LXX. O PROGRESSO PAULISTA
Na sala do hotel, esperando Rogério, os dois pequenos viajantes já cochilavam, quando a sua atenção foi despertada por uma voz afetuosa:
— Então, já viram toda a cidade?
Era o companheiro de viagem, o engenheiro de minas, que lhes dera tão boas informações sobre o ouro e os diamantes de Minas Gerais.
— Quase nada pudemos ver; — respondeu Carlos; — e, como devemos partir amanhã cedo...
— Pois é pena. São Paulo possui muita cousa digna de ser vista: magníficos jardins, esplêndidas casas, bairros novos já muito animados, e muitas boas escolas. O progresso desta terra nunca cessou. A imigração italiana tem dado grande desenvolvimento à lavoura, e as cidades do interior desenvolveu-se continuamente.
A um lado, na sala do hotel, alguns outros hóspedes conversavam em voz alta. Via-se que eram fazendeiros. Falavam do preço do café e da abundância da colheita naquele ano. Um deles dizia que a produção ia ser talvez de vinte milhões de sacas de sessenta quilos: mais da quarta parte da produção do café, de todo o resto do mundo...
— Estão ouvindo? — observou o engenheiro. — Mas não pensem que a única fortuna de São Paulo é o café. Se, porventura, — hipóteses absurdas! Desaparecesse a lavoura do café aqui, ou os mercados do mundo não consumissem a produção dos cafezais paulistas, — ainda assim a riqueza do Estado seria assegurada.
“Os governos têm sido previdentes, criando um sem número de outras fontes de opulência. Este povo é enérgico; a história de São Paulo é uma bela lição. Ainda existe a tradição dos bandeirantes!
— O senhor é paulista? — perguntou Carlos.
— Não. Sou mineiro, nasci em Campanha, e formei-me na Escola de Minas de Ouro Preto. Mas descendo de uma família de paulistas, — e de uma família de bandeirantes. Está claro, que não tenho “fumaças” nobreza: o homem vale unicamente por si mesmo; e de certo eu seria exclusivamente um “zero”, se todo o meu valor moral fosse apenas a vaidade de possuir um nome de antepassados...
— E ainda há famílias descendentes de bandeirantes?
— Muitas. Ah! Esses bandeirantes! E ainda não nasceu no Brasil um poeta, capaz de compor a definitiva epopéia sertanista! Aqueles homens, invadindo os sertões, criaram o Brasil. Gabriel Soares, Melchior Dias, Francisco de Souza, Fernão Dias Pais, Antônio Dias, Arzão, Bueno de Siqueira, Borba Gato, Moreira Cabral, Bueno da Silva e tantos outros, desbravaram as florestas virgens, e exploraram todo o território de São Paulo, de Minas, de Goiás e de Mato Grosso. E quantos episódios heróicos, quantas aventuras épicas! Essas peregrinações formaram pequenas aldeias, pequenos núcleos de civilização: e assim nasceram as cidades hoje admiráveis, cheias de vida, borborinhantes de trabalho e esplêndidas de fecundidade... Mas, voltando ao que dizia: São Paulo tem hoje todas as lavouras e todas as indústrias. Há aqui toda a variedade dos terrenos: há serras, matas, campos, zonas secas, zonas alagadiças, mangues, areais; de modo que todas as culturas têm sido experimentadas e adaptadas: abundância de arroz, de todos os cereais, de cana, de fumo, de cacau. Em todas as cidades, e, em torno delas, vibram e rumorejam fábricas, de onde saem todos os artigos, cujo uso é exigido pelas necessidades da vida civilizada. E o progresso moral é também extraordinário: a instrução primária, o ensino profissional são o orgulho de São Paulo.
— E a população, naturalmente, aumenta?
— Naturalmente. A riqueza natural, o conforto material, e a cultura moral atraem sempre as correntes imigratórias. Só em 1909, entraram em São Paulo mais de quarenta mil imigrantes.
Mas chegava Rogério:
— Vamos dormir! É tarde, e devemos partir cedo.