O zelo da mais santa amizade, teceu delicado véu para encobrir o vergonhoso procedimento de Cândida. Segundo as explicações de Frederico, a pobre moça tomada de delírio febril saíra de casa e correra em desatino pela rua, onde ele e Liberato a encontraram só, e portanto isenta de comprometimento que a desdourasse.
Os médicos chamados para socorrer Leonídia, tiveram também de prestar instantes cuidados a Cândida, e reforçaram as explicações de Frederico, declarando-a atacada de gravíssima afecção cerebral a que chamaram meningite.
As folhas diárias, dando conta da prisão de Dermany, informaram, que a diligência policial se efetuara com extraordinária habilidade, sendo o criminoso surpreendido quando acabava de entrar no cortiço com uma mulher de ruins costumes, que aliás fugira precípite ao ver preso o sócio de suas orgias.
Lucinda e o pajem fiel de Florêncio da Silva tinham desaparecido.
Aparentemente ao menos, a reputação de Cândida achava-se escudada; mas só aparentemente, porque havia ainda outros escravos na casa, além do pajem e da mucama; esses porém tremiam e ainda não ousavam detrair...
Todavia a situação da família de Florêncio da Silva era duplamente lutuosa; porquanto Cândida não dava esperanças de salvar-se, e Leonídia ia agravando sempre mais as tristes apreensões dos médicos.
Cândida tinha acessos de delírio terrível, e então era de ver a indústria sublime com que Leonídia, distanciava todos, e até seu marido, do lado da filha: ela tinha invenções, idéias, recursos que só as mães os têm.
Uma vez, Florêncio da Silva em consternação, queria por força ficar ao pé da filha; mas Leonídia empurrando-o desesperada para longe, exclamou:
– Ela vai pôr-se nua!... Sai!
Em outro dia, porém, a mísera mãe a sós, e sem temor de algum outro ouvido, a desgraçada mãe a soluçar, a retorcer-se de dor, ouviu na voz do delírio choroso e pungente a relação entrecortada, repetida, mas então completamente feita de todos os erros, de todas as misérias de sua filha, e até da convicção de um estado que não era real, e que se o fosse, como ela supunha, exibiria vivo testemunho da desonra.
Então Leonídia desfeita em lágrimas, em aflição extrema, quando terminou o acesso do delírio, ajoelhou-se junto ao leito, apertou entre as suas as mãos ardentes da filha, e com voz gemente, cheia de ternura indizível, de verdade profunda, de consolação lúgubre, e, deixem-nos dizê-lo assim, de desespero resignado, disse:
– Minha filha! Meu bem! Meu anjo! Minha Cândida! Morre! Morre, minha filha; tu deves morrer: não fales mais... não delires mais... morre, meu anjo! Olha... eu também vou morrer...
E beijando mil vezes as mãos de Cândida, repetia:
– Morramos, minha filha, querida!... Tu deves morrer...
– Oh, minha mãe!... Minha mãe! Eu não quero que morras! Eu perdôo, esqueço todos os desvarios de Cândida e lhe darei o meu nome!
– Frederico!... – exclamou Leonídia, levantando-se.
– Frederico estava em pé atrás de sua mãe adotiva, e com o rosto banhado em pranto.
Viverás, minha mãe?... – perguntou ele ternamente.
Leonídia humilhada e comovida, duvidosa e esperançosa, fora de si pela confusão, pela vergonha, pela dor, por mil sentimentos diversos, em vez de responder, também perguntou:
– Ouviste... o horror do seu delírio?...
– Ouvi tudo... sei tudo...
– E tu... Frederico?... Ainda assim... Frederico?...
– Viverás, minha mãe?...
Leonídia tomou as mãos do mancebo, encarou-o de face, e com os olhos em fogo, com admiração inexprimível, com a voz um pouco rouca, com acento de gratidão sublime, disse, sem pensar no que dizia, e como estupefata: – De que altura és tu?
– Oh, minha mãe!!!
A extremosa mãe lançou-se sobre Cândida, e abraçando-a bradou:
– Vive, minha filha!... Vive, minha filha! Vive! Vive!
Cândida pareceu sorrir triste, mas docemente, ao brado do coração de sua mãe.