LXIV. A LINHA DO CENTRO
Rogério Cortes, expansivo, exuberante, falava sempre: a princípio, os rapazes pouco o ouviam, entretidos com as paisagens que se desenrolavam, e com o aspecto de cada estação em que parava o trem: Vargem Alegre, Pinheiro, Volta Redonda, Barra Mansa, Rezende... Mas nesta sucessão de estações a viagem, sempre pelo mesmo vale, já se ia tornando enfadonha.
Voltaram-se então os rapazes para o companheiro, e ouviram-lhe as explicações e descrições.
— Conhece a “Linha do Centro”, que disse partir da Barra do Piraí? — perguntou Carlos — já viajou por ela?
— Oh! Muitas vezes.
— E porque a chamam “Linha do Centro”?
— Certamente, porque é a linha que se dirige bem para o centro do país. É a linha principal. Esta aqui é apenas um ramal, que se continua com a Estrada de Ferro do Norte, e vai até São Paulo. Já percorri toda a linha do Centro.
— E a viagem é sempre monótona?
— Não. Há muita variedade de vistas, de paisagens. Partindo da Barra do Piraí, a linha vai margeando o Paraíba até pouco antes do ponto em que este recebe o Paraibuna, outro rio que vem do interior de Minas Gerais. Aí, na estação de Entre-Rios, a linha parte diretamente para o interior; um pouco adiante apanha o Paraibuna, e segue-o até para lá de Juiz de Fora, uma das mais importantes cidades mineiras. É uma questão de duas horas de viagem. Depois começa-se a subir a famosa serra da Mantiqueira. Já ouviu falar dela?
— Sim, — disse Carlos — é uma das mais altas do Brasil.
— Mas aí a serra tem um aspecto diferente da Serra do Mar, por onde passamos; é mais grandiosa, mais fechada, e o trem sobe fazendo uma grande curva. Passa em Palmira, e transpõe o alto da cordilheira na chamada “Garganta de João Aires”. É fortíssima a ventania aí; o lugar forma efetivamente uma garganta, e o vento esfuzia terrivelmente.
“Depois a estrada desce suavemente para Barbacena. Antes de chegar a essa cidade, há um ponto interessantíssimo, na chapada da Mantiqueira: de uma certa altura, vêem-se três córregos que irradiam e partem em rumos opostos: um leva a água para o rio Doce, que vem ter às costas do Espírito Santo; outro vai para o rio das Velhas e daí para o São Francisco; e o terceiro vai para o rio das Mortes e daí para os rios Grande, Paraná, Paraguai, e da Prata: de forma que a água de um pequeno aguaceiro, caído ali, pode dividir-se e espalhar-se para todas as direções, indo até quatrocentas ou quinhentas léguas de distância... Sabem porque se chama “das Mortes”, esse rio de que falei?
— Sei; — respondeu Carlos — porque aí se deu a célebre batalha dos Emboabas, entre os portugueses e os bandeirantes paulistas, que descobriram e exploraram todo este sertão do centro e do sul do Brasil, indo até Goiás e Mato Grosso.
— Contas-me isso, Carlos? — acudiu Alfredo.
— Depois, quando tiveres conhecido a cidade de São Paulo, de onde partiram quase todos os bandeirantes.
— De Barbacena para lá — continuou Rogério — o caminho vai cortando cabeceiras de diversos rios. É um terreno que muda de aspecto, de momento em momento. Vêem-se enormes faldas de montanhas cavadas pelos rios, profundas grotas, escarpadas furnas, boqueirões imenso. Foi aí que antigamente mais se desenvolveu a mineração. Chegando à estação de Burnier, depois de muitas horas de viagem, encontra-se um ramal, que vai a Ouro Preto, antiga Capital do Estado de Minas. É uma velha e interessante cidade, muito montanhosa, situada num centro de mineração.
— E Ouro Preto já não é a capital? — perguntou Alfredo.
— Não! — explicou Carlos. — A capital é hoje Belo Horizonte, uma cidade admirável, construída em poucos anos, e que custou cerca de trinta mil contos de réis.