CARTA I

Werther a Guilherme.

4 de Maio.

Parti com effeito, é meu melhor amigo, e quão satisfeito estou de me haver separado! Como he inexplicavel o coração do homem! Deixar-te, sim, desunir-me de ti, a quem eu amo, de quem eu era inseparavel; como he possivel, deixar-te e estar contente! Eu sei porém que tu me perdoas. Acaso não parecia que a sorte me havia impellido a contratar as outras amizades de tal fórma, que provirião inquietações e tormentos, para hum coração como o meu? Triste Leonor![1] mas eu sou innocente. Era eu por ventura criminoso por haver-se ateado a chamma de huma paixão no seu desgraçado peito quando eu não cogitava de outro objecto mais além de occupar-me de prazer que me causavão os encantos de sua irmã? Com tudo poderei julgar-me perfeitamente innocente? Deixei eu mesmo de nutrir os seus sentimentos? Não mostrei tantas vezes satisfação em escutar aquellas expressões que me dirigia marcadas com o cunho da natureza e da verdade, e que a ambos provocavão o rizo do prazer? Não tenho eu... O que he o homem? E como se atreve a lamentar-se? Hei de emendar-me, sim, meu amigo, eu te prometto que: hei de corrigir-me. Não quero por mais tempo gostar o veneno amargo que o destino mistura na taça da vida. Gozarei do presente, e o passado terá com effeito passado para mim, Na verdade, tu tens razão, querido amigo; a dose de tristeza e pezares, seria muito menor para os homens (Deos sabe porque assim forão formados), se a sua imaginação não fosse tão susceptivel de exaltar-se, conservando perennemente a memoria dos males passados em lugar de supportar de sangue frio o presente.

Dize á minha Mãi, que eu não pouparei desvelos e diligencias, quanto em mim couber, para concluir os negocios que me incumbio, e que sobre este assumpto eu lhe escreverei quanto antes. Fallei á minha Tia, e não encontrei aquella malevolencia, e máo genio, em fim, aquella Megera, que me havião representado: he huma mulher de muita viveza, hum pouco irascivel; mas tem o melhor coração. Expuz-lhe a razão de queixa que minha Mãi fórma sobre a herança que ella aeaba de ter. Mostrou-me os seus titulos, e os motivos de sua justiça, e tambem me expoz as condições com que se presta a restituir ainda mais do que nos exigimos.... Basta sobre este assumpto. Dize a minha Mãi que tudo irá bem, Ah! meu bom amigo, experimentei neste insignificante negocio que a negligencia e impericia causão mais desordem neste mundo, do que o artificio e a maldade: pelo menos as duas ultimas são mais raras. Em fim, acho-me bem aqui. A solidão destes lugares celestes he hum balsamo para o meu coração que sente reanimar-se e vigorar-se com os encantos da primavera. Não ha bum só arbusto, huma unica arvore que vão esteja florida, parecendo aos olhos variados ramalhetes de flores; fazendo nascer o desejo de converter-se o homem em borboleta para nadar neste mar de perfumes, e poder ali achar todo o seu sustento. A cidade he desagradavel. Em recompensa, a natureza brilha com todo o seu esplendor nos arredores: foi o que induzio o defunto Conde de M.*** a mandar plantar hum jardim sobre hum dos outeiros visinhos, onde a natureza espalha os seus thesouros com huma profusão e huma variedade incriveis, que formão os mais deliciosos valles. O jardim he singelo, e bem se conhece, logo que ali se entra, que o seu autor traçando o plano delle, era menos hum jardineiro escravo das regras que a arte prescreve, do que hum homem sensivel e de bom gosto, que o tinha delineado só para seu recreio. No gabinete de verdura que está quasi destruido, e que era o retiro favorito do Conde, bem como he agora meu, já derramei lagrimas de saudade, tributo devido á sua memoria. Não tardará o momento em que me veja possuidor deste jardim. Nestes poucos dias que estou aqui tenho conciliado a boa vontade do jardineiro com o meu gosto: elle não terá razão para arrepender-se.


  1. Suppõe-se que este primeiro objecto da affeição de Werther já não existe, e não tem relação alguma com a historia que se segue.