A Traviata, se lhe agrada, minha senhora.

FERNANDO (à Carolina) – Trago-lhe mil desculpas de minha mulher. Um incômodo repentino a privou do prazer de abraçá-la hoje.

CAROLINA – Sinto, que fosse este o motivo.

FERNANDO – Não podia haver outro. (a Luís) Vinha com receio de chegar tarde.

MENESES – Os ricos nunca chegam tarde.

CRIADO (na porta) – Desejo falar à senhora.

CAROLINA – A mim?

CRIADO – A Sr.a D. Paulina da Fonseca manda dizer que é escusado convidá-la mais, porque ela não porá os pés nesta casa.

CAROLINA – Eu esperava!...

FERNANDO – É impossível, minha mulher não mandou este recado!

MENESES – Está certo disto, Sr. Fernando?

BARÃO (vai à porta) – Mas então que significa esta insolência?


CENA XVII

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Os mesmos, Vieira e Lina.

VIEIRA (entrando) – Fala comigo, excelentíssimo?

BARÃO – E esta!... Que pretende o senhor aqui?

VIEIRA – Jantar, meu caro Barão! E são horas; quase cinco!... (Tirando o relógio.)

MENESES – Que fazes tu, Luís?

LUÍS – Eu...

MENESES – Sim! Que fazes que não mandas já correr de casa aquele réu de polícia?

LUÍS – Quem?

TAVARES (a Luís) – Aqui está o nosso comendador.

VIEIRA – Sr. Viana!... Peço desculpa de não chegar mais cedo; porém não há uma hora que recebi por meu amigo, o Sr. Tavares, seu gracioso convite. (Cortejando) Minhas senhoras!

MENESES (de parte) – Tu convidaste este ladrão, Luís?

LUÍS – Convidei-o, sim!

BARÃO (de parte) – Mentes!... Quero crer que mentes!...

CAROLINA (idem) – Luís, este homem em nossa casa, em nossa mesa!

LUÍS (idem) – Não está aí o Pinheiro, Carolina?

CAROLINA – Oh! Todos tinham o direito de lançar-me este insulto; meu marido, não!

LINA (entrando) – Mamãe, o jantar está pronto!

LUÍS – Vamos, meus senhores!

VIEIRA – D. Sofia, tenho a honra de oferecer-lhe meu braço! (Luís se interpõe.)

LUÍS – Com licença, comendador! Dê o braço à D. Francisca.

D. FRANCISCA – Nada! Eu já tenho o do Sr. Barão.

LUÍS – Então... À minha mulher!... Faça obséquio!

VIEIRA – Com o maior prazer (Os outros vão saindo.)

CAROLINA (de parte a Meneses) – Não pensava ter descido tanto, meu Deus!

VIEIRA – Minha senhora. (Meneses interpõe-se afastando Vieira.)

MENESES (à Carolina) – Recuse; isto é uma indignidade!...

CAROLINA – Não! Devo tragar o fel até à última gota! Restava-me ainda esta humilhação de todas a mais cruel!... Ser atada ao pelourinho!...

MENESES – Carolina!...

CAROLINA – Seu braço, Sr. comendador?... (pausa.)

MENESES (só) – Eis o mundo!...