A conferência na floresta pareceu ter aplacado o furor e sem dúvida serenou o aspecto de Simeão.
Quando ele voltou à venda era inteiramente outro: queixou-se da queda que dera desastrado e que o desatinara: já de pazes facilmente feitas com o vendelhão, conversou tranqüilamente com este sobre a sua situação e mostrou-se consolado do cativeiro em que ficara pela bondade extrema de sua senhora.
Ninguém dissimula melhor do que o escravo: sua condição sempre passiva, a obrigação da obediência sem limite e sem reflexão, o temor do castigo, a necessidade de esconder o ressentimento para não excitar a cólera ameaçadora do senhor, o hábito da mentira, enfim, fazem do escravo o tipo da dissimulação.
O coração do escravo é escuro, tenebroso como noite de tempestade: é abismo profundo e sem luz coberto pela crosta da tristeza íntima e da desconfiança perpétua.
Muitas vezes o escravo ri, tendo o seio ulcerado e a alma em pranto.
O Barbudo chegou à venda uma hora depois de Simeão.
– Tardaste muito hoje, meu Barbudo – disse-lhe este.
– Tive que fazer em casa – respondeu-lhe o amigo.
E nesse dia não conversaram no terreiro.
No primeiro domingo que se seguiu, houve grande reunião na venda, e nas veemências do jogo toldou-se a amizade de Simeão e do Barbudo, que jogando de sociedade tiveram de disputar sobre a divisão dos lucros.
Ambos se qualificaram afrontosamente, e separam-se inimizados, fugindo Semeão às ameaças de bofetadas, com que o Barbudo por último respondeu à incontinência de sua língua depravada.
– Ora aí está como se acaba uma boa amizade! – disse o vendelhão a rir.
– Não faço conta de amizade de negro – observou o Barbudo.