Nessa mesma tarde foram os dois a Mata-cavalos, na ordem convencionada. Ângela estava à janela, acompanhada da tia velha e da irmã mais moça. Viu de longe o namorado, mas não fitou os olhos nele; Tibúrcio pela sua parte não desviava os seus da formosa dama. Alfredo passou como sempre.

Os dois amigos foram reunir-se quando já não podiam estar ao alcance dos olhos dela. Tibúrcio fez um elogio à beleza da moça que o amigo ouviu encantado, como se lhe estivessem a elogiar uma obra sua.

— Oh! hei de ser muito feliz! exclamou ele num acesso de entusiasmo.

— Sim, concordou Tibúrcio; creio que hás de ser feliz.

— Que me aconselhas?

— Mais alguns dias de luta, uns quinze, por exemplo, e depois uma carta...

— Já tinha pensado nisso, disse Alfredo; mas receava errar; precisava da opinião de alguém. Uma carta, assim, sem nenhum fundamento de esperança, sai fora da norma comum; por isso mesmo me seduz. Mas como hei de mandar a carta?

— Isto agora é contigo, disse Tibúrcio; vê se tens meio de travar relações com algum criado da casa, ou...

— Ou o cocheiro do tílburi! exclamou triunfalmente Alfredo Tavares.

Tibúrcio exprimiu com a cara o último limite do assombro ao ouvir estas palavras de Alfredo; mas o amigo não se deteve em explicar-lhe que havia um cocheiro de tílburi meio confidente neste negócio. Tibúrcio aprovou o cocheiro; ficou assentado que o meio da carta seria aplicado.

Os dias correram sem incidente notável. Perdão; houve um notável incidente.

Alfredo passava uma tarde por baixo das janelas de Ângela. Ela não olhava para ele. De repente Alfredo ouve um pequeno grito e vê passar-lhe por diante dos olhos alguma coisa parecida com um lacinho de fita.

Era efetivamente um lacinho de fita que caíra no chão. Alfredo olhou para cima; já não viu a viúva. Olhou em roda de si, abaixou-se, apanhou o laço e guardou-o na algibeira.

Dizer o que havia dentro da sua alma naquele venturoso instante é tarefa que pediria muito tempo e mais adestrado pincel. Alfredo mal podia conter o coração. A vontade que tinha era beijar ali mesmo na rua o laço, que ele já considerava uma parte da sua bela. Reprimiu-se contudo; foi até o fim da rua; voltou por ela; mas, contra o costume daqueles últimos dias, a moça não apareceu.

Esta circunstância era suficiente para fazer crer na casualidade da queda do laço. Assim pensava Alfredo; ao mesmo tempo porém perguntava se não era possível que Ângela, envergonhada da sua audácia, quisesse agora evitar a presença dele e não menos as vistas curiosas da vizinhança.

— Talvez, dizia ele.

Daí a um instante:

— Não, não é possível tamanha felicidade. O grito que soltou foi de sincera surpresa. A fita foi casual. Nem por isso a adorarei menos...

Apenas chegou à casa, Alfredo tirou o laço, que era de fita azul, e devia ter estado no colo ou no cabelo da viúva. Alfredo beijou-o cerca de vinte e cinco vezes e, se a natureza o tivesse feito poeta, é provável que naquela mesma ocasião expectorasse dez ou doze estrofes em que diria estar naquela fita um pedaço da alma da bela; a cor da fita serviria para fazer bonitas e adequadas comparações com o céu.

Não era poeta o nosso Alfredo; contentou-se em beijar o precioso despojo, e não deixou de referir o episódio ao seu confidente.

— Na minha opinião, disse este, é chegada a ocasião de lançar a carta.

— Creio que sim.

— Não sejas mole.

— Há de ser já amanhã.

Alfredo não contava com a instabilidade das coisas humanas. A amizade na terra, ainda quando o coração a mantenha, está dependente do fio da vida. O cocheiro do tílburi não se teria provavelmente esquecido do seu freguês de uma noite; mas tinha morrido no intervalo daquela noite ao dia em que Alfredo o foi procurar.

— É demais! exclamou Alfredo; parece que a sorte se compraz de multiplicar os obstáculos com que eu esbarro a cada passo! Aposto que esse homem não morria se eu não precisasse dele. O destino persegue-me... Mas nem por isso hei de curvar a cabeça... Oh! não!

Com esta boa resolução se foi o namorado em busca de outro meio. A sorte trouxe-lhe um excelente. Vagou a casa contígua à de Ângela; era uma casa pequena, elegantezinha, própria para um ou dois rapazes solteiros... Alfredo alugou a casa e foi dizê-lo triunfalmente ao seu amigo.

— Fizeste muito bem! exclamou este; o golpe é de mestre. Estando ao pé é impossível que não chegues a algum resultado.

— Tanto mais que ela já me conhece, disse Alfredo; deve ver nisso uma prova de amor.

— Justamente!

Alfredo não se demorou em fazer a mudança; dali a dois dias estava na sua casa nova. É escusado dizer que o laço azul não foi em alguma gaveta ou caixinha; foi na algibeira dele.