LVI. AS JANGADAS
O paquete, em que partiam para o sul Carlos e Alfredo, era novo. Era aquela a sua sétima viagem. A bordo, tudo reluzia, limpo e brunido; brilhavam os metais; os soalhos, lavados todas as manhãs a grandes jorros de água, estavam de um irrepreensível asseio.
O comandante, a quem os dois meninos tinham sido apresentados por Inácio Mendes, e que os havia recebido com carinho, era um antigo oficial da marinha brasileira, agora reformado. Era alegre e bondoso, amigo de conversar. Logo na tarde do primeiro dia de viagem, viram-no os dois irmãos na tolda, olhando o mar e conversando com um grupo de passageiros. Aproximaram-se dele.
Não se via a costa. O mar estava calmo. O sol fulgurava sobre as ondas, dando-lhes uma coloração de seda azul achalamotada. O paquete, deixando na água um rasto de espumas e no ar um longo penacho de fumaça, guardava uma bela marcha. Carlos e Alfredo notaram que o comandante e os passageiros olhavam com insistência um ponto distante, muito ao longe. Firmaram a vista, e descobriram um ponto branco, que oscilava, muito afastado do paquete.
— É uma jangada! — estava o comandante, dizendo aos companheiros.
— Mas, assim tão longe da costa?! — não pôde deixar de exclamar o mais velho dos dois irmãos.
— Pois, então?! — disse, sorrindo, o comandante — os jangadeiros não têm medo do mar alto.
— É uma gente de uma bravura extraordinária! — afirmou um dos passageiros.
— Se é... Aqui não é muito comum o encontro de jangadas. Onde elas aparecem em maior número é da Bahia para cima. Ao longo de toda a costa do norte do Brasil, as águas estão sempre cheias dessas pequenas embarcações.
— E para que servem? — interessou-se Alfredo.
— Para a pescaria, — explicou o comandante. — Os jangadeiros são pescadores.
Agora, o pequenino ponto branco pouco a pouco ia ficando mais distante.
— Mas sempre é preciso ter muita coragem para afrontar assim os perigos do mar!
— É uma questão de hábito, — disse o comandante. — Essa gente está tão acostumada a arriscar a vida que já nem pensa nisso. Em cada uma dessas tábuas oscilantes, há sempre um homem, de pé, equilibrado, desafiando e vencendo a morte, manejando o remo fino, ou lançando a linha de pescar. Às vezes uma onda mais forte sobe para o céu, como uma montanha; jangada e jangadeiro desaparecem; mas, quando a onda cai sobre si mesma, a embarcação e o homem aparecem de novo, a embarcação sempre leve e linda sobre o mar azulado, e o homem sempre firme e sereno, tão calmo como se estivesse pisando a terra...
— Bravo! — exclamou Alfredo; — que gente!
— Em Pernambuco, e em todo o norte do Brasil, há milhares de criaturas que vivem assim, nessa trabalhosa existência, expondo-se aos naufrágios, para ganhar o pão de cada dia... Esses homens fazem-se ao mar ao romper da manhã, e vêem o dia todo escoar-se lentamente, na solidão das águas, e só voltam à terra quando cai o crepúsculo da tarde. Mas nem sempre voltam...
— Muitos morrem, não?! — interrogou Alfredo.
— Alguns... O mar também tem fome, — e não é muito raro que a jangada, surpreendida pelo temporal, fique boiando sozinha, sem o seu jangadeiro, tragado pelas ondas ou devorado por um tubarão.
A jangada tinha desaparecido de todo. Agora, nada mais se via, senão o céu e a água... Desfez-se o grupou dos que conversavam, e os dois meninos ficaram ainda algum tempo contemplando o mar.
— Quantos perigos corre a gente aqui! — disse Alfredo.
— Nem tantos! — tranqüilizou-o Carlos. — Hoje a navegação é muito mais fácil, muito menos perigosa do que antigamente...
Ouviu-se um toque de sineta. Era a chamada para o jantar.