Com a ausência do marquês de Santa Cruz não cessaram as insuportáveis calamidades dos terceirenses, e as cruentas execuções daqueles infelizes que, sem outro algum crime, se tinham subtraído e recusado apresentar nos primeiros três dias por ele determinados; antes sim o governador Juan de Horbina se tornou um insolente absoluto senhor e tomando por adjunto o corregedor Cristóvão Soares, os bacharéis Jorge Vaz Pais, Heitor Colonel e Roque Dias, e os cidadãos António Francisco e Álvaro Pereira de Lacerda, fez com eles um inexorável tribunal de sete, que sem admitir embargos, apelação ou agravo, sentenciou à forca vários cidadãos, entre eles o capitão Trigueiros e o venerando ancião Baltasar Álvares Ramires, letrado antigo da cidade, que já por muitas vezes tinha servido de corregedor e outros cargos da cidade e servia naquele tempo de desembargador da Relação[1].

A condenação deste último atribuía-se aos juízes Jorge Vaz Pais, homem mal intencionado[2], ao corregedor, ao governador e a António Francisco, que se dizia eram os mais empenhados contra o réu. E sendo embargada a sentença, e fazendo António do Canto, sua mulher e filhos, os maiores empenhos, por intervenção das pessoas mais respeitáveis da cidade, seculares e eclesiásticas, para o livrar, tudo foi inútil; e pelo contrário, rejeitados os embargos in limine, mandaram ao réu que se dispusesse para morrer, e sem remédio algum foi justiçado na antiga forca do Monte Brasil. Houve deste padecente grande lástima na cidade e em toda a ilha. Esteve na forca o cadáver até ao outro dia, em que foi sepultado pelos irmãos da Misericórdia. Imediatamente lhe foram confiscados todos os seus bens, e deles tomou posse Melchior Estaço, por haver sentença contra a fazenda dos rebeldes, aplicada ao cofre dos defuntos e ausentes[3].

Poucos dias depois de haver partido o marquês, chegou de Flandres, onde havia arribado, ao porto de Angra um navio francês com grande quantidade de dinheiro cunhado em nome de El-Rei D. António, moedas de cobre de 80, 40 e 20 réis. Iludido o capitão pelo alcaide-mor da cidade, Pedro Álvares Cabral, que o certificou de que a ilha ainda não estava sujeita ao governo de Castela, nem haviam chegado ainda as suas armadas, conseguiu que o navio fundeasse defronte do castelo de S. Sebastião; mas em pouco tempo se desenganou, quando viu os oficias de justiça e soldados castelhanos a prendê-lo, assim como ao piloto, aos da tripulação e ao mercador que era dono do navio. No breve espaço de dois dias foram o mesmo capitão e piloto justiçados na forca do Monte Brasil.

Igual género de morte se deu no mesmo dia a um carpinteiro que tinha sido desterrado e a outro homem, por alcunha o Peralcucheiro, ambos casados em Angra, e pelo único delito de falarem muito em favor de El-Rei D. António.

Não pararam aqui os suplícios daquela pobre gente, porquanto o dono do navio foi levado pelas ruas da cidade com baraço e pregão e por final sentença degredado para galés, e os marinheiros foram obrigados a servir nas obras públicas. Quanto ao navio e carga foi tudo confiscado para a coroa. A mesma sorte experimentaria outra embarcação, que atrás desta vinha com grande importância de mercadoras, se um homem da vila de S. Sebastião[4], lançando-se a nado com uma bandeira na mão, o não fosse prevenir do que se passara com aqueloutra.

Não faltavam acusações, por efeito de uma tremenda espionagem empregada em todas as partes da ilha, e mui principalmente na cidade; de modo que, havendo-se escapado do porto para o Faial uma caravela carregada de especiarias de grande importância, houve a este respeito muito quem falasse, e aplaudisse a destreza dos que a levaram fugindo aos excessos do governo que sem dúvida a tomaria por perdida, em razão de ter despachado em nome de El-Rei D. António: e porque duas mulheres do povo se gloriaram disto, chegando a dizer em público aquele provérbio — Que o seu chora por seu dono! — acrescentando que — ainda D. António havia de tomar a ilha, e elas haviam de ver bem pagos alguns da terra que andaram entre os castelhanos! —, foi isto denunciado aos do tribunal, que as mandaram açoitar pelas ruas, do que procedeu a morte de uma destas mulheres, apaixonada pela infâmia do castigo.

A um Pedro Antão, que se achava preso na ilha do Faial porque retratara muito bem El-Rei D. António, e por isto ele o premiara com hábito de Cristo, mandaram vir à cidade, e apesar da boa defesa que ele deu, o sentenciaram que fosse pelas ruas públicas com baraço e pregão, e o degredaram por 5 anos para os lugares de África; e não lhe sendo recebida apelação nem agravo, o mandaram embarcar para ir cumprir o degredo, o que assim lhe aconteceria, a não obter perdão, com obteve em Lisboa, com outras pessoas arguidas de tão insignificantes e supostos delitos.

Os excessos, arbitrariedades e crueza daquele terrível tribunal só puderam ter o desejado termo por ocasião de serem processados os venerandos cidadãos Baltasar Gonçalves de Antona, o licenciado João Gonçalves Correia, Pedro Álvares, por alcunha o Frade, e Alexandre Pinheiro. Todos eles se haviam apresentado nos três dias determinados, mas por terceiras pessoas, uns por se acharem doentes de suas moléstias e outros por saírem feridos na batalha, do que tinham certidões autênticas. E como os seus maiores inimigos eram os próprios da terra que vieram na armada, e outros aos quais haviam ofendido nos cargos que serviram, os acusaram porque eles não vieram pessoalmente apresentar-se, podendo fazê-lo sem incómodo algum de suas pessoas; e assim arguidos foram logo recolhidos à cadeia, e lhes foi proposto o libelo acusatório por parte da justiça.

Deram então os réus a sua defesa, contraditando as testemunhas e arrazoando de seu direito, mas sempre foram condenados com o fundamento de ser crime de lesa-majestade; e foram os primeiros dois degredados para África por dez anos, e os dois últimos condenados às galés por cinco anos e em penas de dinheiro. E não obstante apelarem da sentença não lhes foi a apelação recebida, e pedindo instrumento de agravo, este lhes foi denegado, e para logo os fazerem embarcar com muita pressa. Chegando a Lisboa foram metidos no limoeiro, e fazendo petição, ordenou-se que, sendo assim como diziam em seu requerimento, os do tribunal lhes recebessem a apelação. Baixando todavia o despacho para serem notificados os adjuntos, responderam que primeiro notificassem a Juan de Horbina, o qual, vendo como eles estavam inclinados a favorecer os réus, passou a insultá-los de palavras, chamando-lhes Antoninos, por haverem votado para que os réus não morressem; pois se os enforcassem logo — dizia ele muito indignado — não viriam com aquele despacho em seu favor. E repugnando sempre executá-lo, já os procuradores dos réus requeriam ao escrivão dos autos, Luiz Mourato, lhes desse instrumento de denegação, instando com muitos protestos contra o governador, até que finalmente lhes entregou os autos, os quais, subindo ao desembargo, nele foram os réus havidos por livres e desembargados, e o corregedor e o governador muito repreendidos, por se haverem daquela maneira, ficando outrossim advertidos para de ali em diante darem apelação e agravo de tais processos[5]; e ficaram acabados os adjuntos que Juan de Horbina tinha associado sem haver para isso autoridade.

Começou portanto daí por diante a governar com grande moderação e satisfação pública, consultando o corregedor e as Câmaras nos negócios de maior importância. Contudo, nas penosas circunstâncias em que se achavam os terceirenses, era quase impossível o remediarem-se logo tantos males, quantos sobre eles arrastara a insolência e a fereza dos vencedores, os quais, esquecendo toda a disciplina militar, e desprezando os seus chefes, cometiam os maiores atentados e roubos, e por estes meios nas suas mãos tinha caído a maior parte da riqueza da ilha. Um grande número dos seus moradores e proprietários achava-se reduzido à maior penúria pela maneira com que foram tratados desde que o exército inimigo entrou na ilha.

Ainda para maior inquietação foram obrigados os terceirenses ao alojamento dos soldados do presídio, que não cabendo já nas casas dos cidadãos, habitavam em quartéis separados em corpo de guarda; e o primeiro acto governativo que achámos de Juan de Horbina, é a provisão pela qual em 14 de Setembro de 1583 autorizou os oficiais da Câmara de Angra a fintar os moradores do concelho em 200 cruzados para este alojamento[6].

Não contentes os soldados e seus oficiais de terem saqueado os móveis e todo o mais precioso das casas naqueles três dias fatais, continuaram os roubos e devastação dos campos, aos quais saíam armados com espingardas e outras armas de fogo, matando os gados necessários para trabalhar as terras; do que resultou não se poderem aquelas semear, e ser necessário que El-Rei, informado desta falta, enviasse ao governador a provisão de 10 de Março de 1584, para que ele fizesse castigar os soldados que assim procedessem e tomassem os frutos das terras a seus donos (Documento M**).

Tanto magoou a El-Rei Filipe o estado deplorável em que se achavam os lavadores despojados de todo a sua riqueza, que determinou, por outra provisão naquela mesma data, se vendesse aos moradores da ilha o gado tomado pela guarnição e que se achava em poder dos oficiais e soldados, para que se pudessem semear as terras, e prover as naus e armadas que ao porto vinham; e que se averiguasse qual fora tomado nos três dias, e qual depois deles, para ser pago a quem conviesse, ou restituído a seus donos (Documento N**). O mesmo direito mandou El-Rei se guardasse a respeito dos alojamentos dos soldados e oficiais, para que estes os não tomassem, nem mantimentos, contra a vontade de seus donos (Documento O**). Mas apesar destas adequadas providências, como este mal era tão inveterado, mui tarde se pôde remediar.

Ordenou El-Rei também, a requerimento da Câmara da cidade, que se não pudessem naquele ano exportar cereais senão de umas ilhas para as outras, e que os oficiais da mesma comprassem os precisos para fornecimento dos soldados, aos quais mandou dar um cruzado mensal, para com isso ficarem desobrigados os moradores do que lhes davam; e que se fizesse à custa das imposições da carne a despesa da lenha e azeite para os corpos da guarda. Igualmente determinou se dessem à Câmara os 200 cruzados que o marquês de Santa Cruz prometera de dízimo do peixe para reparo da casa do concelho e relógio. E finalmente perdoou aos sapateiros culpados na devassa que se tirou, por não guardarem a taxa e posturas do concelho, com declaração de que, incorrendo outra vez na culpa, lhes não valeria o perdão, e se procederia contra eles[7].

Entra os grandes poderes que o marquês delegou em Juan de Horbina, foi o de governador das justiças, e a faculdade de nomear os oficiais da Câmara, independente das eleições que se faziam pelos nobres em pelouro na forma da Ordenação do Reino. Deste poder usou o governador no ano de 1584, e assim nomeou, para servirem em Angra de juízes, Francisco Vaz Chama, e o licenciado Pedro Rodrigues Furtado; para vereadores nomeou Pedro Rodrigues de Aguilhar, Álvaro Luiz de Maiorga e Álvaro Ferreira. Na Praia nomeou juízes a Gaspar Cardoso Machado, e a Baltasar de Mesquita Teixeira; vereadores, Heitor Homem da Costa, Gaspar de Freitas da Maia e António Lopes; procurador, Bartolomeu Gonçalves Moreira. Na vila de S. Sebastião nomeou para juízes, Henrique Fernandes Fróis, e Aleixo Pacheco de Lima; e para vereadores, Melchior Veloso e Diogo Gonçalves Ferreira; e procurador do concelho, André Fernandes.

Continuando o mesmo governador a providenciar a respeito da gente de guerra, enviou à Câmara de Angra segunda provisão, datada de 11 de Janeiro, para que, na forma que o fizera no ano de 1583, fintasse os moradores do concelho em 200 cruzados para o alojamento do presídio[8].

Com estas determinações sobejamente se prova que a ilha Terceira foi naquele tempo ocupada e regida militarmente. Moderando pouco a pouco o seu governo, e ansioso por acabar de uma vez os partidos intensos, e vinganças particulares, que andavam entre os naturais da ilha, a 14 de Julho de 1584 mandou o governador afixar um edital convidando as pessoas que andavam retiradas às montanhas para que, no prazo de 6 dias, se lhe viessem apresentar, com pena de serem havidos por traidores ao seu Rei, e serem castigados com as penas de semelhantes: neste edital deu outras providências necessárias a bem de restabelecer inteiramente a paz na ilha Terceira (Documento P**)[9].

Mui pouca era a segurança que os refugiados achavam nesta ordem enquanto El-Rei não lhes concedesse, e a toda a ilha, uma amnistia geral; e tanto é verdade, que achámos alegações jurídicas contra os privilégios dos nobres, que deles não podiam usar por haverem incorrido no crime de rebelião; e o mesmo se disputava contra os privilégios e isenções das vilas e cidades. Nestas circunstâncias, resolveram as Câmaras todas da ilha mandar deputados à corte de Madrid para solicitarem o necessário perdão e requererem outras coisas do bem comum para os seus concelhos.

O capitão-mor de Angra, Lopo Gil Fagundes[10], foi deputado pela Câmara da cidade. Pela da Praia foi eleito, em acórdão de 13 de Novembro, o licenciado João Luiz Homem, vigário e ouvidor na igreja matriz daquela vila, o qual morreu na corte de Madrid nesta comissão[11]. Pela vila de S. Sebastião foi eleito Aleixo Pacheco de Lima, que servia de juiz ordinário na mesma vila, e foi a sua nomeação a 19 de Junho de 1584 (Documento Q**). Levou cartas de recomendação para o reitor do seminário de Lisboa, o padre Sebastião Rodrigues, que muito se empenhou para se obter de El-Rei as coisas constantes do referido auto em benefício da sua pátria[12]. E suposto que mais tarde concedeu El-Rei o perdão que se lhe pedia, sempre estes deputados foram a causa principal de se obter[13].

Por ser tão grande a falta de pão no ano de 1584, como já fora no ano de 1583, representou a Câmara de Angra a El-Rei para que desse algumas providências a este respeito, ao que ele deferiu da maneira seguinte: que de todas as ilhas dos Açores se não pudesse tirar pão algum para fora senão de umas para as outras; e que os oficiais das Câmaras o tomassem sobre si, para o repartirem e fazerem pagar a seus donos pelos preços ordinários da terra, com a maior brevidade possível; e que igualmente se comprasse por junto o necessário para mantimento da tropa, sendo pago em Lisboa, para se evitar o vexâme de o comprar à medida que era preciso.

Em execução desta ordem que mandava tomar a quantidade necessária de trigo para os moradores da ilha e para os soldados, ajuntaram-se as Câmaras na vila de S. Sebastião, com o governador e corregedor, e assentaram que, por ser tão grande a falta de pão naquele ano, se vendesse o moio de trigo a 6$000 réis, e a pipa de vinho a 2$500 réis. O mesmo governador passou à Câmara da Praia em 15 de Novembro, para fazer executar esta deliberação, determinado que com toda a brevidade os vereadores fizessem exame de todo o trigo que havia, e do vinho que se pudesse alcançar, por qualquer maneira que fosse, para sustento do presídio, pois que tudo seria pago em Lisboa por letras seguras, pelo preço comum da terra, que já se achava taxado.

Entrou o ano de 1585, no qual o governador Juan de Horbina enviou às Câmaras provisão em seu nome com a pauta das pessoas que haviam servir de juízes, vereadores e procurador do concelho, como já fizera no ano de 1584[14].

Neste mesmo ano saiu o Bispo desta diocese D. Manuel de Gouveia, que parece fora despachado no ano de 1583, depois que D. Pedro de Castilho renunciou o Bispado. Tomou parte no governo da ilha, com o corregedor Soares e com o mestre-de-campo Horbina algum tempo depois, sendo uma das atribuições que lhe foram concedidas o assistir com eles e com os ouvidores à abertura do pelouro dos oficiais da Câmara, que se mandara fazer na forma da Ordenação e doações dos capitães das ilhas[15]; determinando-se, além disto, que, havendo inconveniente em servirem alguns dos que saíssem no pelouro, se abriria outro ou outros, e se tomariam pessoas de confiança; e, não as havendo, se faria eleição nova em presença de todos, dando-se-lhe a devida publicidade, e fazendo-se as necessárias participações à Secretaria de Estado (Documento R**).

Procurando El-Rei Filipe todos os meios de se opor à torrente de males que oprimiam os habitantes dos Açores, e atendendo as súplicas que lhe foram dirigidas, concedeu-lhes carta de perdão datada em Lisboa a 14 de Julho de 1586 (Documento S**). Com isto cessaram as perseguições contra os moradores das ilhas, que se achavam compreendidos no crime de rebelião e ainda assim, a respeito dos indivíduos aqui exceptuados[16], não consta se procedesse com tal rigor como se esperava.

Mas a calamidade da falta de víveres não havia cessado ainda, e a 8 de Setembro de 1586 nomeou a Câmara da Praia ao cidadão Simão Fernandes[17], para ir a Lisboa pedir algum socorro sobre esta falta, alegando-se que por não haver gado se não puderam semear as terras o ano passado. A isto não deferiu El-Rei; e ainda que a Câmara e o ouvidor Manuel de Sousa de Ornelas recorressem à ilha de S. Miguel para se proverem dos trigos dos dízimos, não lhes foi possível obter resultado favorável. No enquanto, o governador e mestre-de-campo Juan de Horbina obrigava os oficiais da Câmara a prontificarem parte de 1 600 moios de trigo, que de tantos dizia precisar para sustentação do presídio, autorizando-os a empregar quaisquer meios que julgassem oportunos[18].

Também esta Câmara não obteve, como requeria, se pagasse aos moradores da Praia os alugueres e reparo das casas em que desde o ano de 1583 residia a tropa destacada naquela vila para cujo pagamento exigiam se fintasse a fazenda dos presentes e ausentes. Finalmente, de tudo quanto pediram, só lhes foi concedido o poderem caçar aos coelhos nos meses defesos pelas posturas do concelho, por constar ser isto mui conveniente em benefício da agricultura[19].

Deferiu El-Rei também, como esta e outras Câmaras lhe pediram, que nas eleições unicamente se guardasse o parentesco no 2.º grau de consanguinidade[20].

Passando Manuel Corte Real, filho de Vasco Anes Corte Real, 5.º capitão da parte de Angra, à guerra de África em companhia de El-Rei D. Sebastião, morreu nela ainda solteiro. E porque esta capitania estava já dada de juro e herdade, e exceptuada da lei mental, por isso ficou a D. Margarida, irmã do finado, e lhe foi confirmada, com a condição de que a pessoa que com ela casasse se chamaria de Corte Real: tanto prezava El-Rei esta família e apelido! Todavia, casando D. Margarida com D. Cristóvão de Moura, um dos grandes validos de Filipe II, ainda este monarca não estava de posse da ilha Terceira, já por alvará de 3 de Dezembro de 1581 lhe tinha doado a capitania da parte da Praia; e por alvará de 28 de Junho de 1582 lhe confirmou as doações das capitanias de Angra e da ilha de S. Jorge[21]; mas porque, saindo o marquês de Santa Cruz com a armada sobre a Terceira, não foi possível o prontificarem-se as cartas de doação para se dar posse ao doado, passou-se a este fim alvará em 21 de Junho de 1583 (Documento T**), por virtude de qual tomou posse das alcaidarias mores do castelo de S. Sebastião, da ilha de S. Jorge, e das referidas capitanias, pela pessoa de seu procurador Fernão Faleiro, em 16 de Agosto do mesmo ano.

Desta forma ficou D. Cristóvão de Moura Corte Real capitão donatário da ilha Terceira, como tinha sido em princípio o cavalheiro flamengo Jácome de Bruges. Além disto, por carta de 16 de Junho de 1586, lhe concedeu Filipe II pudesse prover as serventias dos oficiais de justiça que vagassem nestas ilhas. Concedeu-lhe mais a jurisdição dos donatários, mas não lhe deu poder de nomear ouvidores, como havia tido Vasco Anes, seu sogro. Foi este grande valido uma das pessoa mais autorizadas do seu tempo, pois serviu de embaixador em Portugal sobre a sucessão deste reino, de vedor da fazenda, foi do Conselho de Estado, gentil-homem da câmara, marquês de Castelo Rodrigo, senhor de Cabeceiras de Basto, comendador-mor de Alcântara em Castela, e finalmente Vice-Rei de Portugal.

Não faltavam por todos os modos vexames aos habitantes da ilha Terceira, com a dominação do novo Rei, e deste novo privado D. Cristóvão de Moura, a quem haviam sido feitas tão amplas doações, além das que gozava no privilégio exclusivo das moendas e monopólio do sal; o que tudo ele pôs em execução pelo seu procurador Fernão Faleiro, que, indo às Câmaras requerer que ninguém tivesse moendas senão ele, e que se pusesse o sal a 50 e 60 réis o alqueire, não obstante Sua Alteza mandar se pagasse a 18 réis, não o pôde conseguir; quanto às moendas, por estarem os povos na posse de terem atafonas seis meses no ano; e quanto ao sal, por ser excessivo aquele preço em proporção do que tinham os demais géneros de primeira necessidade.

Começou o ano de 1588 com funestos desastres que se prolongaram por todo ele pois sofreu a ilha Terceira a 26 de Fevereiro os efeitos de uma horrorosa tempestade, a qual acabou por extraordinária e geral inundação, que levou e confundiu as paredes dos cerrados, entulhou os caminhos e derribou algumas cases. Em Angra causou estragos mui consideráveis: arrasou o Porto de Pipas, e levou ao mar uma parte da muralha que defendia a cidade, ao pé da alfândega.

Não cessaram os corsários de infestar os mares destas ilhas, animados com a presença do famoso Francis Drake, tão conhecido neste género de vida desde o ano de 1579, em que passou o Estreito de Magalhães, correu e devastou as costas das Índias espanholas, roubando e pilhando a esta nação imensas riquezas; e voltando a Inglaterra, acabava então de ser nomeado pela grande Rainha Isabel I adjunto ao almirante Charles Howard com o fim de se opor no mar à formidável armada de El-Rei Filipe a quem uma desmedida ambição havia inspirado o desejo de excluir esta Rainha de seus estados, para se vingar do favor por ela dado a El-Rei D. António, e concorrer com a Rainha de França para ele se conservar e segurar na posse da coroa de Portugal e seus domínios.

Em consequência destes grandes preparativos de guerra todos os dias se ouviam notícias as mais aterradoras e crescia o receio dos terceirenses, já pela incerteza do rumo que tomaria a poderosa armada inglesa, já pelo muito dano causado no comércio das ilhas dos Açores desde que houvera o rompimento entre as duas coroas. E vendo El-Rei Filipe quanto convinha desviar desta ilha Terceira os ingleses, para que não soubessem o estado e forças dela, já lhes tinha proibido o comércio, em provisão de 22 de Junho de 1586, com o pretexto dos enganos e roubos em que eram partes.

Da mesma forma julgou El-Rei Filipe ser conveniente o prover no governo desta ilha e suas dependentes, e a 26 de Julho nomeou provedor da fazenda Luiz Gonçalves de Figueiroa, que trouxe alvará para não ser preso nem querelado, enquanto residisse no cargo, sem ordem expressa de El-Rei; mas não obstante isso, da provisão de seu sucessor Cristóvão Soares, consta haver estado preso, do que se infere que grande delito cometera para se lhe quebrar o privilégio. Consta mais que fora exonerado o governador Juan de Horbina[22], ao qual El-Rei nomeou em um dos grandes cargos da Espanha. Por alvará de 28 de Julho de 1583 determinou que na sua ausência ficasse servindo o capitão mais velho do presídio, Diogo Soares Salazar. Nomeou outrossim a Diogo Monteiro de Carvalho para servir de corregedor; mas o certo é que o governador, e o corregedor não deixaram os cargos senão alguns anos depois, e provavelmente seria por causa dos movimentos e ameaças da Inglaterra, que, ressentida das injustas pretensões de El-Rei Filipe, autorizava o corso já nestes mares e nas costas e portos da Índia, perturbando o comércio e a paz.

Todas estas perdas não retardaram a maneira de El-Rei Filipe, antes sim, com a maior eficiência, fez partir de Lisboa uma grande frota, comandada pelo duque de Medina Sidónia, que neste ano de 1589 foi encontrar-se com a armada inglesa junto à costa de Inglaterra, a tempo que, levantando-se uma horrorosa tempestade, submergiu naqueles mares uma parte da armada espanhola e a outra, desgarrando-se, foi despedaçar-se contra os rochedos.

Ainda bem não era dissipado o terror dos terceirenses com a notícia do desbarato, e rumo tomado finalmente pelas duas armadas beligerantes, quando logo sobreveio outro receio de igual importância, porque El-Rei escreveu ao corregedor e ao governador deste ilha uma carta[23], prevenindo-os de que os corsários com grande poder, como se presumia, demandavam as ilhas dos Açores; e para lhes resistir, persuadia a estas autoridades empregassem todos os meios, de forma que em qualquer tempo e lugar os inimigos recebessem o dano que mereciam pelo seu atrevimento.

Em consequência desta ordem, começou a haver nas ilhas dos Açores um grande trabalho de milícia e de fortificações, e por esta ocasião o corregedor e o governador Juan de Horbina acabaram de ganhar os corações dos povos, em razão do bom desempenho das funções de seus cargos, mostrando em tudo uma grande actividade, zelo e experiência; porque, sempre em harmonia com as câmaras e mais autoridades subalternas, conseguiram a união e condescendência de todos para concluírem os grandes preparativos com que deviam repelir o inimigo, quando acontecesse atacar em qualquer parte das ilhas.

A 22 de Abril de 1589 enviou o governador Juan de Horbina para a vila da Praia um grande destacamento a reforçar o presídio que ali se achava, constante de 4 companhias das quais era capitão-mor D. Cristóvão d’Acuña; e para a vila de S. Sebastião, ponto central da ilha, mandou duas companhias, uma de infantaria, a cargo do capitão Pedro Ximenes de Heredia e do alferes Juan de Milibia, e outra de artilharia, comandada pelo capitão Pedro de Pando, militares de inteira confiança, no destino de passarem ali o verão; e para isto escreveu o governador à Câmara, desculpando-se do incómodo que era necessária dar ao povo no alojamento da tropa. Também o corregedor lhe escreveu no mesmo sentido[24].

Passaram com efeito os dois capitães a esta vila, e sendo parte dos soldados alojados pelas casas dos moradores, cuja relação achámos no Livro dos Acórdãos, nela se detiveram par alguns anos, sendo providos pela Câmara de lenha e azeite para os corpos de guarda e para os fortes, à custa das imposições e dois por cento, assim como em Angra e na Praia. Estes soldados, juntamente com os bombardeiros chamados do número, faziam ali as guardas de dia e de noite, e as ordenanças eram tiradas diariamente das companhias da ilha.

Por este tempo houve um acontecimento que deu bastante cuidado a Filipe II, e atraiu a atenção de todo o Portugal. Entre os diversos impostores que apareceram figurando-se El-Rei D. Sebastião, um dos mais consideráveis foi o ermitão, por nome Mateus Álvares, filho de um pedreiro da vila da Praia desta ilha, que chegou a oficiar às autoridades do Reino para que o reconhecessem; e ao Arquiduque Cardeal Alberto, para que largasse o governo, e saísse de Lisboa para fora; conseguindo por estes meios, e por intervenção de um Pedro Afonso, seu general, sublevar os povos do concelho de Torres Novas e pôr era armas mais de 1 200 homens.

Jantou em público, deu beija-mão, e fez outras cerimónias de rei. No entretanto saiu-lhe ao encontro o corregedor Diogo da Fonseca com alguma gente armada, no intento de salvar ainda o juiz e escrivão de Torres Novas, os quais já Pedro Afonso tinha barbaramente precipitado de uma rocha abaixo, e assassinado o desembargador Gaspar Pereira, corregedor que fora nesta ilha em 1570, com parte de sua família. Finalmente, afugentados os facciosos com perda de 150 deles, preso o impostor ermitão com dois amigos que jamais o desampararam, foi conduzido a Lisboa, onde lhe cortaram a mão direita; e sendo levado ao suplício, logo depois o esquartejaram, dando aos companheiros morte de forca[25].

Conservava ainda a Rainha de Inglaterra um vivo ressentimento contra El-Rei D. Filipe, e quem atribuía todos os danos e perdas que sofria nos seus estados; e para de uma vez se vingar, equipou uma grandiosa frota, com o fim de restabelecer no trono de Portugal a D. António, Prior do Crato, que nesse mesmo tempo se achava em Inglaterra, e não poupava ocasião de a persuadir a esta empresa. Informado El-Rei Católico da tormenta que se armava naquele Reino contra o seu domínio em Portugal, tomou todas as cautelas para iludir o plano dos seus inimigos. Mandou consequentemente para governar este Reino o conde de Fuentes com dez mil homens de infantaria, dando o comando da cavalaria a D. Afonso de Vargas; e assim se dispôs para combater as forças da armada inglesa, constante de 6 naus grandes, 20 embarcações pequenas, e 140 de transporte. O número das tropas excedia a 30 mil homens e com tão grande poder não se duvidava seriam excluídos de Portugal os espanhóis.

Partiu em fim esta armada, e não obstante os generais Duarte Nervaes e Francis Drake saltarem em Peniche, e marcharem contra Lisboa, talando os campas e destruindo tudo quanto encontravam, ninguém se moveu em seu favor, como esperava a Rainha Isabel, e D. António lhe tinha dado a entender. Desta forma viram-se os ingleses obrigados, depois de um rijo combate, a regressar a Inglaterra, não sem repreenderem a D. António, que temerariamente os envolvera naquele perigo.

De volta para Inglaterra, quis Francis Drake tentar um desembarque na ilha Terceira[26], no sentido de se apoderar dela, ou pelo menos saquear o porto, no qual se achavam alguns navios carregados de importantes drogas, vindas das possessões ultramarinas.

Todavia, aparecendo em frente da ilha, sentiu nela tocar a rebata com muita força e vendo os grandes preparativos que o governador Juan de Horbina tinha feito para o receber, principalmente na baía do porto de Angra, onde estava o castelo de S. Sebastião, resolveu dar as costas à empresa, antes que acabasse por perder todo o conceito que no corso, e com gente desarmada, tinha por vezes alcançado. Com esta resolução voltou ao largo, havendo somente arriscado algumas surriadas de artilharia contra os entrincheiramentos da ilha, que lhe correspondeu igualmente, e de parte a parte sem dano notável.

Com esta retirada de inimigo tão respeitável, sossegaram os terceirenses do grande cuidado que lhes deu a sua presença, e os partidários do Prior do Crato, como os portugueses que o seguiam, perderam para sempre toda a esperança de recobrar a liberdade.

O infeliz Príncipe D. António, a quem por vezes temos chamado Rei, por ser aclamado em Lisboa, Porto, Aveiro, Santarém e Setúbal, e nas nove ilhas dos Açores, enfadado já de andar vagabundo, e não achando socorro entre os Príncipes estrangeiros, voltou a Paris, onde, oprimido de tristeza e soçobrando de dissabores, faleceu no ano de 1595, deixando alguns filhos ilegítimos, dos quais os Reis de Espanha tiveram cuidado. Jaz sepultado na igreja de Ave-Maria[27].

O alojamento da tropa que se achava na cidade e nas vilas desta ilha, foi um negócio que muito deu que fazer ao governador e que sentir aos povos da ilha Terceira; foi uma origem fecunda de muitas desordens e reclamações dos povos. Representaram portanto as Câmaras da Praia e de S. Sebastião a El-Rei, pedindo-lhe que mandasse pôr finta na fazenda dos presentes e ausentes, para se pagar o aluguer das casas em que estavam aquartelados os soldados, e se repararem dos estragos nelas feitos, e assim lhes foi deferido, como se colhe de uma carta escrita ao corregedor em 15 de Junho de 1588; a mesma liberdade obteve a Câmara de Angra por alvará de 22 de Fevereiro de 1592[28]. Porém, suscitando-se mui graves questões a respeito dos lançamentos da finta, pela desigualdade com que isto se fazia, já no ano de 1597 foram estes alvarás revogados, e determinou-se outra coisa.

Os preparativos da guerra, que tiveram lugar desde 1585 e outros causas resultantes da inconstância das estações do ano, deram lugar a uma grande falta dos frutos da terra no ano de 1589[29], e continuou nos anos seguintes, motivo porque a 13 de Agosto de 1590 se ajuntaram as Câmaras na vila de S. Sebastião, com o corregedor Cristóvão Soares e com o governador Horbina, para se pôr taxa no trigo e carne de vaca, como efectivamente se verificou, determinando-se que o alqueire de trigo fosse a 100 réis, o arrátel de carne de vaca[30] a 20 réis, de porco a 15 réis, a canada de vinho da terra a 20 réis, e da Madeira a 40 réis, que estes seriam os preços por que estes géneros se haviam de vender ao povo e aos soldados do presídio.

Entrou o ano de 1591, em que achámos ainda continuava o governo interino do Bispo, governador e corregedor, pois que todos eles assistiram à abertura dos pelouros dos oficiais das Câmaras da Praia e de S. Sebastião, e ainda a 4 de Junho se achava Juan de Horbina governando[31]; depois deste tempo retirou-se a Espanha, deixando em seu lugar, como lhe era determinado, o capitão mais velho do presídio, Diogo Soares Salazar, que a 3 de Janeiro de 1592 servia.

Continuaram as assembleias das Câmaras na vila de S. Sebastião, sendo a primeira em 12 de Agosto do mencionado ano de 1591, em que impuseram aos víveres a mesma taxa do ano antecedente.

  1. Veja-se o Capítulo VI desta Quarta Época.
  2. Citada Relação, no capítulo 101.
  3. Servia neste tempo de provedor dos defuntos e ausentes Fernão Vaz Rodovalho, e parece que este Melchior Estácio servia de tesoureiro fiscal. No ano de 1587 foi provido provedor dos resíduos por 3 anos Tomé Rodrigues Tibáu, e no ano de 1588, por não dar boas contas, foi substituído pelo dito Estácio, em atenção aos serviços que tinha feito na ilha de S. Miguel nas alterações passadas (Alvará de 22 de Março, fl. 401, verso, do Livro 1.º do Registo da Câmara de Angra).
  4. Relação citada, capítulo 103.
  5. Citada Relação, no capítulo 107, e Cordeiro, no Livro 6.º, capítulo 30, §347.
  6. Livro 1.º da Câmara de Angra, fl. 360.
  7. Carta régia ao corregedor em 6 de Outubro de 1584, no citado Livro do Registo, fl. 371.
  8. Referido Livro do Registo, fl. 361.
  9. Acha-se registado no Livro dos Acórdãos da Câmara de S. Sebastião, fl. 8, no da Câmara da Praia, fl. 50, e no Livro do Registo da Câmara de Angra, fl. 362. Foi publicado a 19 de Junho sobre o cais da cidade, na rua detrás do colégio e às Covas, com assistência do procurador do concelho, Braz Vieira.
  10. Este Lopo Gil Fagundes foi filho de João Lopes Fagundes e de sua mulher Francisca de Boym, da principal nobreza de Angra; casou com D. Francisca Dutra, da qual teve larga descendência por sua filha D. Eufrásia Fagundes, mulher de Fabrício Pacheco de Melo.
  11. Este padre fez testamento, e nele deixou a seu sobrinho Gaspar Homem Sodré, morador no Cabo da Praia, os serviços que fizera a El-Rei Filipe, dos quais ele gozou a mercê.
  12. Veja-se o que a este respeito dissemos no ano de 1555, e no Capítulo XII desta Quarta Época.
  13. Aleixo Pacheco voltou de Madrid no fim de Novembro de 1584, havendo obtido parte das coisas contidas no seu requerimento; e pelos serviços que tinha prestado ao marquês de Santa Cruz na ocasião em que desembarcou o exército, veio com o foro de fidalgo da casa real, e comendador do hábito de S. Tiago: e com estes títulos se tratou dali por diante, servindo de capitão-mor na dita vila de S. Sebastião, e de juiz dos órfãos na Praia, para o que prestou fiança em 13 de Fevereiro de 1591, e serviu este cargo por sentença que sobre isto houve, suposto morar naquela outra vila, onde era casado com Águeda Camelo, filha do nobre Fernando Anes Fróis, administradora da capela de sua tia a matrona Maria Fernandes, a Rica. Deste consórcio nasceram vários filhos, um dos quais, parece que o mais velho, foi Álvaro Pacheco de Lima, tabelião, que casando com Ana Machado, teve larga descendência hoje existente.
  14. A provisão que foi enviada à vila de S. Sebastião é datada em Angra a 31 de Dezembro de 1584, com o selo e armas de Espanha (fl. 66 do Livro dos Acórdãos da mesma vila).
  15. Carta régia ao corregedor, no Livro do Registo da Câmara da Praia, fl. 83.
  16. Outras pessoas houveram, que, por serem mui culpadas, mais tarde obtiveram perdão e licença para voltarem à ilha, como foi Ambrósio de Ávila, morador no Pico do Seleiro, a quem El-Rei perdoou; porém só a 26 de Agosto de 1590 lhe foi cumprido o alvará (Livro dos Acórdãos da Câmara da Praia, fl. 28).
  17. Para as despesas que tinha a fazer na viagem e na corte, assinaram-se-lhe 20$000 réis e um moio de trigo para biscoito.
  18. Procuravam-se nesta vila todos os meios de facilitar o sustento da gente de guerra. A 19 de Outubro assentou a Câmara houvessem na ribeira daquela vila duas redes, e quatro rendeiros, dois a cada uma, para andarem ao peixe, e que o produto da venda fosse repartido por todos; e que a partilha do dinheiro seria feita em segredo sob pena de 20 cruzados, na forma de antiga postura.
  19. Semelhante privilégio lhes foi concedido no ano de 1616.
  20. Consta de uma carta régia, datada em Madrid de 16 de Janeiro de 1588, no Livro do Registo da Câmara de Angra, fl. 441.
  21. Consta do Livro 1.º do tombo da Câmara de Angra, fl. 308 até fl. 419.
  22. O Padre Maldonado, para comprovar a extinção do governo interino do Bispo, corregedor e governador, refere-se ao alvará de 4 de Outubro de 1590, cujo alvará não encontrei.
  23. Foi escrita esta carta a 7 de Novembro de 1588 (Livro dos Acórdãos da Câmara de S. Sebastião, fl. 17).
  24. Suposto que o Bispo D. Manuel de Gouveia não assinou ofício algum para esta Câmara, como o fizeram os seus adjuntos, ele ainda fazia parte no governo interino, porquanto achámos que nos primeiros dias de Janeiro dos anos de 1588 até 1591, inclusive, assistia com eles na Câmara de S. Sebastião e na da Praia ao tirar dos pelouros dos oficiais daqueles anos.
  25. O historiador Herrera no Livro 15, capítulo 28, trata largamente deste figurado rei D. Sebastião.
  26. Deste feito encontrei no Livro do Registo da Câmara da Praia, fl. 144, uma sentença proferida no Desembargo do Paço em 1616 contra os oficiais da Câmara de Angra, por não quererem contribuir para as obras da reedificação da vila da Praia, na qual sentença, entre outros artigos que expenderam os serviços feitos pela cidade ao Rei, de 30 anos àquela parte, se alegava: — que os moradores da dita cidade tinham feito, e faziam todos os anos, muitos e grandes proveitos a El-Rei, assim no amparo e guarda das naus e frotas da Índia e armadas de todas as partes ultramarinas, como no provimento dos mantimentos, de tal forma que o povo da dita cidade tinha livrado das mãos dos inimigos mais de 120 contos de ouro; porque provariam que, vindo das Índias a frota de que era general João de Flores Valdez, a fora esperar nas alturas destas ilhas uma grossa armada de inimigos, e escapando-lhe, desembarcaram os moradores da cidade toda a prata e mais drogas da dita frota, e a defenderam do inimigo. Que em outra ocasião, vindo uma grossa armada sobre outra frota que trazia um grande haver de riquezas, de que era general Álvaro de Flores, o povo da dita cidade o desembarcara e salvara, o que importava em mais de 25 contos de ouro, sendo o dito povo ocasião de se não tomar pela dita frota de inimigos... Provariam que, em todas as ocasiões que houvera de inimigos, acudira sempre o povo da dita cidade e sua jurisdição, oferecendo suas vidas e fazenda, como o fizeram na em que Drake entrara em Portugal; que indo sobre a dita ilha, preparando-se com todo o ânimo, fizeram um reduto na fortaleza de S. Sebastião, capaz de se recolher nele Juan de Horbina, mestre de campo que então estava na dita ilha, com 2000 homens de guarnição, para se poder defender do inimigo, o qual fora obra mui custosa, que em resolução era um castelo de fachina de mais de 20 pés de largo e 30 de alto, com seus torreões em que estava assestada muita artilharia, que tudo fizeram os moradores da dita cidade e jurisdição à sua custa, com seus carros e pessoas, e sabendo o inimigo da dita prevenção, se fora muito embora, &c. &c.
  27. O Padre Cordeiro, no Livro 6.º, capítulo 28, § 316, trata dos filhos que teve D. António.
  28. Livro 1.º da Câmara, fl. 441, e fl. 8 do 2.º Livro.
  29. A 26 de Setembro de 1589, debaixo de grande e furiosa tempestade, a horas de meia-noite, caiu um raio na serra de João de Teive, que matou um lavrador e um soldado, que em sua casa estava por hóspede, ficando ilesa a demais família.
  30. O povo da vila da Praia não provava carne de vaca, porque, em razão de haver mui pouca, andava embargada pelos almotacés para se vender ao presídio, que eram perto de 500 homens, para o juiz dos resíduos e oficiais de justiça, bem como para os vereadores, como consta dos acórdãos de 24 de Janeiro e de 24 de Agosto de 1591. Não só nesta vila tinham os vereadores este privilégio, também os de S. Sebastião, nas arrematações do açougue, reservavam para si os quartos traseiros, que era a melhor, e com o seu vigário arrogavam-se o privilégio de tirar a vez a quem a tinha para moer nos moinhos de água que pertenciam ao donatário. Eis aqui uma justiça menos má, e uma caridade bem entendida!
  31. A 4 de Junho ainda governava, porque se acha uma ordem, por ele assinada, pelo corregedor e pelo capitão Pedro de Paulo, autorizando os bombardeiros da Praia a pedir carros e outras coisas para o transporte da artilharia (Livro dos acórdãos, fl. 83). Um dos actos governativos de Juan de Horbina, que não achamos desacertado publicar, foi o mandar ele ao escrivão da Câmara de Angra, Matias de Toledo, no dia 3 de Janeiro de 1584, que arrancasse do livro do registo as folhas que decorriam desde 337 a 406, por ser inconveniente andarem ali registadas provisões do Sr. D. António e de seus oficiais. Desta mutilação, mandou fazer termo, que não assinou.