Lucinda tinha começado a vencer as revoltas do pudor de Cândida: em tais casos a primeira vitória por mais simples que pareça, é sempre segura precursora de outras.
A menina vergonhosa e atarantada nos primeiros dias, depois atenta, mas fingindo-se apenas tolerante, e por fim já sem disfarce curiosa e provocadora, prestou-se à conversação da escrava licenciosa, que cada vez mais atrevida, ultrajou impunemente a castidade dos seus ouvidos, poupando-os somente ao patuá imundo da cozinha.
Custa a admitir que uma menina que se educa, que por pouca instrução que tenha recebido e pela sua posição e costumes tão superior em inteligência, tão elevada moral e socialmente se acha e se reconhece em relação à mucama, se deixe influenciar e induzir por esta, a ponto de sacrificar o seu pudor para ouvir-lhe a lição perversa, que a sua própria consciência reprova, pois que ela a esconde de seus pais e de sua família.
A curiosidade vivíssima e natural das meninas é a chave que abre a porta da influência das mucamas; o conhecimento dos primeiros segredos é incentivo irresistível para o desejo de saber outros; finalmente tão simples, tão natural se afigura esclarecer-se logo sobre o que há de por força ser esclarecido mais tarde! A mucama é pois um recurso para a curiosa, a mais aproveitável das reveladoras, pois que revela espontaneamente, sem necessidade de rogativas que vexam.
Pobres meninas de país onde existe a escravidão!...
Cândida não sentiu surpresa, nem perturbação, quando um dia se achou moça feita, conforme as prévias explicações de Lucinda: teve apenas de aparentar ignara confusão aos olhos de sua mãe, que então ensinou à filha muito menos da metade do que a filha já sabia.
A mucama fora a primeira a aplaudir o acontecimento, e insistindo em conselhos que desde algum tempo se esforçava em fazer aceitar, disse:
– Agora não pode mais continuar esta vida de freira, que minha senhora leva: é preciso ir ao teatro e aos bailes, para que os moços vejam e adorem a formosura de minha senhora.
Lucinda calculava com a liberdade em que a deixariam os bailes e a noites de teatro, e principiava a sonhar futuros dependentes do casamento de Cândida.
A donzela não menos desejava saraus e festas: já tinha feito treze anos reputava-se formosa e deslumbrante, e na verdade era linda.
Florêncio da Silva anunciou à Cândida a sua primeira noite de baile cerimonioso e formal.
Cândida ia pois iniciar-se na vida elegante, artificial, e esplêndida das sociedades: saiu para o baile vestida com a mais falsa simplicidade; o seu vestido branco era mais rico e mais caro do que dois ricos vestidos de seda; entrou no salão trêmula e palpitante, o sussurro levantado pela admiração que causara sua beleza confundiu-a a princípio; os elogios e as lisonjas que ouviu, embora a aditassem, como que a tontearam; a contradança e ainda mais a valsa com cavalheiros apenas conhecidos, mas estranhos à casa de seu pai a acanharam: passou a noite em emoções, em enleios, em dúvidas de si, em dédalos de idéias, e em observação medrosa.
A primeira noite de baile é para a donzela que se apresenta à sociedade o gozo vago de encantos que atordoam, perturbado pelo receio de erros, pelo temor de inconveniências, pelo pejo que despertam a contemplação e a fixidade de cem olhos curiosos, pela magia da novidade, e pelo império da imaginação que inventa, adivinha, e teme o que não há.
Na primeira noite de baile a donzela quase que não goza, alucina-se.
Cândida voltou para casa, levando o coração cheio das emoções do baile, mas com o espírito absorto, e a cabeça como em rodamoinho.
Uma única idéia positiva e bem distinta a ocupava e plenamente a satisfazia: tinha a certeza de haver produzido viva impressão e de ter sido reconhecida como rainha do baile pela sua formosura.
Comovida e fatigada, recolheu-se logo ao seu quarto, onde Lucinda a esperava.
Ruminando os elogios que recebera, Cândida postou-se diante do toucador, admirando ainda o seu elegante toilette, e como que de má vontade sujeitando-se a despir as suas armaduras do torneio das graças, da gentileza, e do apurado luxo.
– Então, minha senhora?... – perguntou Lucinda.
– Foi um encanto, um deslumbramento, uma embriaguez dos sentidos... ainda não sei de mim...
– Ora tão formosa como é! Fez inveja a todas as moças...
– Talvez... creio que algumas me olhavam com raiva...
– É bom sinal; e os moços?
– Mal pude reparar neles... eram tantos!...
E entre eles quantos apaixonados?...
– Posso eu sabê-lo?
– É impossível que minha senhora não recebesse esta noite pelo menos cinco ou seis declarações de amor.
– Não recebi nenhuma; todos me disseram pouco mais ou menos a mesma coisa.
– O quê?
– Que eu sou bela, encantadora, anjo da terra, perfeita formosura...
– E nenhum lhe apertou a mão?...
– Oh! Nenhum se atreveu a isso...
– E que mal havia, em que lhe apertassem a mão?... Nenhum lhe pediu uma violeta do seu bouquet!
– Nenhum.
– Nenhum a abraçou pela cintura mais fortemente do que era preciso, dançando a valsa?
– Nenhum.
– Em tal caso minha senhora saiu do baile sem ter feito a conquista de um só namorado.
– E então?
– Oh, minha senhora! É uma coisa triste ir ao baile e não deixar nele um namorado!... É como se não a tivessem achado bonita!
– Pensas isso?
– Certamente.
– Mas todos exaltaram a minha beleza.
– Não basta. Exaltar a beleza de uma moça é apenas dever de cortesia: às vezes até se diz que é linda a moça a quem se acha feia.
– Isso é escárnio.
– Não, minha senhora; é de uso e costume nas sociedades.
– Mas essa prática de mentira é horrível!... Em que pois uma senhora terá a prova segura, de que a julgaram verdadeiramente bela?
– A prova está nas conquistas que ela faz, no número dos namorados que ela cativa nos bailes.
– E portanto, eu não cativei nem um!
– Quem sabe?... Parece-me impossível.
– Asseguro que nenhum me apertou a mão, nenhum me pediu uma violeta do meu bouquet, nenhum me abraçou pela cintura mais apertadamente do que era preciso na valsa, nenhum me fez declaração de amor.
– É incrível! – disse a mucama.
E pareceu refletir seriamente.
Cândida sentida do que acabava de ouvir a Lucinda, afastou-se do toucador, e tratou de despir-se e de acolher-se ao leito.
A mucama ouviu-lhe um triste suspiro.
– Não se desconsole, minha senhora; eu já sei, já adivinhei, como foi tudo.
– Como foi?...
– Minha senhora aturdiu-se no baile, não soube olhar, nem rir, conversar, e pareceu tola.
– Lucinda!
– Há de ver que foi isso: não podia ser outra coisa, sendo senhora formosa como é.