LVII. A TEMPESTADE

No dia seguinte, logo depois do meio dia, o calor apertou. O sol queimava. Quase não havia viração. Por volta das duas horas da tarde, uma nuvem negra começou a crescer no céu, sobre a proa do navio. Carlos e Alfredo ouviram o comandante dizer:

— Não tarda muito que a encontraremos! Caminhamos para ela, e ela caminha para nós.

— Ela, quem? — perguntou Alfredo curioso.

— A tempestade.

— Jesus! — exclamou o pequeno, empalidecendo — uma tempestade?! Então, estamos perdidos?!

O comandante passou-lhe a mão pela cabeça, e disse, gracejando:

— Fique sossegado, que ainda não chegou a hora da sua morte! A tempestade, que aí vem, não há de passar de uma boa trovoada, com uma boa carga de chuva...

A nuvem crescia cada vez mais. Agora uma viração passava. Ouvia-se longe o ronco do trovão. O navio começou a jogar com mais força. Quase todos os passageiros de primeira classe estavam na tolda, ao lado do comandante admirando o espetáculo do crescer da tormenta.

— Aqui as tempestades nunca são violentas. Para um marinheiro velho, como eu, a que nós vamos ver não passa de uma brincadeira! Tempestades terríveis já vi eu!... E no mar largo, longe de todo e qualquer pedaço de terra, longe de todo e qualquer auxílio, durante longos dias seguidos!

— Qual foi a mais terrível tempestade que já viu, comandante? — interrogou um passageiro.

— Foi uma que vi no Pacífico, há uns vinte anos.

Enquanto o comandante falava, amiudavam-se os trovões. Com incrível rapidez, a nuvem crescera e cobrira todo o céu. As ondas avolumavam-se, encrespando-se, e balançando o paquete. Começaram a cair alguns pingos de água.

— Já aí está a chuva... Daqui a pouco teremos o sol de novo, porque a tormenta vai em direção oposta à nossa. É bom que vamos para dentro, se não quisermos ficar inteiramente molhados...

Entraram para a sala de fumar. A chuva desabou com extraordinária violência.

— E como foi essa tempestade de que o senhor nos falava, comandante? — perguntou Carlos.

O oficial contou logo.

— Foi, como ia dizendo, no Oceano Pacífico. Estávamos em viagem de instrução, a bordo de uma corveta de guerra. Tínhamos atravessado o estreito de Magalhães, e íamos para a Austrália. Nesse ponto do globo as tempestades são tremendas... Ficamos seis dias sem governo, à mercê das ondas. A tormenta começou ao amanhecer de um Sábado, e só amainou na Quinta-feira à tarde. Logo no primeiro dia, a fúria do vento despedaçou algumas velas, e começou a impedir todas as manobras. Era quase impossível estar no convés: o vento queria carregar tudo quanto achava no seu caminho, e soprava com uma violência incrível. Havia ondas, que mais pareciam verdadeiras montanhas, subindo a uma altura extraordinária, e vindo desabar com fragor dentro do navio. Não havia a bordo um só lugar enxuto. Não comíamos, não dormíamos, estávamos extenuados de fadiga e de fome. No quarto dia quebrou-se o leme... Foi então que nos consideramos perdidos... O navio, sem governo, dançava sobre as águas ao capricho do vendaval, e de instante a instante estávamos vendo chegar o momento da catástrofe final. Essa situação desesperadora ainda durou dois dias, ao cabo dos quais, quando já todos contávamos com a morte inevitável, o tempo melhorou de súbito.

— E ninguém morreu? — perguntou Alfredo.

— Perdemos dois homens, arrebatados das vergas pelo tufão... A bordo, estava tudo quebrado. Além da perda do leme, ainda tivéramos a do mastro grande, lascado por um raio. Foi nessa triste situação que nos encontrou um navio francês, ao qual devemos a salvação. A corveta foi conduzida até Sidney. Felizmente, a tempestade levara-nos até perto da Austrália...

— Não sabiam que estavam perto? — indagou o pequeno.

— Nada sabíamos, porque estávamos sem bússola, sem sextante. Tínhamos perdido tudo. Foi por um verdadeiro milagre que não perdemos também de todo a corveta...

A chuva cessara, como o tinha previsto o comandante. Saíram todos para a tolda.

A tempestade já ia longe. O sol brilhava de novo sobre o mar, e o paquete continuava sem novidade a sua marcha.

— A que hora chegaremos amanhã ao rio? — indagou alguém.

— Devemos chegar ao romper do dia — respondeu o comandante.