CARTA II.

 

Maio 10.

Reina na minha alma huma serenidade admiravel e encantadora, semelhante ás doces e agradaveis madrugadas da primavera, cujo encanto cerca meu coração. Estou só, e neste lugar, produzido expressamente para habitação de almas como a minha, a vida parece-me deliciosa. Eu sou tão feliz, meu amigo, estou tão abysmado no sentimento da minha existencia tranquilla, que os meus talentos padecem. Não posso desenhar, não sei mesmo fazer hum traço de lapis; e com tudo eu jámais fui melhor pintor do que neste nomento. Quando a planicie que me he tão grata se cobre de hum espesso vapôr; quando o sol ao meio dia parece pousar sobre o meu pequeno bosque, cuja obscuridade não póde penetrar; quando apenas alguns raios escapando a furto por entre as folhas conseguem chegar ao fundo deste sanctuario; quando deitado ao pé da cascata, no meio da alta erva que me encobre, e que por este modo tendo a cabeça junto á terra ali descubro mil familias de plantas medicinaes; quando eu contemplo de mais perto esta variedade e innumeravel multidão de insectos e bichinhos, e que o meu espirito sente em si mesmo a presença do Supremo Ente Omnipotente que nos formou á sua imagem, e cujo sopro nos sustenta e nos conduz ao foco eterno do prazer: amigo, quando finalmente fixo os olhos sobre todos estes objectos, e que este vasto universo vai gravar-se na minha alma da mesma fórma que se esculpe a imagem de huma amante que se adora, então eu sinto inflammarem-se os meus desejos, e digo a mim mesmo: Que te não seja possivel exprimir o que sentes com tanta vehemencia! Que não possas traçar sobre o papel, com caracteres de fogo, hum sentimento de que te achas tão intimamente penetrado, tornando-o por este meio o espelho da tua alma, bem como a tua alma he o espelho do Eterno! Amigo.... Mas eu succumbo ao fausto e á grandeza destas apparições sublimes.