Durante toda a noite Roberto e Ricardo velaram na praia esperando em vão por seu irmão.
— Achou-a talvez — pensavam lá entre si dissimulando-se reciprocamente a inquietação e ciúme que lhes mordia o coração. — Conseguiu talvez aportar à ilha, encontrou-se com ela, e a esta hora, quem sabe? Esquecido do mundo, de nós, de tudo lá está nos braços dela engolfando-se em delícias!
Mas logo repeliam esta ideia para eles a mais amarga e pungente de todas.
— Não! Não é possível…! Ela nos detestava a todos os três, e deve bem saber que braços vibraram o golpe que lhe roubou o esposo. Se a moça ou fada que habita essa ilha é realmente Regina, mais fácil será ter ela sacrificado nosso irmão à sua feroz vingança, se é que ele não soçobrou nesses malditos penedos.
Desde o romper do dia pouco a pouco foram chegando outros pescadores igualmente ansiosos por saberem o resultado da audaciosa tentativa de Rodrigo.
— Ainda não voltou?! — dizia um. — Bem o dizia eu; ou a sereia o agarrou em seus laços, e lá tem de ficar para todo o sempre, ou despedaçou o barco nos rochedos da ilha, e não tardaremos a ver seu cadáver arrojado à praia.
— Não é isso — replicava outro —, é que talvez até agora estará vogando atrás da ilha, e ainda não pôde alcançá-la. Se duvidam, olhem, que é da ilha…! Não o vejo em parte alguma.
— É o sol, que te empana a vista. Olha acolá — respondeu outro apontando ao longe no horizonte.
— Ali…? Mas aquilo parece mais ser uma névoa.
— E se não é nevoa, então a ilha mudou de lugar.
— Pois quem duvida? Essa ilha é o castelo encantado da rainha das sereias que anda a boiar por cima das ondas, e passeia por todos os mares do mundo. Já tem sido vista até nas Canárias, e chamam-lhe por lá a ilha de São Brandão, mas, como aqui, lá também ainda ninguém lhe pôs o pé.
— Entretanto o Rodrigo lá se foi atrás dela e por lá ficou.
— E lá ficará para todo o sempre, é o que lhes digo e é o que há de suceder a todos os que tiverem o arrojo de lá querer chegar.
Entretanto, no meio destas e outras conversações, os pescadores olvidados de suas ocupações passeavam de contínuo olhares curiosos e investigadores por toda a superfície do oceano que com a vista podiam alcançar. Roberto e Ricardo, especialmente, pouca atenção prestando ao pairar incessante de seus companheiros, não despregavam os olhos dos rumos da ilha maldita.
À medida que o sol ia se remontando no horizonte, as névoas matinais foram se dissipando, e as cerúleas campinas do oceano ligeiramente enrugadas por uma brisa de nordeste se apresentaram banhadas de viva luz até os seus mais remotos confins. Começou então a desenhar-se distintamente aos olhos dos pescadores o sinistro fantasma da ilha misteriosa na extrema do horizonte e no mesmo ponto em que fora vista na véspera. Figurava um cômoro roxo escuro circundado de alvo cinto de espumas, como uma ametista atufada entre flocos de arminho.
— Ei-la acolá! Estão vendo agora? — bradou o que primeiro a tinha avistado. — Lá está a ilha.
— É ela! É ela! — exclamaram todos. — Lá está e no mesmo lugar.
— É ela, esta noite felizmente não vogou; ainda bem, mas o pior é que por esse rumo não vejo nem sombra de embarcação.
Era já quase meio-dia e nem vela, nem sinal algum de barco se via no horizonte. Roberto não teve paciência para esperar mais tempo.
— Vou procurar meu irmão — disse saltando dentro de seu barco. — A ilha é aquela mesma, bem a conheço, mas seja nuvem, ou sonho, parcel, rochedo ou o palácio do diabo, se ela não soverter-se debaixo das águas, ou não voar pelos ares, hei de lá chegar, e vivo ou morto hei de encontrar meu irmão.
Em vão os pescadores se esforçaram por demovê-lo de tão insensata empresa; a nada atendeu o temerário moço. Desamarrou silenciosamente o seu barco, içou a vela, manobrou o leme, e fez-se ao largo.
— Vai, meu irmão, vai procurar e salvar, se ainda é tempo, o nosso irmão — disse-lhe Ricardo. — Se dentro em 24 horas não estiveres de volta, eu lá irei procurar-vos. Adeus, Roberto!
— Adeus, Ricardo.
— Que doidos são estes moços! — murmuravam os pescadores consternados vendo partir Roberto. — Devem andar bem enfastiados da vida deles, que assim correm a uma morte certa com a maior frescura e desembaraço do mundo! É mais um belo e excedente companheiro que a maldita sereia nos vai roubar.
É escusado referir por miúdo o que aconteceu a Roberto. Teve em tudo a mesma sorte que seu irmão mais velho. Regina, que já adivinhava a sua vinda e o esperava no alto do rochedo, indicou-lhe por gestos, como já o fizera a Rodrigo, a derrota, que devia seguir para poder penetrar na ilha. Apenas se achou nas águas serenas do golfo, que ocupavam o centro daquele pitoresco e ameno recesso, ouviu os enlevadores acentos da voz melodiosa, que parecia adormecer as ondas e os ventos, e divisou o donoso vulto de mulher vestida de branco que o chamava à praia. Aportou, fascinado pela deslumbrante formosura, pelas blandícias e afagos de Regina, que logo reconheceu, o mísero mancebo nem se lembrou de perguntar por seu irmão…! Tal era a força da alucinação que desvairou-lhe a mente, e obcecou-lhe o coração! A moça o conduziu por entre os rochedos, parou no mesmo sítio a que levara Rodrigo, e na mesma hora em que na véspera este fora sacrificado, o mesmo punhal vibrado pela mesma mão traspassava o coração de Roberto, e mais um cadáver estrebuchava agonizando sobre a sepultura do marido de Regina.
— Parabéns, marido! — exclamou Regina com um riso de medonha e feroz alegria. — Parabéns! Já o sangue de dois dos teus assassinos tinge a tua sepultura…! Falta o terceiro; ele há de vir, disso estou certa. Amanhã ele aqui ficará também estendido ao lado de seus bons irmãos. Por este punhal, e por todo o sangue por ele derramado assim o juro, juro, juro três vezes …!
Os mudos e insensíveis rochedos, únicas testemunhas daquela cena pavorosa, deviam estremecer de horror aos ecos daquele brado infernal. Medeia apunhalando os filhos de Jasão não seria mais horrível.