Foral dos Almoxarifes das ilhas dos Açores

  1. Primeiramente levareis o Foral da minha ilha da Madeira, e por ele arrecadareis mui bem todos os meus direitos na dita ilha, sem levardes mais nem menos, tirando em algumas coisas do que a dita ilha Terceira tenha privilégio para se haverem arrecadar em outra maneira, porque a povoação de todas minhas ilhas foi depois de se começar a povoar a dita ilha da Madeira, e aqueles mesmos privilégios hão-de ter, aqueles mesmos direitos hão-de pagar, reservando-se em algumas coisa, como já disse, e lhe, foi feito mercê pelo Infante meu Senhor, e Padre que Deus haja, e pela Infanta minha Senhora, que governava, e o arrecada dos ditos meus direitos, fareis presente o Escrivão do vosso ofício para os assentar em receita, e assim mesmo as despesas também fareis perante ele, porque em outra maneira não vos serão levadas em conta.
  2. Arrecadareis o Dízimo que renderem todos os moinhos, e moendas, que os capitães têm posto, que até agora se não arrecadassem.
  3. Vos mando que o pão que em cada um ano houver na dita ilha não arrendeis a nenhuma pessoa, e o arrecadai todo mui bem, salvo quando virdes meu mandato em contrário e todo o dito pão que assim aí houver de meus rendimentos me enviai a Lisboa a meus feitores, e disto tende grande cuidado, porque se o dito pão lá ficar na ilha à vossa míngua pagar-mo-eis por vossos bens aquilo que se nele perder por se não carregar para estes Reinos, e daqueles a quem entregardes nos navios cobrai deles seus conhecimentos feitos por o Escrivão desse Almoxarifado, com testemunhas, e além de haverdes o dito conhecimento, escrevereis a meus feitores a Lisboa como por ... em tal navio enviais tanto pão meu, e que vos mantém dele reconhecimento feito pelo Escrivão do seu ofício, e assinados por ambos para vos ser levado em despesa sendo vós avisado, que sempre o enviareis por pessoas seguras em que depois ao diante não possa haver dúvida.
  4. Arrendareis em cada um ano as miunças, e dízimos do mar e quem vos por eles mais der, andando primeiramente em pregão, e fazendo-o muito depressa, as quais coisas arrendareis de Janeiro a Janeiro, posto que até aqui andassem do São João ao São João, e posto que aqui diga, que vós arrendeis as ditas rendas entender-se-á quanto aí ao tempo do arrendar não for algum meu contador, porque a eles principalmente pertence, e bem assim o fareis em quanto a mi bem parecer, e houver por meu serviço.
  5. Vos mando e encomendo que sempre repareis mui bem a Igreja dessa parte de que a mim pertence fazer, e o povo corrija o que a eles isso mesmo pertence, e além do corregimento desta Igreja vos dou poder compreis dessas cousas que vos necessárias parecerem per ornamento delas, e corregimentos das ditas Igrejas para se o ofício divino dizer, e despendais em ele até a quantia de 5$000 em cada um ano que vos necessário parecer, o se porventura para o que for necessário às ditas Igrejas se não houver dinheiro tomareis do trigo aquele que compridouro for, as quais cousas quando se assim gastarem, além de ser perante o dito Escrivão, será perante o Vigário, e ele vos dará conhecimento do que nisso se gastou, e em que cousas.
  6. Vos mando que digais da minha parte a todos os dessa ilha, que todos assinem seus gados vaccuns daí a dois meses, que lhe para ele deu de espaço sob pena de o perderem para mim, e isto lhes manto porque sou certo que é grande dano da terra andar gado algum por assinar, e os bezerros se ferrarão, ou assinarão depois que nascerem a um ano o mais tardar, e os que daí por diante se acharem sem sinal se perderão para mi, como dito é; e assim assinarão também todolos outros gados.
  7. Por que até aqui houve regimento e mandado acerca de ir ao monte matar gado na dita ilha: hei por bem que sobre ele se tenha daqui por diante esta maneira. Que ninguém nom vá a matar o dito gado sem licença do capitão; ao qual capitão encomendo muito que tenha nisso aquela maneira, e temperança que lhe bem parecer, e melhor for para se os ditos gados não destruírem; e a vós meu Almoxarife, e Escrivão de vosso ofício, por serdes meus oficiais, dou licença que possais ir ou mandar ao monte temperadamente para a matança de vossas casas sem o fazerdes a saber ao capitão, e nisto vos mando que o façais em tal maneira que não tenha razão de vo-lo defender.
  8. Porque até aqui era mandado aos que aí iam matar dito gado que antes que o matassem em suas casas vo-lo fizessem saber para arrecadar o dízimo deles, agora me praz por menos opressão, e mais liberdade das terras que eles os possam matar em suas casas, se quiserem, e o dito dízimo arrecadareis por seus juramentos, e assim mesmo por esta maneira arrecadarão este dízimo os rendeiros quando as rendas forem arrendadas.
  9. Vos mando que da minha parte digais ao capitão, e oficiais e meirinhos que eu hei por serviço de Deus, e bem da terra, que eles nem pessoa alguma não façam na dita ilha coutada de gados mas pasçam misticamente ressalvando se algum tem algum cerrado bem tapado que neste nenhuma pessoa não meta gado nele e se o meter que pague coima; e este cerrado se entenda que seja atenção daquele que o secar e a terra terá por carta do Capitão e Almoxarife, segundo minha Ordenança. E assim mesmo vos mando que posto que o meu gado e bestas, de que vos eu dou cargo, cresça muito, e vos para ele parecer necessária alguma coutada, que vós o não façais, porque vos mando que acerca disto eles não tenham mais liberdade que os outros da terra; e isto mesmo vos mando que do dito meu gado, e bestas tenhais tal cuidado, que não façam dano em pãos, nem em outras cousas dos vizinhos; e acontecendo-se em alguma hora o fazerem dano, que vós do meu pagareis os damos, e coimas tão inteiramente como as pagarem quaisquer pessoas outras do povo, porque em semelhantes causas assim é direito de se fazer: e assim vos encomendo muito que se faça: e assim dizei da minha parte ao dito capitão, e moradores que lhe encomendo muito que tenhais grande cuidado de esquivarem os damos da terra, por que esta é uma das principais coisas que a bem dela pertencem.
  10. Hei por bem que meus rendeiros, que arrendarem minhas rendas tendo cada um da parte nelas da quantia de dez mil reis para cima, que em todos seus feitos crimes, e cíveis em que eles forem feitos antes de rendeiros, ou depois conheçais deles, e das causas cíveis, e crimes dareis apelação; e agravo nas causas em que o direito outorgar às partes para minha fazenda, e no crime de morte de homem e talhamento de membro dareis apelação para a casa do cível de El-Rei meu Senhor, segundo é ordenado em todas as minhas ilhas.
  11. Por esta mando aos meus capitães, e justiças, e a todolas outras pessoas da dita ilha que não entendam, nem tomem conhecimento de nenhuma coisa que a minhas rendas e direitos pertençam, nem aos ditos rendeiros, somente o dito capitão poderá por um Escrivão que escreva como se todo arrecada para saber que lhe pagam verdadeiramente sua redízima; e não querendo pôr escrivão, no cabo do apanhamento de cada uma renda: mando ao meu escrivão que lhe mostre seu livro para saber o que há-de haver de sua redízima.
  12. Por este mando a todos os moradores da dita ilha que nom tirem seu pão das eiras sem primeiro ser dizimado, os quais moradores quando o tiverem limpo vo-lo farão logo a saber para o irdes dizimar, e não o fazendo assim paguem de pena mil reis, e mais seu dízimo, e serão obrigados sob a dita pena de esperarem por nós com pão nas ditas eiras, do dia que vo-lo disserem até quatro dias primeiros seguintes. E nom indo vós, ou mandando, então eles o poderão colher, e levar para suas casas livremente, pagando sua dízima - E vós tende cuidado de o recolherdes com muita diligência no tempo que vo-lo disserem, e fordes requerido senão sede certo que se coisa alguma se perder por vossa mingua mo pagareis à vossa custa. E o escrivão desse Almoxarifado assentará a dita pena em receita sobre vós.
  13. Sabereis se há aí algumas minas, ou veiros de ouro ou prata, cobre, e se os aí houver todo se arrecadará para mim, e pessoa alguma não meterá nisso mão, porque todo é para o Senhorio. E isso mesmo quaisquer tintas, e paus de teixo que aí houver a arrecadarão livremente para mim porque a mim somente pertence: e há cerca dos paus de teixo, ter-se-á nisso a maneira que se tem na ilha da Madeira, dando a metade para mim.
  14. Qualquer coisa que vier à costa, a que se não ache dono, arrecadareis para mim, e assim mesmo qualquer baleia, ou peixe, de semelhante maneira.
  15. Quando algumas terras ou águas se houverem de dar de sesmaria, dá-las-á o capitão convosco, e com o escrivão de vosso ofício que fará as cartas delas, e outro algum não: e as terras que de outra guisa de aqui em diante, se derem as nom hei por bem dadas, antes as darei a quem mas pedir, e me aprouver de as dar, e serão assinadas pelo dito capitão, e por vós feitas em nome de ambos, capitão e Almoxarife, pelo dito escrivão. E porque até aqui creio que estas cartas não passaram nesta forma, por esta quero, e mando, que se tornem a fazer outra vez em nome do dito capitão, e Almoxarife, e feitas pelo dito escrivão, assim pelo que cumpre a meu serviço como a mais segurança das partes, as quais cartas se farão assim novamente declarando em elas o tempo em que pelas cartas velhas lhe foram dadas, e como por meu mandato se tornaram assim a fazer. E a dito Escrivão levará do feitio destas que assim tornar a fazer 20 réis, e os capitães e Almoxarifes não levarão destas mais pitança: e isto se não entenderá nas cartas que já foram confirmadas.
  16. Quaisquer paus cortadas que estiverem nessa Ilha de que souberdes certa que há ano, e dia que assim estão cortados sem se aproveitarem, fareis arrecadar para mim.
  17. Quem nessa ilha fizer algum navio, ou navios a mim me praz de lhe quitar a dízima do tabuado, e madeira que por eles fizerem, e isto em quanto a mim aprouver.
  18. Mando que o homem do Almoxarifado dessa ilha seja escusado dos cargos, e servidões que pertencerem ao Concelho, e que possa trazer suas armas de noite, e de dia, não fazendo com elas o que não deve, ao qual homem dareis em cada um ano para seu mantimento 30 alqueires de trigo.
  19. Quando algumas vezes houverdes mister alguns homens para meu serviço, requerê-los-eis ao capitão, ou juízes, quais primeiros achardes, quer vo-los dêem daqueles, que costumam andar a jornas, aos quais lhe pagareis seus jornais segundo se mais largamente costuma de pagar na dita ilha; e ao capitão, e juízes encomendo muito, que todolos homens que assim houverem mister para coisas de meu serviço vo-los dêem com muita diligência.
  20. Se porventura o meu contador dessas ilhas vos pedir algum dinheiro, ou coisas minhas, requerer-lhe-eis que vos mostre ordem, e poder meu que para isso tem, e segundo em ela for conteúdo assim o cumprireis; e se vos mandar fazer algumas despesas por meu serviço fá-las-eis em aquelas cousas a que seu Regimento estender, e mais não.
  21. Quando algumas penas forem postas nessa ilha para minha chancelaria, ou câmara, ou para outra qualquer maneira que a mim pertencer sendo as ditas penas julgadas as arrecadareis para mim, e o escrivão de vosso ofício as porá em receita sobre vós, as quais quando assim forem postas vós tereis cuidado me as mandar, e requerer ao capitão, que as mande executar, e entregar a vós, porque estas penas hei por serviço de Deus se arrecadem bem, por dar azo às coisas da justiça se fazerem melhor.
  22. Eu quero, prazendo a Deus, fazer na dita ilha uma boa abegoaria por o sentir assim por bem da terra: pelo que vos mando que vós tomeis logo daquelas terras que direitamente aí posso tomar para mim tanta que possa levar de semeadura vinte moios de pão, e posto que toda inteiramente não tomeis, tomai-a em duas ou três, ou quatro partes.
  23. Encomendo muito ao capitão que convosco vá escolher esta terra que ainda virdes cumpre a meu serviço, e por-lhe-eis seus marcos na terra da maneira que se não possa enlear, e logo começareis de mandar alimpar aquela terra.
  24. Para a dita Igreja principal vos mando que deis à minha custa esta cera. Que todolos Domingos, e dias Santos de todo o ano, à missa do dia estejam acesas duas velas de cera de meio arrátel cada uma, e quando levantarem a Deus se ponham nas tábuas que para isso são ordenadas outras duas velas que sejam de um arrátel, as quais estarão acesas desde que disserem Sanctus até que acabem de consumir, e no ofício das Trevas se porão quinze velas de meio arrátel cada uma, a qual cera entregareis ao mordomo da dita Igreja, e vós tereis cuidado que se faça nela boa provisão de maneira que se não gaste senão nas cousas da Igreja; e isto começareis logo de fazer como lá chegardes, e daí em diante sempre em cada ano o fareis.
  25. Me praz que vós dito Almoxarife, e escrivão de vosso ofício, e os homens de vossa casa possam trazer vossas armas de noite, e de dia sem vos serem defesas, não fazendo vós com elas o que não deveis, ficando porém resguardo quando quer que o meu Ouvidor for à dita ilha vo-las tolher quando lhe parecer que cumpre a meu serviço. Escrito em Santarém, a 2 dias do mês de Julho. João Ribeiro o fez em ano de 1437.
  26. Quando chegar algum navio estrangeiro não se fará com ele nenhuma avença, e pagará sua dízima direitamente.
  27. De todas as demandas e cousas que pertencerem a vosso ofício conhecereis delas por nova acção, e dareis apelação e agravo delas para o Contador sendo nessas ilhas, de conta de setecentos réis para cima.
  28. Dos direitos que pertencerem à Alcaidaria vos mando que conheçais deles, e julgueis como achardes que é direito, dando apelação e agravo pela dita maneira, e da dita quantia; e mando aos ditos capitães e juízes que daqui em diante, tenham e conheçam disso, porque são direitos que pertencem a meus Almoxarifes, e Contador conhecerem disso.
  29. Porque aí há algumas éguas minhas que andam, enleadas vos mando que logo tireis inquirição e saibais verdadeiramente quantas éguas há aí, e quem as traz, as quais todas ferrareis de meu ferro; e assim as éguas e potros que daqui em diante delas nascerem para se saber sempre como são minhas, e se fazer delas como eu mandar.
  30. Vos encomendo, e mando que mandeis fazer nessas ilhas vinte quintais de pastel o melhor que puderdes por conselho de mestres, e pessoas que nisso entendam, o qual quero, para mostrar, e mandar a Flandres, ou à feira de Medina, para se saber a valia dele, os quais me enviareis logo a Lisboa; este ano se poerá para se colher no outro.
  31. A casa para se arrecadarem meus direitos, que já começada é, se acabara o mais cedo que puderdes, e a tereis sempre mui bem repairada; e quando não estiver ocupada em cousas minhas a alugareis a alguns mercadores, e pessoas que ponham aí suas mercadorias, ou a quiserem por aquilo que for razão, e sente-se em receita sobre vós aquilo que ela render.
  32. Porque as terras da Quatro Ribeiras da Agualva para diante estão por dar por aí haver litígio entre os capitães a quem pertencem de lhas dar, a qual cousa enquanto se não determina nom hei por meu serviço, nem proveito da terra estarem assim por darem; vos mando que vós, e o almoxarife da parte da Praia, e os escrivães de vossos ofícios todos quatro as deis a quem que vo-las pedir em ausência dos capitães: e as cartas vão feitas em nome de todos, e digam nelas como por meu mandado as destes.
  33. Porque a despesa do carreto do pão é grande, encomendo-vos e mando que vejais, que melhor maneira se poderá ter daqui em diante, se será bom haver aí carros e bois meus que o acarretem.

E não contém mais o referido Foral que consta (conclui o Padre Maldonado) ser copiado do próprio que se achou já tão diminuto, e quase consumido do tempo, que apenas se entendia: e creio que sem princípio nem fim pelo que dele se colhe, em razão do qual consta ser copiado por Cosme Correia, escrivão da Provedoria, a 15 de Setembro de 1611, por mandado do Provedor da Fazenda Roque da Silveira, e do Juiz Contador da Alfândega Manuel Pacheco de Lima.