LI. O ENGENHO

Trancoso, o negociante e os visitantes, transpondo a porteira do pasto, abandonaram a estrada real, que passava à esquerda, e dirigiram-se logo para o lado oposto, que era justamente o lado da bagaceira, e onde o movimento era maior. Costearam o engenho pela parte de baixo. Esta face era meio fechada por uma parede baixa, de dois metros de altura; no canto, à esquerda, somente, a parede se elevava até o teto. Por cima da meia parede, viam-se os bustos suarentos de quatro homens, movendo-se por entre nuvens de uma fumaça esbranquiçada, que se derramava para todos os lados.

— Aqui estão as caldeiras e os tachos em que se cozinha o açúcar. Esta fumaça vem do caldo de cana fervendo... — comentou Juvêncio.

Ao dobrar o canto da direita, em baixo, notaram com espanto os dois meninos uma ribanceira que ia dar a um fosso, no fundo do qual um preto robusto bracejava, movendo grossos toros de lenha; viram também, na parede que se levantava em face dele, uma larga abertura mostrando o interior incandescente de uma fornalha.

— É a fornalha do engenho? — perguntou Carlos, sem hesitar.

— É sim, — respondeu-lhe Juvêncio.

Contemplaram-na um instante, e, rodeando-a, penetraram na grande usina agrícola. O interior era o de um vasto galpão aberto, exceto para o lado da estrada real, fechado pela parede que ia até o teto. Num pequeno patamar, sobranceiro à divisão onde ferviam os caldos de açúcar, estava o dono do engenho, um homem já idoso, mas robusto, tez queimada, olhar apagado, e fronte enrugada. Trancoso dirigiu-se logo para ele; os rapazes ficaram de pé, ao lado, atentos ao enorme movimento que os cercava; e mal tinham espalhado o olhar em torno, tiveram de apartar-se espremendo-se contra o patamar, para dar passagem a um rapazote conduzindo um burro que arrastava um largo couro de boi. Dirigindo-se para a moenda, que se levantava no meio da casa, rapazote desatrelou o couro arrastado, e prendeu aos peitorais do animal os tirantes de um outro couro que ali se achava, já cheio de bagaço, e retirou-se, depois de bem ajustar o couro vazio para receber o bagaço que saía da moenda.

— Aquilo é a moenda, — explicou Juvêncio, apontando com o dedo a espessa engrenagem de ferro, em cuja parte superior se viam três cilindros, movendo-se em sentidos contrários.

Um homem e uma mulher não paravam, apanhando as canas, às duas e às três, encostando-as aos cilindros da moenda, por entre os quais os caules lisos desapareciam, tragados em segundo, e surgindo do outro lado, transformados em bagaço. Os cilindros moviam-se apertadíssimos e as canas comprimidas chiavam e esguichavam longos fios de caldo, que vinham pintar a face dos “metedores”.

Perto da moenda, um pouco abaixo, fixava-se o motor, — a máquina a vapor; o volante, alto de três metros, girava com um velocidade tal, que mal podia o olhar acompanhá-lo com as suas voltas.

O ruído do motor batendo surdamente, o chiado do esguicho do caldo, o ranger da moenda, o baque das canas atiradas, o arfar dos tachos cheios do melado fervente, as vozes dos trabalhadores, — tudo isso formava um alarido contínuo, um concerto de rumores confusos, uma atmosfera de sons atroadores...

E perto do motor, por trás do volante, erguia-se uma vasta chaminé, que furava o teto.

Trancoso explicava aos três rapazes o funcionamento de todas as máquinas; e notava:

— O que estão vendo é apenas uma usina rudimentar. Há engenhos de açúcar, cujo maquinismo é muito mais complicado do que este. Mas, enfim, já isto basta para satisfazer-lhes a curiosidade...