Dançavam.
Leonídia viu Frederico em pé a olhar para as contradanças em que não tomara parte, e chamou-o, mostrando-lhe uma cadeira a seu lado.
– Por que não danças? – perguntou ela a seu filho adotivo.
– Prefiro quase sempre ver dançar os outros – respondeu Frederico.
– Eu sei; mas desde ontem me pareces triste.
Frederico sorriu-se.
– Minha mãe vive sempre em cuidados por mim – disse ele.
– Não é resposta negativa... é subterfúgio...
– Mas se estou contente!
– Conheço-te do berço e de te olhar a meus peitos: desde criança quando em tua alma surge uma nuvem, a nuvem, ainda que teus lábios riam, se escrespa de leve na tua fronte, formando uma pequena ruga oblíqua sobre a ponta interna da sobrancelha do olho esquerdo: a ruga está aí, Frederico.
A fronte do mancebo alisou-se, desmanchando-se a quase imperceptível ruga, que com efeito nela se insinuava.
– Minha mãe é fisionomista! – disse Frederico em tom de gracejo.
– As mães levam tanto tempo a aprender, olhando para os filhos! Frederico beijou com ternura a mão de Leonídia.
– Passeemos um pouco; dá-me o braço... faze-me passear... tu te descuidas de mim.
– Eu?!!! – perguntou o extremoso filho adotivo, como assombrado da acusação.
Leonídia olhou-o com encanto maternal.
– Desconfiado! Não vês que estou brincando?
Passearam ambos em volta da sala e logo depois entraram na câmara onde pouco antes Frederico adormecera na otomana.
Leonídia sentou-se nessa mesma otomana, e fez o mancebo sentar-se junto a ela.
Podiam ali conversar sem ser ouvidos.
Frederico principiava a entrever as intenções de sua mãe, e olhando para o salão encontrou também os olhos suspeitosos e como que suplicantes de Cândida.
Leonídia não reparou naquele encontro de vistas.
– Ontem – disse ela – estavas ali em pé atrás da cadeira de Cândida; teu rosto anunciava sombrio e profundo padecer do coração, ou o pasmo inerte do idiotismo; o rosto de Cândida indicava abatimento e confusão. Duvidei, quis duvidar do que via; mas desde esse momento até inda há pouco a ruga da tua fronte me denunciou severa um erro, algum desvario de minha filha.
– Oh, minha mãe!
– Hoje tens observado constantemente, e embora com estudada dissilação tua irmã; tu a tens observado, Frederico, sem olhos de amor de esperançoso noivo, com olhos porém de irmão zeloso... foi por isso que disse – tua irmã...
– E não o é ela, minha mãe?...
– Tu dormes pouco, e menos do que é preciso, e ainda agora adormeceste nesta otomana; portanto não pudeste dormir esta madrugada. Que pensar de tudo isto?... Noivo ou irmão de Cândida, tu és sempre meu filho: fala. Eu me atormento, porque devo mostrar-me satisfeita e alegre, e tenho n’alma um peso que a esmaga... fugiste-me o dia todo... dize-me o que sabes e depressa... nada me deves ocultar, e eu creio em ti...
Frederico sentiu-se compungido desse sagrado sobressalto maternal e menos por amor de Cândida do que por amor de sua mãe não se animou a fazer a verdade.
– Tranqüilize-se, minha mãe; Cândida não praticou ação alguma que a meus olhos comprometesse sua honra... é uma bela e boa menina... a imaginação de minha mãe cria quimeras...
– E por que estava ela perturbada, e tu por que estavas estupefato... ontem... ontem à hora da ceia?...
– Quem sabe?... Talvez confusão de ambos... Liberato entrou de súbito na câmara, achou-nos conversando quase a sós... não tenho consciência... mas talvez por isso...
– Frederico, tu inventas desculpas...
– Talvez; porque não posso descobrir culpas...
– Meu filho, a contradança vai terminar: jura que não tens de que increpar a Cândida...
– Frederico fez um esforço violento e disse tremendo:
– Sou eu que tenho de que increpar-me.
– Como? Por quê?
– Minha mãe vai talvez amar-me muito menos.
– É impossível.
– Oh, minha mãe! Perdão para Cândida e para mim! Ontem à noite nós abrimos um ao outro nossos corações.
– Então?
– Cândida está pronta a aceitar-me como seu noivo; mas só me ama como seu irmão; e eu estou pronto a considerá-la, como minha noiva; amo porém outra mulher... eis o motivo da nossa comoção.
Leonídia concentrou-se em triste silêncio por alguns momentos; depois apertou entre as suas a mão de Frederico, e disse melancólica:
– Isso me penaliza e me consola: queria-te duas vezes filho; mas dou-me por feliz, reconhecendo Cândida isenta de culpa
– Minha mãe nos perdoa?...
Leonídia sorriu-se para Frederico.
– Sonhávamos demais meu marido, teu pai e eu! Tu nos bastas, filho de todos três, para nossa glória; e Cândida, o meu anjo, com que direito violentar-lhe o coração?... Devia mesmo ser assim: tão irmãos, como poderiam ser amantes?... Abençoados sejam sempre ambos.
E ela levantou-se.
– A contradança acabou – disse Leonídia. – Passeemos ainda... leva-me para fora do salão... preciso respirar livremente...
Frederico deu o braço à sua mãe, e a conduziu até à sala de jantar.
– Cândida deixou de ser tua noiva, meu filho – disse então Leonídia ao mancebo. – Respeito e louvo os sentimentos de ambos; tu, porém, não esquecerás, que és irmão de minha filha.
– Oh! Nunca, minha mãe!
– Talvez, não sei... creio que não... mas talvez eu ame mais a Liberato do que a ti; confio, porém, mais em teu juízo, do que no de Liberato. Meu Frederico, jura-me que serás sempre o zeloso e vigilante amigo, protetor, e em último caso o salvador de tua irmã, da nossa Cândida!
Frederico, profundamente comovido, respondeu:
– Por ti, minha mãe querida e santa, eu juro que o serei até o extremo da dedicação e dos sacrifícios!
– Abençoado sejas, meu filho!
– Mas, pois que prestei o inútil juramento de um dever que cumpriria sem ele, minha mãe também me ouça e me atenda. Cândida é menina, e as meninas nem sempre sabem ser prudentes. Zele Cândida em minha ausência, que eu respondo por ela e pelo seu futuro, quando me achar a seu lado.
E temendo exigência de explicações do que acabava de dizer, Frederico voltou imediatamente ao seio da companhia festiva, deixando Leonídia absorvida em reflexões.
E nem Frederico, nem Leonídia tinham podido ver Lucinda que da porta do quarto de dormir de sua senhora os escutara com ouvido curioso e traiçoeiro.