A cena passa-se na Bahia. O teatro representa uma sala; portas laterais, e no fundo duas janelas; mesa e cadeiras.

CENA I

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Virgínia e Clarisse.

VIRGÍNIA, entrando pela direita - Isto é um horror!

CLARISSE, acompanhando-a - É uma infâmia!

VIRGÍNIA - Tratar-nos assim, a nós suas legítimas mulheres? E então, Clarisse?

CLARISSE - E tu, que me dizes, Virgínia?

VIRGÍNIA - Quem podia prever tudo isto?

CLARISSE - Pareciam tão submissos e respeitosos, lá no Rio de Janeiro! Que mudança!

VIRGÍNIA - E casai-vos por inclinação...

CLARISSE - Este é o nosso castigo, minha cara irmã. Fugimos de casa de nosso pai... Por mais que me queira persuadir, foi um mau passo que demos.

VIRGÍNIA - Quem poderia prever que eles fossem ingratos? Pareciam-nos tão sinceros e mantes...

CLARISSE - É verdade. E no entanto, há apenas dois meses que estamos casadas, e já experimentamos todas as contrariedades que o estado traz consigo.

VIRGÍNIA - As contrariedades do estado nada seriam; com elas contava eu, razoavelmente falando. Porém o que mais me desespera é ter de aturar as manias inglesas de nossos caros maridos... Ontem, o meu quis que eu comesse, por força, rosbife quase cru.

CLARISSE - E o meu, que eu engolisse metade de um plum-pudding horroroso.

VIRGÍNIA - Ateimou comigo boa meia hora para que eu bebesse um copo de cerveja. Prrr... que bebida diabólica!

CLARISSE - E eu vi-me obrigada a beber um copo de ponche deste tamanho, que me deixou a cabeça por esses ares!

VIRGÍNIA - O que mais me mortifica é que o Sr. Jeremias esteja presenciando tudo isto e que o vá contar quando voltar para o Rio.

CLARISSE - E que remédio? Vamos preparar o chá, que nossos senhores não tardam.

VIRGÍNIA - Eui não! Preparem eles. Não sou sua escrava; não faço mais nada, não quero! (Batendo o pé.)

CENA II

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Jeremias e as ditas.

JEREMIAS, entrando pela direita e falando para dentro - Já volto, já volto, abram o champanha! (Para a cena:) Os diabos destes ingleses bebem como uma esponja! (Vendo as duas:) Oh, por que deixastes a mesa na melhor ocasião, quando se iria abrir o champanha?

CLARISSE - Não gosto de champanha.

VIRGÍNIA - Nem de vinho nenhum.

JEREMIAS - Não gostam de champanha, desse vinho divino e sem igual? Oh, minhas amabilíssimas, isso é falta de gosto! Pif! Paf! Poum! Psss!...

VIRGÍNIA - E o Sr. Jeremias para que não ficou lá, bebendo?

JEREMIAS - Porque tinha que lhes falar.

BOLINGBROK, dentro - Jeremias?

CLARISSE - Olha, que o chama.

JEREMIAS, respondendo a Bolingbrok - Lá vou, e bebam enquanto eu não chegar. (Para as duas:) Assim esperarão com paciência.

VIRGÍNIA - Mas o que nos quer dizer?

JEREMIAS - Esta noite temos a primeira representação da Sonâmbula, pela Companhia Italiana. Dizem que a Mugnai e a Bocomini rivalizarão; e depois da pateada de outro dia, é natural que hajam coisas boas.

CLARISSE - Oh, se pudéssemos ir...

VIRGÍNIA - Seria bem bom, mas decerto que não o conseguiremos.

JEREMIAS - E por que não?

VIRGÍNIA - Os nossos tiranos não o consentirão.

JEREMIAS - Oh, isso veremos! Dão-me o seu consentimento para que ataque a praça?

CLARISSE - Não, não! Deixe o caso por nossa conta. Fazendo-se-lhes o pedido assim de surpresa, são capazes de negar... Estou certa que negarão. Melhor é resolvê-los pouco a pouco.

VIRGÍNIA - Clarisse tem razão. Com carinhos, obediência e meiguice talvez possamos arranjar alguma coisa.

JEREMIAS - Tempo perdido... Pérolas a porcos! Meiguices não são para ingleses; é bom cá para nós.

VIRGÍNIA - Deixe o caso por nossa conta.

BOLINGBROK, dentro - Jeremias?

JEREMIAS - Lá vou, inglês do diabo!

CLARISSE - Vá, vá e tenha cuidado que eles não bebam muito.

VIRGÍNIA - Senão, não nos ouvem, pegam a dormir, e adeus Sonâmbula.

BOLIGBROK, dentro - Jeremias?

JEREMIAS - Adeus, adeus! (Vai saindo, cantando:) God save the King!... (Sai.)

CENA III

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VIRGÍNIA - Mana Clarisse, é preciso fazer-nos amáveis.

CLARISSE - Amabilíssimas!

VIRGÍNIA - Preparemos primeiro o chá.

CLARISSE - Dizes bem. ( De uma mesa que está no fundo, trazem para a que está no meio da sala todos os preparos do chá.)

VIRGÍNIA, enquanto preparam o chá - Que remédio temos nós? Querem assim iludidos... (Chamando:) Tomás? Tomás?

CLARISSE - Tanto peior para eles... Que culpa temos nós? (Aqui entra um criado inglês.)

VIRGÍNIA - Traze água quente para o chá. (O criado sai.)

CLARISSE - As xícaras estão prontas.

VIRGÍNIA - Jesus! Ia-me esquecendo o aguardente, ou rum, como eles chamam. (Vai buscar sobre a mesa do fundo um frasco com rum.)

CLARISSE - E esse esquecimento deitaria tudo a perder... (Entra o criado com uma chaleira com água quente.) Dá cá. (Deita água no bule.) Leva. (O criado sai com a chaleira.)

VIRGÍNIA - Agora creio que nada falta.

CLARISSE - Vamo-nos vestir, e pentearmo-nos.

VIRGÍNIA - Sim, sim! Façamo-nos bonitas, para melhor seduzir. Eles aí vem. (Saem ambas, apressadas.)

CENA IV

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Jeremias e depois John e Bolingbrok.

JEREMIAS, entrando - Já não posso beber. Safa, diabo! Se me demoro mais tempo à mesa, acabo por uma combustão espontânea... Irra, que funis são os meus dois ínglis!

JOHN, entrando - Assim abandonas o campo?

BOLINGBROK, entrando - Jeremias está fraco, tem cabeça mole; não pode!

JEREMIAS - Sim, se eu estivesse como os senhores, acostumados desde criança a beberem cerveja...

BOLINGBROK - Porter.

JEREMIAS - Yes, porter.

JOHN - Vamos ao chá. (Assentam-se à mesa.)

BOLINGBROK - Jeremias tem medo da vinho; gosta de água... É uma pata.

JEREMIAS - Pata será ele.

BOLINGBROK - Pata! Ah, ah! (Rindo:) Pata, yes!

JEREMIAS - Tu nunca hás de tomar língua.

JOHN - Queres chá?

JEREMIAS - Dá-me. (Servem-se de chá e continuam a falar, bebendo-o.)

JOHN - Não tens recebido cartas do Rio?

JEREMIAS - Não, e nem se me dá.

JOHN - Chama-se a isso descuido e indiferença.

BOLINGBROK - Descuida, yes.

JEREMIAS - Que queres? Sou assim. Também por descuido foi que me casei.

JOHN - Vê lá, Bolingbrok, como são os brasileiros, quando tratam de seus interesses pecuniários. Jeremias vendeu tudo quanto possuía: uma fazenda de açucar que lhe deixou o pai...

JEREMIAS - Não rendia nada; tudo era pouco para os negros comerem, e morrerem muitos.

BOLINGBROK - Porque não sabe trabalha.

JOHN - Vendeu duas belas propriedades de casa...

JEREMIAS - Das quais estava sempre mandando consertar os telhados, por pedido dos inquilinos. Só nisso iam-se os aluguéis.

JOHN - E sabes tu, Bolingbrok, o que fez ele de todo esse capital?

BOLINGBROK - Dize.

JOHN - Gastou metade em bailes, passeios, carruagens, cavalos...

BOLINGBROK - Oh!

JOHN - E a outra metade emprestou a juros.

BOLINGBROK - Este está bom; boa firma, jura doze per cento...

JEREMIAS - Qual doze, homem!

BOLINGBROK - Quante?

JEREMIAS - A oito por cento ao ano.

BOLINGBROK - Oh, Jeremias está doido! A oito per cento? Oh!

JOHN - Assim é que se estraga uma fortuna.

BOLINGBROK - Brasileiros sabe mais gasta do que ganha.

JEREMIAS - Ora, adeus! A vida é curta e é preciso gozá-la.

JOHN - E depois dessa criançada, veio cá para a Bahia e deixou a mulher no Rio de Janeiro.

JEREMIAS, para Bolingbrok - Isto também é loucura?

BOLINGBROK - Conforme... Quando mulher é má, deixa ela; quando é boa, pega nela.

JEREMIAS - Pega nela, yes! Mas como a minha era o diabo com saia, eu deixa ela.

BOLINGBROK - Yes!

JEREMIAS - Oh, John, oh, Bolingbrok, se eu tivesse uma mulher como as vossas, então... Que anjos, que docilidade! Eu, se fosse qualquer de vocês, não lhes negava a mais pequena coisa. ( parte:) É preciso prepará-los. (Alto:) Oh, eu os julgo incapazes de as tratar mal! Nem me passa isso pela cabeça.

BOLINGBROK - Mim não nega coisa razoável. (Levanta-se.)

JOHN - Nem eu. (Levanta-se.)

JEREMIAS, levantando-se e à parte - Não gostaram do conselho... (Alto:) Enfim, cada um faz o que entende.

BOLINGBROK - Yes.

JEREMIAS - Adeus, John, tenho muito que passear, e é tarde. Farewel, my dear Bolingbrok. How do you do? Give me some bread. I thank you. Hem? Tem que dizer a esta bela pronúncia? Até logo. ( parte:) É preciso deixá-los com as mulheres... (Alto:) Adeus! Sejam amáveis. (Sai cantando.)

CENA V

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Bolingbrok e John

BOLINGBROK, passeando - Mim está desconfiado...

JOHN - Dar-se-á, acaso, que nossas mulheres se tenham queixado a Jeremias?

BOLINGBROK - Mim pensa... Clarisse quer passeia, quer dança, quer theater, e mim não pode, mim não quer...

JOHN - E fazes bem. De que servem tantas folias, senão para perdição das mulheres?

BOLINGBROK - John, eu não quer perde perde Clarisse, mas eu está muito aflita... Clarisse está zangado comiga.

JOHN - Não te dês disso; os arrufos fazem agradável a reconciliação.

BOLINGBROK - Oh, mais palavra de amor é tão doce, e palavra de briga é tão, tão repiada...

JOHN - Bolingbrok, meu caro sócio, desconfia sempre de três qualidades de mulher: primeiro, das que só palavras: meu amorzinho, meu bem, meu ladrãozinho, e vos acarinham as faces com a mão; segundo, das que te rodeiam de atenções e cuidados quando te estás vestindo para saíres; e terceiro, das que te fazem presentinhos de suspensórios bordados, bolsa para relógio, paninhos para barba, etc. É que te querem assim causar agradáveis surpresas. Desconfia dessas, sobretudo. De surpresa em surpresa atiram com o homem ao inferno...

CENA VI

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Virgínia, Clarisse e os mesmos.

VIRGÍNIA, à porta e à parte para Clarisse - Ei-los! Experimentemos. (Encaminham-se para os dois sem vistas.)

BOLINGBROK - Oh, oh, John, eu me lembrarei, John... Minha amorzinho, minha ladrãozinho, não quer... Ni presentes, ni carinhas... Oh, non!

VIRGÍNIA, tomando John pelo braço - Meu bom maridinho!

JOHN - Ah, sois vós, Virgínia?

CLARISSE, tomando Bolingbrok pelo braço - Meu amorzinho!

BOLINGBROK - Clarisse! ( parte:) Disse: minha amorzinho...

VIRGÍNIA, para John - O chá estava bom?

JOHN - Não achei mau.

CLARISSE, para Bolingbrok - Gostaste do chá, meu ladrãozinho?

BOLINGBROK, à parte - Oh, minha ladrãozinho!...

VIRGÍNIA, para John - Não vais hoje passear?

JOHN - Oh, tanto cuidado!

CLARISSE - Não passeias? (Passando-lhe a mão pela barba.)

BOLINGBROK - Oh!

VIRGÍNIA - Que tensJohn? Acho-te assim, não sei como...

JOHN - Nada, nada, absolutamente!

CLARISSE, para Bolingbrok - Por que te espantas?

BOLINGBROK, à parte - Oh, só falta suspensórias bordada!

VIRGÍNIA - John, tinha um favor que pedir-te...

JOHN - Dize.

CLARISSE - Eu também a ti...

BOLIGBROK - Fala.

VIRGÍNIA - Se fosses tão bom...

CLARISSE - Tão amável...

VIRGÍNIA - Que prometêsseis que hoje...

JOHN - O quê?

VIRGÍNIA - Oh, mas tu não terás a crueldade de me dizeres que não...

CLARISSE - Nem tu, minha vida, terás a barbaridade de recusares um meu pedido...

JOHN - Vamos, dizei.

BOLINGBROK - Eu está esperando.

CLARISSE - Queríamos hoje ir... Dize, Virgínia.

VIRGÍNIA - Ir ao teatro. Sim?

JOHN - Não pode ser. (Apartando-se dela.)

BOLINGBROK - Non, non pode! (Apartando-se dela.)

VIRGÍNIA - Ah, então não consente?

JOHN - Não é possível.

CLARISSE - Recusa?

BOLINGBROK - No, non recusa... Permite a vós a permissão de não ir ao teatro...

VIRGÍNIA - Assim morreremos neste insuportável cativeiro!

JOHN - Virgínia!

CLARISSE - Isto é indigno! (Chora.)

BOLINGBROK - Clarisse!

VIRGÍNIA - Meu Deus, meu Deus, como sou desgraçada! (Chora.)

JOHN - Tenha juízo, senhora!

CLARISSE - Infeliz de mim! (Chora.)

BOLINGBROK - My Clarisse é criança?

VIRGÍNIA, resoluta - Oh, mas isto não pode ser assim; há de mudar ou senão...

CLARISSE, resoluta - Sim, é preciso que isto mude, ou eu...

JOHN - Ameaçais?

BOLINGBROK - Essa tom?

CLARISSE - É o tom que nos convém.

VIRGÍNIA - E o que havemos de tomar de aqui em diante.

JOHN - E pretendes assim obrigar-me a que te leve ao teatro?

BOLINGBROK - Pensas que assim obriga a mim, senhora?

VIRGÍNIA - Então não sairemos mais de casa?

JOHN - Não!

BOLINGBROK - No!

CLARISSE - Que inferno!

VIRGÍNIA - Muito bem! E durante o tempo que ficamos em casa hão de os senhores andar por esses hotéis, bailes, public-houses e teatros, divertindo-se e bebendo grogue...

JOHN - Virgínia!

CLARISSE - E a fumarem por essas ruas.

BOLINGBROK - Eu fuma aqui mesmo, senhora; sou capaz de fuma aqui mesmo.

VIRGÍNIA - Então não sairemos?

CLARISSE, raivosa, ao mesmo tempo - Não sairemos?

JOHN - Não! (Chamando:) Tomás?

BOLINGBROK, ao mesmo tempo - No! (Chamando:) Tomás? (Entra o criado.)

JOHN - Meu chapéu.

BOLINGBROK, ao mesmo tempo - Minha chapéu.

VIRGÍNIA e CLARISSE - Meu Deus! (Vão cair desmaiadas nas cadeiras.)

BOLINGBROK, querendo ir socorrer Clarisse - My Clarisse!

JOHN, retendo-o - O que fazes? Elas tornarão a si. (Entra o criado com os chapéus.)

BOLINGBROK - Pode morre, John.

JOHN - Não morrem. (Para o criado:) Dá cá o chapéu... Toma o teu, e vamos para os hotéis, como estas senhoras disseram. (Tomando-o pelo braço e obrigando-o a seguí-lo:) Vamos. (Vão sair pela esquerda; logo que chegam junto à porta, Virgínia e Clarisse levantam das cadeiras.)

VIRGÍNIA, levantando-se - Bárbaros!

CLARISSE, levantando-se, ao mesmo tempo - Desumanos!

BOLINGBROK, da parta - Oh, está viva!

JOHN - Não te disse? (Os dois riem-se às gargalhadas e saem.)

CENA VII

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VIRGÍNIA, chegando-se à porta por onde eles saíram - Malcriados!

CLARISSE, nomesmo - Grosseirões!

VIRGÍNIA - E então?

CLARISSE - E então?

VIRGÍNIA - Pois como não quer que eu saia a passeio, vom pregar-me à janela e namorar a torto e a direito... Hei de mostrar! (Vai para a janela.)

CLARISSE - Mas cuidado que ele não te veja. O melhor é termos paciência.

VIRGÍNIA - Tem tu, que eu não.

CLARISSE, sentando-se - Faze o que quiseres. Enfim, assim o quisemos, assim o tenhamos... A nossa fugida havia dar em alguma... Ai, ai, quem o adivinhasse!

VIRGÍNIA - Clarisse, Clarisse, vem cá! Vem cá depressa!

CLARISSE - O que é?

VIRGÍNIA - Corre! (Clarisse vai para junto de Virgínia.) Quem é aquela que ali vai?

CLARISSE - Aquela?

VIRGÍNIA - Sim... Talvez engane-me... É quase noite, e não posso certificar-me.

CLARISSE - Parece-me, pelo corpo e andar, a Henriqueta.

VIRGÍNIA - É isso mesmo que eu pensava.

CLARISSE - É ela, é!

VIRGÍNIA, chamando - Psiu! Psiu! Henriqueta!

CLARISSE - Não grites tanto!

VIRGÍNIA - Somos nós! Ela ouviu-nos; aí vem. Sim, sim, entra, entra, sou eu e minha irmã. (Saindo ambas da janela.)

CLARISSE - Henriqueta cá pela Bahia? O que será?

VIRGÍNIA - Não adivinhas? Vem atrás do marido.

CLARISSE - Que casal também esse...

CENA VIII

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Henriqueta e as ditas.

VIRGÍNIA - Henriqueta! (Abraçando-a.)

HENRIQUETA - Minhas caras amigas!

CLARISSE - Tu por cá, Henriqueta?

HENRIQUETA - Cheguei esta manhã mesmo no vapor, e muito estimo ter-vos encontrado. Ajudar-me-eis no empenho que me trouxe à Bahia?

VIRGÍNIA - Qual é ele?

CLARISSE - Conta conosco.

HENRIQUETA - Venho em procura de meu marido, que há mês e meio abandonou-me.

CLARISSE - Abandonou-te?

HENRIQUETA - Sim, sim, e partiu para a Bahia. Um mês depois é que soube que ele aqui estava, e pus-me logo a caminho.

VIRGÍNIA - Pobre Henriqueta!

CLARISSE - Em que lida vives por um ingrato?

HENRIQUETA - Vocês o não tem visto?

VIRGÍNIA - Se temos...

CLARISSE - E há bem pouco tempo.

HENRIQUETA - Aonde?

VIRGÍNIA - Aqui.

HENRIQUETA - Aqui mesmo?

CLARISSE - Sim.

HENRIQUETA - E voltará?

VIRGÍNIA - Não tarda.

HENRIQUETA - Oh, Sr. Jeremias, agora veremos! O senhor não contava com a minha resolução. Assim abandonar-me...

VIRGÍNIA - E o teu marido é como todos - falso, ingrato e traidor. (Aqui entra o criado com velas e as põe sobre a mesa.)

CLARISSE - Ele dizia sempre que recebia cartas tuas, e dava-nos lembranças.

HENRIQUETA - Pérfido mentiroso! Oh, mas hei de segui-lo ainda que seja até o inferno!

VIRGÍNIA - Vê tu, Henriqueta, como são as coisas... Tu corres atrás de teu marido, e nós quiséramos estar bem longe dos nossos.

HENRIQUETA - Como assim?

CLARISSE - Henriqueta, somos muito desgraçadas, muito...

HENRIQUETA - Vocês, desgraçadas?

VIRGÍNIA, chorando - Sim, e muito.

HENRIQUETA - Oh, e por quê?

CLARISSE - Nossos maridos tratam-nos como fôssemos suas escravas. (Chora.)

HENRIQUETA - É possível...

VIRGÍNIA - Nós é que pagamos as cabeleiras que tomam. Não temos vontade nem deliberação em coisa alguma. Governam-nos britanicamente.

HENRIQUETA - E o que fazem vocês?

VIRGÍNIA - O que havemos fazer, senão sujeitarmo-nos?

HENRIQUETA - Nada, isso lhes dá razão!

CLARISSE - Ah, minha cara amiga, se estivesses em nosso lugar...

VIRGÍNIA - Escuta, Virgínia, e tu, Clarisse, uma coisa que eu não dissera, se não ouvisse a confidência que acabas de fazer-me. Mas sou vossa amiga e compadeço-me do estado e engano em que viveis...

VIRGÍNIA - Engano em que vivemos?

CLARISSE - Explica-te...

HENRIQUETA - Sabes tu o que se diz no Rio de Janeiro?

VIRGÍNIA - Tu me assustas!

CLARISSE - Acaba.

HENRIQUETA - Que vocês não estão casadas legitimamente.

AMBAS - Não estamos casadas?

HENRIQUETA - Não.

VIRGÍNIA - Tu gracejas.

HENRIQUETA - Ora dizei-me, em que religião fostes criadas?

VIRGÍNIA - Na religião de nossos pais.

CLARISSE - Católica, Apostólica, Romana.

HENRIQUETA - E teus maridos?

VIRGÍNIA - São protestantes.

HENRIQUETA - E aonde vos casastes?

CLARISSE - No templo inglês do Rio de Janeiro, na Rua dos Barbonos.

HENRIQUETA - E não fostes também receber a benção católica do vigário da vossa freguesia?

VIRGÍNIA - Não.

HENRIQUETA - Minhas amigas, sinto muito repetir; não estais legitimamente casadas.

VIRGÍNIA - Mas por quê?

CLARISSE - Não compreendo.

HENRIQUETA - As cerimônias nupciais protestantes só ligam os protestantes; e as católicas, os católicos.

VIRGÍNIA - Assim...

HENRIQUETA - Assim, só eles é que estão casados; vocês, não.

CLARISSE - Meu Deus!

VIRGÍNIA, ao mesmo tempo - Oh, é isto possível?

HENRIQUETA - E vivam na certeza que vocês não são mais que amantes de vossos maridos, isto é, casadas solteiras.

VIRGÍNIA - Que infâmia!

CLARISSE, ao mesmo tempo - Que traição!

HENRIQUETA - E agora que de tudo sabem, querem ainda viver com eles, e dar-lhes obediência?

VIRGÍNIA - Nem mais um instante! Fujamos! Casadas solteiras!...

CLARISSE - Fujamos! Que vergonha! Duas amantes!... Que posição a nossa!

HENRIQUETA - Esperem, esperem, isto não vai assim. É preciso sangue frio. O vapor larga esta madrugada para o Rio de Janeiro, iremos nele.

VIRGÍNIA - Minha amiga, tu nos acompanharás?

HENRIQUETA - Com uma condição...

CLARISSE - Qual é?

HENRIQUETA - Que vocês resolverão a Jeremias a acompanhar-me, se eu o não puder conseguir.

AMBAS - Conta conosco.

HENRIQUETA - Muito bem. Agora vão arranjar a roupa necessária. (Ouve-se dentro Jeremias cantar.) E depressa, que eu ouço a voz do meu tratante...

VIRGÍNIA - Em um momento estamos prontas. (Saem as duas.)

CENA IX

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Henriqueta e depois Jeremias.

HENRIQUETA, só - Vens muito alegre... Mal sabes tu o que te espera. Canta, canta, que logo chiarás! (Apaga a vela.) Ah, meu tratante!

JEREMIAS, entrando - Que diabo! É noite fechada e ainda não acenderam as velas! (Chamando:) Tomás, Tomás, traze luz! Não há nada como estar o homem solteiro, ou, se é casado, viver bem longe da mulher. (Enquanto fala, Henriqueta vem-se aproximando dele pouco a pouco.) Vivo como um lindo amor! Ora, já não posso aturar a minha cara-metade... O que me vale é estar ela há mais de duzentas léguas de mim. (Henriqueta, que a este tempo está junto dele, agarra-lhe pela gola da casaca, Jeremias assustando-se:) Quem é? (Henriqueta dá-lhe uma bofetada e o deixa. Jeremias, gritando:) Ai, tragam luzes! São Ladrões! (Aqui entra o criado com luzes.)

HENRIQUETA - É outra girândola, patife!

JEREMIAS - Minha mulher!

HENRIQUETA - Pensavas que te não havia de encontrar?

JEREMIAS - Mulher do diabo!

HENRIQUETA - Agora não te perderei de vista um só instante.

JEREMIAS, para o criado - Vai-te embora. (O criado sai.)

HENRIQUETA - Ah, não queres testemunhas?

JEREMIAS - Não, porque quero te matar!

HENRIQUETA - Ah, ah, ah! Disso me rio eu.

JEREMIAS, furioso - Ah, tens vontade de rir? Melhor; a morte será alegre. (Tomando-a pelo braço.) Tu és uma peste, e a peste se cura; és um demônio, e os demônios se exorcizam; és uma víbora, e as víboras se matam!

HENRIQUETA - E aos desavergonhados se ensinam! (Levanta a mão para dar-lhe uma bofetada, e ele, deixando-a, recua.) Ah, foges?

JEREMIAS - Fujo sim, porque da peste, dos demônios, e das víboras se foge... Não quero mais te ver! (Fecha os olhos.)

HENRIQUETA - Hás de ver-me e ouvir-me!

JEREMIAS - Não quero mais te ouvir! (Tapa os ouvidos com a mão.)

HENRIQUETA, tomando-o pelo braço - Pois há de me sentir.

JEREMIAS, saltando - Arreda!

HENRIQUETA - Agora não me arredarei mais do pé de ti, até o dia do Juízo...

JEREMIAS - Pois agora também faço eu protesto solene a todas as nações, declaração formalíssima à face do universo inteiro, que hei de fugir de ti como o diabo foge da cruz; que hei de evitar-te como o devedor ao credor; que hei de odiar-te como as oposições odeiam as maiorias.

HENRIQUETA - E eu declaro que te hei de seguir como a sombra segue o corpo...

JEREMIAS, exclamando - Meu Deus, quem me livrará deste diabo encarnado?

CRIADO, entrando - Uma carta da Corte para o Sr. Jeremias.

JEREMIAS - Dá cá. (O criado entraga e sai. Jeremias para Henriqueta:) Não ter eu a fortuna, peste, que esta carta fosse a de convite para teu enterro...

HENRIQUETA - Não terá esse gostinho. Pode ler, não faça cerimônia.

JEREMIAS - Não preciso da sua permissão. (Abre a carta e a lê em silêncio.) Estou perdido! (Deixa cair a carta no chão.) Desgraçado de mim! (Vai cair sentado na cadeira.)

HENRIQUETA - O que é?

JEREMIAS - Que infelicidade, ai!

HENRIQUETA - Jeremias!

JEREMIAS - Arruinado! Perdido!

HENRIQUETA, corre e apanha a carta e a lê - "Sr. Jeremias, muito sinto dar-lhe tão desagradável notícia. O negociante a quem o senhor emprestou o resto de sua fortuna acaba de falir. Os credores não puderam haver nem dois por cento do rateio. Tenha resignação..." - Que desgraça! Pobre Jeremias! (Chegando-se para ele:) Tende coragem.

JEREMIAS, chorando - Ter coragem! É bem fácil de dizer-se... Pbre miserável... Ah! (Levantando-se:) Henriqueta, tu que sempre me amaste, não me abandones agora... Mas não, tu me abandonarás; eu estou pobre...

HENRIQUETA - Injusto que tu és. Acaso amava eu o teu dinheiro, ou a ti?

JEREMIAS - Minha boa Henriqueta, minha querida mulher, agora que tudo perdi, só tu és o meu tesouro; só tu serás a consolação do pobre Jeremias.

HENRIQUETA - Abençoada seja a desgraça que me faz recobrar o teu amor! Trabalharemos para viver, e a vida junto de ti será para mim um paraíso...

JEREMIAS - Oh, nunca mais te deixarei! Partamos para o Rio de Janeiro, partamos, que talvez ainda seja tempo de remediar o mal.

HENRIQUETA - Partamos hoje mesmo.

JEREMIAS - Sim, sim, hoje mesmo, agora mesmo...

HENRIQUETA - Espera.

JEREMIAS - O quê?

HENRIQUETA - Virgínia e Clarisse irão conosco.

JEREMIAS - Virgínia e Clarisse? E seus maridos?

HENRIQUETA - Ficam.

JEREMIAS - E elas?

HENRIQUETA - Fogem.

JEREMIAS - Acaso tiraram eles a sorte grande?

HENRIQUETA - Lisonjeiro!

JEREMIAS - Venha quem quiser comigo, fuja quem quiser, que eu o que quero é ver-me no Rio de Janeiro.

HENRIQUETA - Vem cá. (Saindo.) Feliz de mim! (Saem pela direita.)

CENA X

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Entram pela esquerda John e Bolingbrok.

BOLINGBROK, entrando - Very good porter, John.

JOHN - Sim. É um pouco forte.

BOLINGBROK - Oh, forte não! Eu ainda pode bebe mais. (Senta-se e chama:) Tomás? Tomás? (O criado entra.) Traz uma ponche. (O criado sai.)

JOHN - Pois ainda queres beber? (Sentando-se.)

BOLINGBROK - John, bebe também comigo; eu quero bebe à saúde de minha Clarisse, e tu, de Virgínia. (Gritando:) Tomás? Tomás? (O criado entra com uma salva com dois copos de ponche.) Bota aqui! (O criado deixa a bandeja sobre a mesa e sai.)

JOHN, bebendo - tua saúde, Bolingbrok.

BOLINGBROK, bebendo - Yes, minha saúde... Também saúde tua. Oh, este ponche está belo. John, à saúde de Clarisse!

JOHN - Vá, à saúde de Clarisse e de Virgínia. (Bebem.)

BOLINGBROK - Oh, este garrafa... É rum de Jamaica. Toma, John. (Deita rum nos copos.)

JOHN - autoridade marital!

BOLINGBROK - Yes, autoridade maritale! (Bebem.)

JOHN - De duas coisas uma, Bolingbrok: ou é a mulher, ou o marido que governam.

BOLINGBROK - Yes, quando mulher governa, tudo leva diabo!

JOHN - Bravo! Tens razão e compreendes... nossa saúde! (Bebem.)

BOLINGBROK - Marido governa mulher, ou, - goddam! - mata ela. (Dá um soco na mesa.)

JOHN, falando com dificuldade - Obediência mata... salva tudo... Bolingbrok, à saúde da obediência!

BOLINGBROK - Yes! (Falando com dificuldade:) Eu quer obediência. (Bebem.)

JOHN - Virgínia é minha mulher... Há de fazer o que quero.

BOLINGBROK - Brasil é bom para ganhar dinheiro e ter mulher... Os lucros... cento por cento... É belo! John, eu quero dorme, mim tem a cabeça pesada... (Vai adormecendo.)

JOHN - Eu tenho sede. (Bebe.) Bolingbrok dorme. Ah, ah, ah! (Rindo-se.) Está bom, está bêbado! Ah, ah! Cabeça fraca... Não vai a teatro... Virgínia... (Adormece.)

CENA XI

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Entram Virgínia, Clarisse, Henriqueta e Jeremias como quem vão de viagem, trazendo trouxas, caixa de chapéu, etc.

VIRGÍNIA, entrando - Silêncio, que eles dormem. (Adiantam-se para a cena, pé ante pé, passando entre os dois e o pano de fundo.)

CLARISSE, parando detrás dos dois - Se eles se arrependessem...

HENRIQUETA - Nada de fraqueza, vamos!

VIRGÍNIA - Talvez ainda fôssemos felizes...

JEREMIAS - Nada de demora, ou vou só...

VIRGÍNIA - Clarisse, fiquemos!

JOHN, sonhando - Virgínia é minha escrava.

VIRGÍNIA - Sua escrava?...

BOLINGBROK, sonhando e batendo com o punho na mesa - Eu mata Clarisse...

CLARISSE - Matar-me?...

VIRGÍNIA e CLARISSE - Vamos! (Vão atravessando para a porta da esquerda.)

HENRIQUETA - Adeus, gódames!

JEREMIAS, da porta - Good night, my dear! (Saem todos. Bolingbrok e John, com o grito de Jeremias, como que acordam; esfregam os olhos.)

BOLINGBROK, dormindo - Good night!

JOHN, dormindo - Yes! (Tornam a cair em sono profundo e desce o pano.)

Fim do segundo ato.