LV. A PARTIDA
A manhã do dia da partida foi toda empregada nos preparativos da viagem. Carlos e Alfredo ficaram munidos de boa roupa, — porque os parentes haviam recomendado ao negociante que lhes fornecesse todo o necessário. À sua custa, Inácio Mendes, também deu alguma roupa a Juvêncio, que devia ficar morando em sua casa, até seguir para Manaus. Um outro telegrama foi expedido para o Rio Grande, anunciando o embarque dos órfãos; e estes, depois de se despedirem da senhora do negociante, de Maria Nazaré, e Georgina, e do pequeno Otávio, desceram para embarcar.
No cais, esperando o bote que os devia levar ao navio, Carlos e Alfredo sentiram o coração apertado e não disfarçavam as lágrimas que lhes molhavam os olhos. Doía-lhes a separação. Ambos estimavam Juvêncio, como se ele fosse verdadeiramente um irmão. Juvêncio também estava triste; mas o seu bom senso, a sua inteligência prática de sertanejo faziam-no aceitar como uma fatalidade inevitável aquele apartamento.
— Isto não podia durar sempre! — dizia ele — e, depois, não vai haver uma separação; não se lembram do nosso juramento?
— E hei de sempre lembrar-me dele! — exclamou Carlos.
— E eu também! — acrescentou Alfredo.
— Pois, então? Ainda nos encontraremos, e sempre seremos amigos!
— Sim! — observou o mais velho dos irmãos — mas sempre é uma tristeza que você não venha conosco... Quando me lembro do que lhe devemos...
— Nem diga isso! — atalhou o sertanejo — que é que os senhores me devem? Eu é que lhes devo tudo! Se não fossem os senhores, eu não teria encontrado este homem, que me tratou como nunca tive quem me tratasse, acolhendo-me com carinho, dando-me trabalho, e encarreirando-me na vida!
E, comovido, beijou a mão do negociante.
— Bem! Bem! — disse, enternecido, Inácio Mendes, esquivando-se aos agradecimentos — que é isto? Eu, se vou fazer alguma cousa por você, é porque você o merece. E aí está o bote...
desceram os degraus da escada de pedra, e tomaram lugar no bote, que, logo impelido pelas remadas fortes dos dois catraeiros, começou a afastar-se do cais.
A bordo, as despedidas foram rápidas e comovedoras. Inácio Mendes apresentou os meninos ao comandante e ao comissário do paquete, e abraçou-os carinhosamente, repetindo as recomendações que havia feito:
— No Rio de Janeiro, logo que chegar o vapor, irá recebê-los a bordo esse amigo, para quem lhes dou uma carta e a quem vou telegrafar logo que salte. Ele providenciará para que vocês sigam brevemente e com toda a segurança para o Rio Grande. Hão de ser tão bem acolhidos por ele, como foram por mim.
Entre Juvêncio e os rapazes ficou combinado que se escreveriam amiúdo:
— Quero umas cartas bem compridas, Juvêncio! — recomendava Alfredo. — Você há de mandar dizer tudo quanto lhe acontecer!
— Prometo! Prometo!
Um último abraço, ainda mais apertado do que os outros, pôs termo às despedidas. Inácio Mendes e Juvêncio tomaram de novo lugar no bote, que lentamente se foi distanciando do costado do navio.
Carlos e Alfredo ficaram por muito tempo agitando os lenços no ar.
Quando o bote se escondeu ao longe, entre as outras pequenas embarcações que enchiam o mar junto ao cais, os dois meninos deixaram-se ficar encostados à amurada, olhando as águas e a cidade longínqua.
Ao longo do litoral côncavo, alinhavam-se as casas imensas do bairro comercial, de quatro e cinco andares, como uma alta muralha, tapando o horizonte, e toda furada de janelas pequenas e simétricas. O sol declinava. O céu tocava-se de leves tons cor de rosa.
Carlos passou o braço pelo ombro do irmão, e beijou-o na testa...
O que mais o consolava era isto: o pai por várias vezes lhe recomendara que fossem sempre amigos, sempre unidos; e, felizmente, ali estavam eles, ao cabo de tantas aventurar e de tantos desgostos, sempre unidos e sempre amigos...