Se o leitor já amou imagine qual não seria o desespero de Ernesto, descobrindo um rival em Valentim. A primeira pergunta que o pobre namorado fez a si mesmo foi esta:
— Ama-lo-á ela?
Para responder a esta pergunta Ernesto preparou-se a averiguar o estado do coração da moça.
Não o fez sem algum despeito. Um sentimento interior dizia-lhe que Valentim lhe era superior, e nesse caso suspeitava o pobre rapaz que o triunfo coubesse ao rival intruso. Neste estado fez as suas primeiras indagações. Ou fosse cálculo, ou natural sentimento, Clarinha, às primeiras interrogações de Ernesto, mostrou que era insensível ao afeto de Valentim. Nós podemos saber que era cálculo, apesar de me servir este ponto para eu atormentar um bocado os meus leitores. Mas Ernesto viveu na dúvida durante alguns dias.
Um dia, porém, convenceu-se de que Clarinha continuava a amá-lo como dantes, e que portanto o iludido era Valentim. Para chegar a esta convicção lançou mão de um estratagema: declarou que se ia matar.
A pobre moça quase chorou lágrimas de sangue. E Ernesto, que tinha tanta vontade de morrer como eu, apesar de amar doidamente a prima, pediu-lhe que jurasse que nunca amaria outro. A moça jurou. Ernesto quase morreu de alegria, e pela primeira vez, apesar de serem primos, pôde selar a sua paixão com um beijo de fogo, longo, mas inocente.
Entretanto, Valentim embalava-se nas mais enganadoras esperanças. Cada gesto da moça (e ela os fazia por garridice) parecia-lhe a promessa mais decisiva. Todavia, nunca Valentim alcançara um momento que lhe permitisse fazer uma declaração positiva à moça. Ela sabia até onde convinha ir e não dava um passo adiante.
Nesta luta íntima e secreta passaram-se muitos dias. Um dia entrou, não sei como, na cabeça de Valentim que devia sem prévia autorização pedir ao velho a mão de Clarinha. Acreditando-se amado, mas supondo que a ingenuidade da pequena era igual à beleza, Valentim julgou que tudo dependia daquele passo extremo.
O velho, que aguardava aquilo mesmo, armado de um sorriso benévolo, como um caçador armado da espingarda à espera da onça, apenas Valentim fez-lhe o pedido da mão da filha, declarou que aceitava a honra que o moço lhe fazia, e prometeu-lhe, nadando em júbilo, que Clarinha aceitaria do mesmo modo.
Consultada particularmente acerca do pedido de Valentim, Clarinha não hesitou um momento: recusou. Foi um escândalo doméstico. Interveio a tia, munida de dois conselhos e dois axiomas, para convencer a rapariga de que devia aceitar a mão do rapaz. O velho assumiu as proporções de semideus e atroava a casa; finalmente Ernesto exasperado prorrompeu em protestos enérgicos, sem poupar alguns adjetivos mais ou menos desairosos para a autoridade paternal.
Do que resultou ser o rapaz expulso de casa pela segunda vez, e ficar assentado de pedra e cal que Clarinha casaria com Valentim.
Quando Valentim foi de novo saber do resultado do pedido, o velho afirmou-lhe que Clarinha consentia em aceitá-lo por marido. Valentim manifestou logo um desejo legítimo de falar à noiva, mas o futuro sogro respondeu-lhe que ela se achava meio incomodada. O incômodo era nem mais nem menos resultante das cenas a que dera lugar o pedido de casamento.
O velho contava com a docilidade de Clarinha, e não se iludia. A pobre menina, antes de tudo, acatava o pai e recebia as ordens dele como se foram artigos de fé. Passada a primeira comoção, teve de resignar-se a aceitar a mão de Valentim.
O leitor, que ainda anda à procura das astúcias do marido, sem que ainda tenha visto nem marido, nem astúcias, ao chegar a este ponto exclama naturalmente:
— Ora, graças a Deus! já temos um marido.
E eu, para furtar-me à obrigação de narrar o casamento e a lua-de mel, passo a escrever o terceiro capítulo.