Naturalmente Paulo Borges e Teresa conversaram sobre os seus novos escravos, e a senhora ouviu do marido a história dos maus precedentes do Pai-Raiol e da influência benéfica e feliz com que a crioula Esméria corrigira ou fizera ao menos adormecer seu gênio perverso.
Teresa lembrou-se da impressão repulsiva que experimentara vendo o negro; sentiu que a sua antipatia achasse explicáveis fundamentos, e gostando que uma escrava tivesse podido domar o escravo enfezado e indisciplinável, pois que por fim de contas era sempre a mulher dominando o homem da sua igualha ou condição, teve curiosidade de ver Esméria, e no dia seguinte, quando ao anoitecer chegaram os escravos da roça, mandou-a chamar.
A negra obedeceu logo; mas chegou com evidentes sinais de acabrunhadora fadiga.
A senhora esteve algum tempo a olhar e a considerar a escrava.
Esméria era uma crioula de vinte anos com as rudes feições da sua raça abrandadas pela influência da nova geração em mais suave clima; em seus olhos, porém, e no conjunto de seus traços fisionômicos, havia certa expressão de inteligência e de humildade que agradou à senhora.
Teresa achou que Esméria tinha boa cara.
Tendo acabado o seu silencioso exame, a senhora disse à escrava:
– Parece que te cansou muito o serviço de hoje... és então fraqueirona...
– Hei de me acostumar, minha senhora... sou forte para o trabalho.
– Como é isso? Não estavas acostumada?
– À enxada não, minha senhora; mas tudo é serviço... amanhã trabalharei melhor...
– Que fazias em casa de teus antigos senhores?
– Lavava, engomava; mas quase sempre estava na cozinha e ajudava minhas senhoras a fazer doces.
– Ah! Eras escrava de dentro... és boa cozinheira? Deixa ver os dentes.
Esméria mostrou duas ordens de dentes brancos, iguais e perfeitos.
– Sabes costurar?
– Sei, minha senhora.
– Vai descansar.
A crioula tomou a benção à senhora, e retirou-se com os olhos baixos e com alegre esperança no coração.
Teresa ficara refletindo; a escrava lhe convinha para o serviço doméstico; receava, porém, perturbar as suas relações freqüentes com o Pai-Raiol, de quem a supunha útil refreadora de malvados instintos; assentou, porém, que tudo se resolveria convenientemente retendo em casa a escrava de dia, e dando-lhe a liberdade da senzala durante a noite.
Restava disputar a Paulo Borges uma enxada da sua roça; mas Teresa conhecia bem o caráter de seu marido, e o amor um pouco áspero, porém real e profundo, que lhe devia.
À primeira palavra que a mulher pronunciou, pedindo-lhe Esméria, Paulo Borges fez-se carrancudo e bradou que tinha a casa já cheia de negras vadias.
– Está bem – disse Teresa. – Não falemos mais nisso.
E ela não falou; mas ficou levemente contrariada e triste.
Paulo Borges entrou, saiu, tornou a entrar dez vezes na sala de jantar, e a sair dela outras tantas; por fim não saiu mais, acabando por ser ele quem pediu a Teresa para aceitar Esméria.
Está entendido que a crioula não voltou mais à roça.
Era uma escrava esperta, hábil e ativa: criara com o fingimento mais friamente calculado uma segunda natureza para o seu viver na escravidão; sua humildade nunca se desmentia, sua disposição alegre no trabalho a tornara estimada da senhora; pela sua inteligência, agilidade e zelo valia ela só duas ou três escravas.
Esméria lavava, engomava e costurava bem; mas sobretudo na cozinha nenhuma das parceiras a igualava.
Não tinha vontade que não fosse a de sua senhora: aceitou a liberdade da senzala durante a noite, como se obedecesse a uma ordem.
Carinhosa e paciente com as crianças, tinha sempre uma cigarra, um ninho roubado aos passarinhos, um objeto de distração para os pequeninos senhores-moços, um menino e uma menina que por isso a procuravam de contínuo.
Teresa abria seu coração de mãe ao reconhecimento suavíssimo daqueles carinhos da crioula.
A escrava pouco e pouco ia por sua vez cativando a senhora.
Paulo Borges admirava e louvava o acerto de sua esposa.
Teresa, falando de Esméria em suas íntimas conversações com o marido, repetia-lhe sempre:
– Esta escrava foi a minha sorte grande, senhor Paulo; não se encontram duas assim.