Lucinda rira-se maliciosamente, porque compreendera que espécie de sentimento acabrunhava sua senhora, e foi deitar-se tranqüila com a certeza de que a sua lição não seria revelada a Leonídia, e segura não menos de que Cândida venceria em breve as revoltas de seu pejo, e de novo cada dia mais curiosa se humilharia a pedir-lhe outros e mais audazes esclarecimentos que ela sem dúvida estava disposta a dar-lhe pouco a pouco.
Que interesse tinha a mucama, que prazer achava em toldar a candura do coração da menina, e em encher o seu espírito de conhecimentos de funções naturais ainda alheias à sua idade, e de pensamentos desonestos? É fácil explicá-lo.
A escrava abandonada aos desprezos da escravidão, crescendo no meio da prática dos vícios mais escandalosos e repugnantes, desde a infância, desde a primeira infância testemunhando torpezas de luxúria, e ouvindo eloqüência lodosa da palavra sem freio, fica pervertida muito antes de ter consciência de sua perversão, e não pode mais viver sem violenta imposição fora da atmosfera empestada de semelhantes costumes, e das suas idéias sensuais; a mucama, pois, colocada ao pé da menina inocente, inexperiente e curiosa, leva-a, arrasta-a tanto quanto lhe é possível, para a conversação que mais a encanta, para as idéias e os quadros do seu sensualismo brutal.
Além disso a mucama escrava, que é sempre escolhida entre as mais inteligentes, compara-se com a senhora, e tendo muitas vezes presunção de excedê-la em dotes físicos, tem inveja da sua pureza e procura manchá-la para que ela não tenha essa auréola que nunca sentiu em si.
Finalmente, a mucama compreende por instinto que essa profanação da inocência, essas conversações lúbricas que às ocultas de seus pais a menina permite, estabelecem maiores condições de confiança, que lhe aproveitam, e por isso mesmo que humilham a senhora, ensoberbecem a escrava.
Lucinda era levada por todos esses sentimentos; mas principalmente pelo império que sobre ela tinha o demônio da luxúria.
Aos treze anos de idade a mucama de Cândida só respirava lascívia em desejos, ações e palavras de fogo infernal: sua natureza era sob este ponto de vista impetuosa, ardente e infrene: pelo mister de que estava encarregada, Leonídia não lhe deixava a liberdade do campo, e limitada às devassidões disfarçadas e perigosas da cozinha, desforrava-se da sobriedade imposta com a incontinência da imaginação, e com apaixonado gosto das falas, apreciações e descrições libidinosas, que na cozinha eram repugnantes e hediondas, e na câmara de Cândida seriam apenas comedidas pela necessidade de serem toleradas.
Plácido Rodrigues tinha feito à sua afilhada uma doação fatal.
A menina acordando na manhã seguinte e vendo-se só, apressou-se a tomar seus a vestidos: a mucama porém não tardou a entrar no quarto.
Cândida corou, abaixando os olhos.
– Minha senhora não quer que a ajude a vestir-se? – perguntou Lucinda.
– Quero... sim... – disse Cândida.
Mas evidentemente ela se vexava diante da escrava.
– Minha senhora não faz idéia do corpo bem-feito que tem! Daqui a dois anos...
– Veste-me, Lucinda.
– E que cabelos finos e longos! Minha senhora há de ser a perdição dos moços! Tomara eu já...
A mucama provocava a menina, e esta vergonhosa e perturbada, mas gostando do que ouvia, deixava-a falar.
– Minha senhora parece triste... ficaria ontem enfadada comigo?
– Não... não; mas dormi mal... estou indisposta...
— Ah! Já sei... é o enleio... a confusão... ora!...
– Estás insuportável hoje! – disse a menina.
Diante do toucador, Cândida via a imagem de Lucinda, que se sorria e que a não poupava, e esta como que se deleitava a contemplar a imagem de Cândida que se abrasava nas flamas do pejo.
– Mas minha senhora ainda é tola?... Por que se envergonha assim?... Todas as meninas da sua idade sabem tudo quanto eu lhe disse ontem à noite, e mais ainda, e não se vexam por isso...
– Todas sabem?... – perguntou Cândida.
– Ora!... Não são coisas do outro mundo: minha senhora que nunca esteve em colégio, e é aqui criada como tola, faria rir às outras pela sua simplicidade.
As rosas do pudor abismaram-se, sumiram-se nas faces de Cândida.
– Nos colégios se ensina tudo aquilo?... – tornou, perguntando a menina que se voltou para Lucinda.
– Ora... por certo que não há professoras disso – respondeu a mucama. – As meninas porém ensinam umas às outras, e nenhuma delas é tola.
O qualificativo tola repetido pela mucama ofendia a tola vaidade de Cândida.
– Mas então por que sou educada assim?
– Pois minha senhora pensa que os pais ensinam ou mandam ensinar essas coisas às filhas?
– E no meu caso? Se não fosses tu?...
– Se não fosse eu, e minha senhora ainda não sabe tudo... mas se não fosse eu, quando minha senhora se casasse, seu marido havia de julgá-la simplória... e tola.
A escrava imoral, se não fosse imoral, teria dito:
– Seu marido havia de adorá-la anjo.
Cândida recebeu, adotou o sofisma da mucama, como verdade incontestável.
– Tens razão, Lucinda – disse ela.
Nesse momento Leonídia entrou no quarto de sua filha.
– Em que é que Lucinda tem razão?... – perguntou.
Cândida mostrou à sua mãe o jornal de modas que ficara aberto sobre a mesa e respondeu:
– Lucinda diz que este corpinho de vestido é lindíssimo, e que me convém um vestido assim para o dia de meus anos.
Leonídia examinou o figurino, e logo depois disse:
– A tua mucama não sabe o que diz: o corpinho deste vestido não é talhado para uma menina da tua idade.
Leonídia beijou a face de sua filha que lhe beijara a mão e saiu.
Cândida tinha corado de novo.
Era a primeira vez que mentia à sua mãe.
A escrava devia estar ufanosa da mentira, e portanto do aviltamento da menina livre, da baixeza a que descera sua senhora.