LIX. O GIGANTE DE PEDRA

Ainda a noite enchia todo o céu e cobria toda a terra, e já todos os passageiros estavam acordados, na tolda, ansiosos por admirar o espetáculo da entrada da barra do Rio de Janeiro. No escuro, os vultos moviam-se como fantasmas, falando alto e rindo; e todos esperavam com entusiasmo o gozo artístico que a contemplação do panorama lhes prometia. O primeiro luzir da manhã já encontrou Carlos e Alfredo de pé, ao lado dos outros, encostados à amurada, do lado da proa.

Quando o paquete enfrentou a barra, uma leve cor de rosa desmaiada começava a tingir as montanhas cujos vultos imensos pareciam defender zelosamente a entrada do porto, como sentinelas de pedra. O paquete diminuiu a marcha. Com o lento clarear da aurora, a luz do farol da ilha Rasa, que varria intermitentemente as águas, empalidecia. Uma claridade mais forte cobriu de repente o Pão de Açúcar, que se erguia à esquerda do navio, formidavelmente, dominando as águas. À direita, tremeluziam esmaecidas as luzes da fortaleza de Santa Cruz. Os dois meninos, calados e trêmulos de emoção, contemplavam embevecidamente o extraordinário espetáculo. Todo o céu parecia agora arder num incêndio espantoso; e as nuvens, que se enchiam de chamas, refletiam-se no mar, que também fulgurava, coberto de fogo...

Quando o navio lentamente passou entre Santa Cruz e Lage, um enorme leque de varetas de púrpura subia do nascente; daí a pouco, essa púrpura principiou a dourar-se toda, — e a claridade vitoriosa do sol iluminou a Bahia.

— Que maravilha! — exclamava vários passageiros.

Carlos, respondendo a uma das multiplicadas perguntas de Alfredo, teve de explicar-lhe que a denominação de “Rio de Janeiro” foi dada, porque no dia 1º de Janeiro, os primeiros navegantes, chegando a essa baía, supuseram estar diante da foz de um grande rio.

Mais longe, quando os dois estavam admirando em conjunto as serras, um passageiro lhes chamou a atenção para o famoso “Gigante de Pedra”.

— Que gigante? — perguntou Alfredo.

— Pois não reparou? Quando se enfrenta a barra, parece que as serras formam o vulto imenso de um homem deitado... Vêem-se perfeitamente a cabeça, o peito, as pernas... A semelhança é ainda melhor, quando se vê do lado do sul, quando os navios entram a barra, vindo dos Estados meridionais.

— É verdade! — exclamou o pequeno — reparei! É perfeito! E parece a figura de um índio...

— Justamente! Já houve um grande poeta brasileiro que cantou o “Gigante de Pedra”.

— Quem foi?

— Gonçalves Dias. Não conhecem a poesia?

— Não. Como é?

— Guardo apenas de memória algumas estrofes:

E lá na montanha, deitado, dormindo,

Campeia o gigante, — não pode acordar!

Cruzados os braços de ferro fundido,

A fronte nas nuvens, os pés sobre o mar!

Nas duras montanhas os membros gelados,

Talhados a golpes de ignoto buril,

Descansa, ó gigante, que encerras os fados,

Que os términos guardas do vasto Brasil!