Não é minha intenção nem vem ao caso referir ao leitor todos os episódios de Alfredo Tavares.
Até aqui foi necessário contar alguns e resumir outros. Agora que o namoro chegou ao seu termo e que o período do noivado vai começar, não quero fatigar a atenção do leitor com uma narração que nenhuma variedade apresenta. Justamente três meses depois da segunda entrevista recebiam-se os dois noivos, na igreja da Lapa, em presença de algumas pessoas íntimas, entre as quais o confidente de Alfredo, um dos padrinhos. O outro era o primo de Ângela, de quem falara o cocheiro do tílburi, e que até agora não apareceu nestas páginas por não ser preciso. Chamava-se Epaminondas e tinha a habilidade de desmentir o padre que tal nome lhe dera,* pregando a cada instante a sua peta. A circunstância não vem ao caso e por isso não insisto nela.
Casados os dois namorados foram passar a lua-de-mel na Tijuca, onde Alfredo escolhera casa adequada às circunstâncias e ao seu gênio poético.
Durou um mês esta ausência da corte. No trigésimo primeiro dia, Ângela viu anunciada uma peça nova no Ginásio e pediu ao marido para virem à cidade.
Alfredo objetou que a melhor comédia deste mundo não valia o aroma das laranjeiras que estavam florindo e o melancólico som do repuxo do tanque. Ângela encolheu os ombros e fechou a cara.
— Que tens, meu amor? perguntou-lhe daí a vinte minutos o marido.
Ângela olhou para ele com um gesto de lástima, ergueu-se e foi encerrar-se na alcova.
Dois recursos restavam a Alfredo.
1º Coçar a cabeça.
2º Ir ao teatro com a mulher.
Alfredo curvou-se a estas duas necessidades da situação.
Ângela recebeu-o muito alegremente quando ele lhe foi dizer que iriam ao teatro.
— Nem por isso, acrescentou Alfredo, nem por isso deixo de sentir algum pesar. Vivemos tão bem estes trinta dias.
— Voltaremos para o ano.
— Para o ano!
— Sim, alugaremos outra casa.
— Mas então esta?...
— Esta acabou. Pois querias viver num desterro?
— Mas eu pensei que era um paraíso, disse o marido com ar melancólico.
— Paraíso é coisa de romance.
A alma de Alfredo levou um trambolhão. Ângela viu o efeito produzido no esposo pelo seu reparo e procurou suavizá-lo, dizendo-lhe algumas coisas bonitas com que ele algum tempo mitigou as suas penas.
— Olha, Ângela, disse Alfredo, o casamento, como eu imaginei sempre, é uma vida solitária de dois entes que se amam... Seremos nós assim?
— Por que não?
— Juras então...
— Que seremos felizes.
A resposta era elástica. Alfredo tomou-a ao pé da letra e abraçou a mulher.
Naquele mesmo dia vieram para a casa da tia e foram ao teatro.
A nova peça do Ginásio aborreceu tanto o marido quanto agradou à mulher. Ângela parecia fora de si de contente. Quando caiu o pano no último ato, disse ela ao esposo:
— Havemos de vir outra vez.
— Gostaste?
— Muito. E tu?
— Não gostei, respondeu Alfredo com evidente mau humor.
Ângela levantou os ombros, com o ar de quem dizia:
— Gostes ou não, hás de cá voltar.
E voltou.
Este foi o primeiro passo de uma carreira que parecia não acabar mais.
Ângela era um turbilhão.
A vida para ela estava fora de casa. Em casa morava a morte, sob a figura do aborrecimento. Não havia baile a que faltasse, nem espetáculo, nem passeio, nem festa célebre, e tudo isto cercado de muitas rendas, jóias e sedas, que ela comprava todos os dias, como se o dinheiro nunca devesse acabar.
Alfredo esforçava-se por atrair a mulher à esfera dos seus sentimentos românticos; mas era esforço vão.
Com um levantar de ombros, Ângela respondia a tudo.
Alfredo detestava principalmente os bailes, porque era quando a mulher menos lhe pertencia, sobretudo os bailes dados em casa dele.
Às observações que ele fazia nesse sentido, Ângela respondia sempre:
— Mas são obrigações da sociedade; se eu quisesse ser freira metia-me na Ajuda.
— Mas nem todos...
— Nem todos conhecem os seus deveres.
— Oh! a vida solitária, Ângela! a vida para dois!
— A vida não é um jogo de xadrez.
— Nem um arraial.
— Que queres dizer com isso?
— Nada.
— Pareces tolo.
— Ângela...
— Ora!
Levantava os ombros e deixava-o sozinho.
Alfredo era sempre o primeiro a fazer as pazes. A influência que a mulher exercia nele não podia ser mais decisiva. Toda a energia estava com ela; ele era literalmente um fâmulo da casa.
Nos bailes a que iam, o suplício além de ser grande em si mesmo, era aumentado com os louvores que Alfredo ouvia fazer à mulher.
— Lá está Ângela, dizia um.
— Quem é?
— É aquela de vestido azul.
— A que se casou?
— Pois casou?
— Casou, sim.
— Com quem?
— Com um rapaz bonachão.
— Feliz mortal!
— Onde está o marido?
— Caluda! está aqui: é este sujeito triste que está consertando a gravata...
Estas e outras considerações irritavam profundamente Alfredo. Ele via que era conhecido por causa da mulher. A pessoa dele era uma espécie de cifra. Ângela é que era a unidade.
Não havia meio de se recolher cedo. Ângela entrando num baile só se retirava com as últimas pessoas. Cabia-lhe perfeitamente a expressão que o marido empregou num dia de mau humor:
— Tu espremes um baile até o bagaço.
As vezes estava o mísero em casa, descansando e alegremente conversando com ela, abrindo todo o pano à imaginação. Ângela, ou por aborrecimento, ou por desejo invencível de passear, ia vestir-se e convidava o marido a sair. O marido já não recalcitrava; suspirava e vestia-se. Do passeio voltava ele aborrecido, e ela alegre, além do mais porque não deixava de comprar um vestido novo e caro, uma jóia, um enfeite qualquer.
Alfredo não tinha forças para reagir.
O menor desejo de Ângela era para ele uma lei de ferro; cumpria-a por gosto e por fraqueza.
Nesta situação, Alfredo sentiu necessidade de desabafar com alguém. Mas esse alguém não aparecia. Não lhe convinha falar ao Tibúrcio, por não querer confiar a um estranho, embora amigo, as suas zangas conjugais. A tia de Ângela parecia apoiar a sobrinha em tudo. Alfredo lembrou-se de pedir conselho a Epaminondas.