LXXVI. A VIDA NA AMAZÔNIA

Durante dois dias, esteve o paquete em São Luiz do Maranhão. Os passageiros espalharam-se pela cidade. São Luiz não tinha o aspecto sorridente de Fortaleza, nem a quietude simples do Natal. Era solene e triste; mas Juvêncio não se cansava de passear pelas ruas. Não poderia dizer porque, mas a terra agradou-lhe. Era a beleza geral da cidade, a sincera cordialidade da gente...

O pequeno sertanejo, sem instrução, não podia compreender bem todas as conversações que ouvia. Mas percebia o natural orgulho com que o povo falava da história do Maranhão, das guerras contra os franceses e os holandeses, e das revoluções contra o domínio português e o Império. Um homem do povo, que passeava com Juvêncio, à noite, ao luar, mostrou-lhe a estátua de Gonçalves Dias; e cantou, com uma singela música tocante, alguns versos do poeta maranhense:

Enfim te vejo! Enfim posso

Curvado a teu pés, dizer-te

Que não cessei de querer-te,

Pesar do quando sofri...

No dia seguinte ao da partida de São Luiz, discorria Gervásio, como de costume, falando a Juvêncio:

— Já deve estar cansado do mar, hein?

— Sim, já me tarda a chegar.

— Amanhã estaremos em Belém, e depois veremos o grande Amazonas: é um mar de água doce.

— O senhor conhece todo o Amazonas?

— Sim; todo o Amazonas, e muitos dos rios do interior: o Xingu, o Tapajós, o Madeira, o Purus, o Rio Negro... Todos eles vêm ter ao Amazonas...

— E porque há tanto dinheiro por lá, e de que é que vive a gente?

— Da borracha. A borracha é feita com o suco que se extrai de uma árvore, que há em abundância pelas matas extensíssimas, às margens dos rios. A árvore tem o nome de seringueira, e os lugares, onde se encontra em grande quantidade, são chamados seringais. Eu mesmo já tive um seringal. Vendi-o por sessenta contos.

“O seringal é dividido em ruas; cada rua — um certo número de árvores — está a cargo de um trabalhador, um seringueiro, que tem aí o seu rancho. De quarto em quarto de légua, ou de meia em meia légua, encontram-se esses ranchos. Às vezes, o seringueiro habita completamente só; outras vezes tem consigo a mulher, ou um companheiro. São geralmente cearenses, — caboclos do sertão do norte, que vão ganhar a vida na selva amazônica.

O Amazonas apresenta duas quadras completamente distintas; é é por elas que toda a vida se regula. A primeira é a época da cheia, de dezembro a abril, em que os rios transbordam sobre as terras baixas, e em que a extensão das matas é um alagadiço, todo varado de igarapés. A navegação é franca por toda a parte; descem as embarcações, carregadas de bolas de borracha; sobem outras, atulhadas de gêneros. Toda a gente sai do interior das selvas, e vem para os barracões altos, nos raros pontos não atingidos pelas águas, ou dirige-se para a capital.

Na outra época, que é a da seca, os rios afluentes, até caudalosos, tornam-se inavegáveis: cessa toda a comunicação das grandes povoações com o interior das terras; a mata está em seco, e os seringueiros entregam-se ao trabalho.

Logo que a terra enxugou, o seringueiro está no mato, na sua faina. Acorda às quatro e meia da manhã, e parte pela sua rua, levando pendente ao ombro um rosário de tigelinhas de folha. Chega à árvore, e vai talhando, à machadinha, a casca do tronco, e logo em baixo enterra o grampo da tigelinha, destinada a receber o leite que escorre do corte.

Em cada árvore, vai deixando oito, dez, quinze tigelinhas. Às oito ou nove horas da manhã, está terminada esta primeira parte do trabalho: e o homem volta, recolhendo o leito, de tronco em tronco.

Às dez horas, chega ao rancho para almoçar, rápida e frugalmente; e trata logo de fazer a borracha, isto é: defumar o leite. Nisto consiste o preparo da borracha. Queima-se num grande fogaréu um certo coco, de uma palmeira abundante ali, muito fumarento, e vai-se expondo à fumaça o leite da seringueira. Para isto, despeja-se todo o leite numa bacia ou num caldeirão; introduz-se aí um pedaço de pau, do tamanho de uma longa bengala um tanto grossa; retirado o pau, vem aderente a ele uma porção de leite viscoso, que é exposto logo à fumaça, até adquirir a consistência da borracha bruta. Leva-se esta ao depósito, e junta-se uma outra camada de leite, que é da mesma forma exposta à fumaça: e assim, sucessivamente, até formar-se um groso rolo, ou uma bola, com um orifício no centro, correspondendo ao pau que serviu de espeto.

Está, então, pronta a borracha, para ser entregue ao dono, ao fornecedor. Assim o seringueiro vai juntando no seu rancho a sua colheita, que dura três meses na média.