Artigo de Euclides da Cunha de 21 de agosto de 1897

Bahia, 21 de agosto

Em carta anterior, declarei que aqui atravessava os dias aguardando próxima partida para o sertão, sob o domínio de impressões vivíssimas e diversas, num investigar constante acerca do nosso passado vindo, intacto quase aos nossos dias, dentro desta cidade tradicional, como numa redoma imensa.

E lamentei que o objetivo exclusivo da viagem obstasse a manifestação de muitas coisas interessantes que dele se afastam.

A poeira dos arquivos de que muita gente fala sem nunca a ter visto ou sentido, surgindo tenuíssima de páginas que se esfarelam ainda quando delicadamente folheadas, esta poeira clássica — adjetivemos com firmeza — que cai sobre tenazes investigadores ao investirem contra as longas veredas do passado, levanto-a diariamente. E não tem sido improfícuo o esforço

Tenho, agora, entre duas brochuras antigas, um documento relativamente moderno mas altamente expressivo acerca dos últimos acontecimentos.

É um jornal modestíssimo e mal impresso, a Pátria, de São Félix de Paraguaçu — n. 38, de 20 de maio de 1894. Tem, portanto, pouco mais de três anos.

Na última coluna da primeira página, encimando-a, avulta um título sugestivo: Ainda o Conselheiro

O artigo é longo; a redação refere-se a uma carta recebida de um negociante filho de Monte Santo

Transcrevo os trechos principais:

"Pessoa vinda dos Canudos, hoje Império de Belo Monte, garantiram a este nosso amigo que têm chegado grupos de assassinos e malfeitores do Mundo Novo a fim de fazerem parte do 'exército garantidor das instituições imperiais'.
"As coisas não vão boas, e nós não escaparemos em caso de ataque. Já o Conselheiro, afora a canalha fanatizada e assassina, tem um batalhão de duzentos e tantos homens, os quais fazem exercício de fogo todos os dias e vigiam os arredores.
"Não sabemos qual será a intenção desse homem tão ignorante e criminoso, armando batalhões e aliciando gente para a luta.
"É forçoso reconhecer, seja como for, que o governo pagará bem caro esta sua inação e que todo o sertão ficará sob o mais desolador e pungente desolamento O Dr. Rodrigues Lima, filho dos belos sertões, deve compadecer-se dos seus irmãos do centro e pedir informações sobre os desmandos de Canudos. O combate imortal de Massete que, para experiência de desgraçada derrota e cobardia devemos recordar, foi o início de todos estes desvarios.
"Se, naquele tempo, as oitenta praças de linha que vieram até Serrinha, marcham logo sobre o homem, certamente o tinham esmagado, porque o seu grupo era de oitenta e cinco homens, mal armados e mal municiados.
"Hoje a coisa é dez vezes pior, porque além de estar ele protegido pela posição estratégica de Canudos, cercado e morros e catingas incultas e difíceis, tem elementos fortes, gente superior e trincheiras perigosas.
O marechal Floriano, sábio na sua administração, enérgico e ativo nas suas medidas, deve empenhar-se para ser o salvador nessa tormentosa questão que tanto prejuízo há de causar à Bahia."

Termina aqui o artigo

Não o comentaremos.

Há três anos que da pena inexperta de um sertanejo inteligente surgia a primeira página desta campanha crudelíssima.