Epaminondas ouviu atentamente as queixas do primo. Achou-as exageradas, e foi o menos que lhe podia dizer, porque no seu entender eram verdadeiros despropósitos.
— O que você quer é realmente impossível.
— Impossível?
— Decerto. A prima está moça, quer naturalmente divertir-se. Por que razão há de viver como freira?
— Mas eu não peço que viva como freira. Quisera vê-la mais em casa, menos aborrecida quando está só comigo. Lembra-se da nossa briga do domingo?
— Lembro-me. Você queria ler-lhe uns versos e ela respondeu que não a aborrecesse.
— Que tal?...
Epaminondas recolheu-se a um eloqüente silêncio.
Alfredo esteve também algum tempo calado. Enfim:
— Estou resolvido a usar da minha autoridade de marido.
— Não caia nessa.
— Mas então devo viver eternamente nisto?
— Eternamente já vê que é impossível, disse Epaminondas sorrindo. Mas veja bem o risco que corre. Eu tive uma prima que se vingou do marido por uma dessas. Parece incrível! Cortou a si mesma o dedo mínimo do pé esquerdo e deu-lhe a comer com batatas.
— Está brincando...
— Estou falando sério. Chamava-se Lúcia. Quando ele reconheceu que efetivamente tinha devorado a carne da sua carne, teve um ataque.
— Imagino.
— Dois dias depois expirou de remorsos. Não faça tal; não irrite uma mulher. Dê tempo ao tempo. A velhice há de curá-la e trazê-la a costumes pacíficos.
Alfredo fez um gesto de desespero.
— Sossegue. Também eu fui assim. Minha finada mulher...
— Era do mesmo gosto?
— Do mesmíssimo. Quis contrariá-la. Ia-me custando a vida.
— Sim?
— Tenho aqui entre duas costelas uma cicatriz larga; foi uma canivetada que Margarida me deu estando eu a dormir muito tranqüilamente.
— Que me diz?
— A verdade. Mal tive tempo de lhe segurar no pulso e arrojá-la para longe de mim. A porta do quarto estava fechada com o trinco mas foi tal a força com que a empurrei que a porta se abriu e ela foi parar ao fim da sala.
— Ah!
Alfredo lembrou-se a tempo do sestro do primo e deixou-o falar a gosto. Epaminondas engendrou logo ali um ou dois capítulos de romance sombrio e ensangüentado. Alfredo, aborrecido, deixou-o só.
Tibúrcio encontrou-o algumas vezes cabisbaixo e melancólico. Quis saber da causa, mas Alfredo conservou prudente reserva.
A esposa deu ampla liberdade aos seus caprichos. Fazia recepções todas as semanas, apesar dos protestos do marido que, no meio da sua mágoa, exclamava:
— Mas então eu não tenho mulher! tenho uma locomotiva!
Exclamação que Ângela ouvia sorrindo sem lhe dar a mínima resposta.
Os cabedais da moça eram poucos; as despesas muitas. Com as mil coisas em que se gastava o dinheiro não era possível que ele durasse toda a vida. Ao cabo de cinco anos, Alfredo reconheceu que tudo estava perdido.
A mulher sentiu dolorosamente o que ele lhe contou.
— Sinto isto deveras, acrescentou Alfredo; mas a minha consciência está tranqüila. Sempre me opus a despesas loucas...
— Sempre?
— Nem sempre, porque te amava e amo, e doía-me ver que ficavas triste; mas a maior parte delas opus-me com todas as forças.
— E agora?
— Agora precisamos ser econômicos; viver como pobres.
Ângela curvou a cabeça.
Seguiu-se um grande silêncio.
O primeiro que o rompeu foi ela.
— É impossível!
— Impossível o quê?
— A pobreza.
— Impossível, mas necessária, disse Alfredo com filosófica tristeza.
— Não é necessária; eu hei de fazer alguma coisa; tenho pessoas de amizade.
— Ou um Potosí...
Ângela não se explicou mais; Alfredo foi para a casa de negócio que estabelecera, não descontente com a situação.
— Não estou bem, pensava ele; mas ao menos terei mudado a minha situação conjugal.
Os quatro dias seguintes passaram sem novidade.
Houve sempre uma novidade.
Ângela está muito mais carinhosa com o marido do que até então. Alfredo atribuía esta mudança às circunstâncias atuais e agradeceu à boa estrela que tão venturoso o tornara.
No quinto dia Epaminondas foi falar a Alfredo propondo-lhe ir pedir ao governo uma concessão e privilégio de minas em Mato Grosso.
— Mas eu não me meto em explorador de minas.
— Perdão; vendemos o privilégio.
— Está certo disso? perguntou Alfredo tentado.
— Certíssimo.
E logo:
— Temos além disso outra empresa: uma estrada de ferro no Piauí. Vende-se a empresa do mesmo modo.
— Tem elementos para ambas as coisas?
— Tenho.
Alfredo refletiu.
— Aceito.
Epaminondas declarou que alcançaria tudo do ministro. Tantas coisas disse que o primo, sabedor dos carapetões que ele pregava, começou a desconfiar.
Errava desta vez.
Pela primeira vez Epaminondas falava verdade; tinha elementos para alcançar as duas empresas.
Ângela não perguntou ao marido a causa da preocupação com que ele nesse dia entrou em casa. A idéia de Alfredo era tudo ocultar à mulher, pelo menos enquanto pudesse. Confiava no resultado dos seus esforços para trazê-la a melhor caminho.
Os papéis andaram com uma prontidão rara em coisas análogas. Parece que uma fada benfazeja se encarregava de adiantar o negócio.
Alfredo conhecia o ministro. Duas vezes fora convidado para lá tomar chá e tivera além disso a honra de o receber em casa algumas vezes. Nem por isso julgava ter direito à pronta solução do negócio. O negócio, porém, corria mais veloz que uma locomotiva.
Não se haviam passado dois meses depois da apresentação do memorial quando Alfredo, ao entrar em casa, foi surpreendido por muitos abraços e beijos da mulher.
— Que temos? disse ele todo risonho.
— Vou dar-te um presente.
— Um presente?
— Que dia é hoje?
— Vinte e cinco de março.
— Fazes anos.
— Nem me lembrava.
— Aqui está o meu presente.
Era um papel.
Alfredo abriu o papel.
Era o decreto de privilégio das minas.
Alfredo ficou literalmente embasbacado.
— Mas como veio isto?...
— Quis causar-te esta surpresa. O outro decreto há de vir de aqui a oito dias.
— Mas então sabia que eu...?
— Sabia tudo.
Quem te disse?...
Ângela titubeou.
— Foi... foi o primo Epaminondas.
A explicação satisfez Alfredo durante três dias.
No fim desse tempo abriu um jornal e leu com pasmo esta mofina:
Mina de caroço,
Com que então os cofres públicos já servem para nutrir o fogo no coração dos ministros?
Quem pergunta quer saber.
Alfredo rasgou o jornal no primeiro ímpeto.
Depois...