Passaram duas semanas.
Simeão, a quem Hermano fizera algumas admoestações, deixou de sair da fazenda durante o dia; eram porém ainda freqüentes os seus passeios à noite.
Hermano soube da continuação desse abuso; mas fingiu ignorá-lo em atenção à amizade que sua sogra e sua mulher tinham ao crioulo.
No fim das duas semanas que dissemos passadas, à tarde de um domingo, conversavam, passeando pelo campo, as duas senhoras e Her- mano.
Depois de alguma hesitação, Angélica disse:
– Sabem quem faz vinte e um anos amanhã?
– Simeão – respondeu logo Florinda.
Hermano sorriu-se.
– Creio que ele se mostra agora mais ajuizado – tornou a senhora.
– Sai a passeio todas as noites.
– Coitado! Serviu muito ao senhor na moléstia fatal...
E a viúva ainda teve lágrimas para dar à lembrança do marido; quando as enxugou, disse a Hermano:
– Eu tinha um desejo, meu filho; mas não o realizarei sem a sua aprovação.
– Aprovo-o desde já: qual é ele?
– Dar amanhã a liberdade a Simeão.
Florinda apertou a mão do marido.
– Excelente idéia! – respondeu Hermano. – Ele é, com perdão senhoras, um escravo desmoralizado, e talvez seja por exceção ou milagre um liberto de bons costumes.
– Aprova então?
– Sem dúvida; mas devo dizer que só ele perderá com o benefício que lhe quer fazer: perdão outra vez; Simeão está mal preparado para ser feliz com a liberdade; entretanto a liberdade é santa e regeneradora.
– E nós não lhe fecharemos a nossa porta: se ele quiser, e há de querer, ficará conosco.
– Está entendido.
– Oh! Amanhã Simeão será liberto!... – exclamou Florinda, rindo de contentamento.
Era a primeira vez que Florinda ria depois da morte de seu pai: Hermano beijou-lhe a mão, agradecendo-lhe o riso.
– Mas, até amanhã, segredo! – disse Florinda. – Eu quero apreciar a surpresa de Simeão.
E as duas senhoras, a mãe e a filha, se olharam satisfeitas, prelibando a alegria e a festa do seu crioulo estimado.
Enquanto elas estavam assim ocupando-se tão generosamente de Simeão, em que estaria pensando esse escravo que ia ser emancipado?
Estava ainda pensando com alma de escravo que não sonhava com a liberdade no dia seguinte.
Se lhe tivessem dito: – Amanhã serás liberto – , a idéia da liberdade revolucionaria seu ânimo, no qual as trevas do cativeiro seriam dissipadas pela aurora da emancipação.
Não há escravo a quem a certeza da alforria próxima não inspire sentimentos generosos, não desarme os instintos ferozes da escravidão.
Mas Simeão, o escravo, nem se lembrava do aniversário natalício, que só é de festa para o homem livre, que sorri à vida, porque é livre; não podia esperar e menos contar com a liberdade esclarecida pelo sol que ia surgir do oriente.
E, escravo ingrato e perverso, maquinava um crime horrível, inspirado pelo demônio da fatal condição depravadora.
Oh! Não há quem tenha um escravo ao pé de si, que não tenha ao pé de si um natural inimigo.