LXXVIII. O AMAZONAS
Em Belém, houve um grande movimento. Muitos viajantes desceram, muitos outros embarcaram. A cidade encantou Juvêncio pelo seu aspeto e pela sua agitação. Belos edifícios, ruas largas, bem calçadas e arborizadas, muita gente nas praças públicas e na grande avenida da República.
A partida de Belém para Manaus foi alegre: havia muitos viajantes novos, e o navio regurgitava.
Poucas horas depois, o Santo passava à vista de Breves, pequena povoação, e entrava depois, enfim, no Amazonas. Juvêncio não se fartava de admirar a portentosa paisagem que se desenvolvia a seus olhos. As águas desciam plácidas, como as de um grande lago que se deslocasse por entre florestas. Ora o vapor seguia o meio do rio, ora chegava-se para uma das margens, a roçar quase a ramagem da mataria que descia até às águas.
— Admire! Admire! — dizia com ingênuo orgulho o cearense a Juvêncio, atento a contemplar o grande rio. E continuava:
— É tudo assim. Adiante são ilhas e mais ilhas... Veja aquele banco de areia, coalhado de garças!...
— E é muito fundo o rio?
— Se é fundo! Talvez daqui a pouco encontraremos grandes árvores, árvores imensas, mas altas do que uma torre, descendo pelo rio abaixo, como se fossem gravetos; e troncos enormes mergulham nas águas, sem tocar o fundo do rio, e a sua copa, mais vasta do que uma casa, aparece boiando em cima, como uma ilha flutuante. Por vezes encontram-se mesmo verdadeiras ilhas flutuantes...
— Mas de onde vêm essas árvores e ilhas?
O imediato do navio, ouvindo a conversação, deu ao pequeno sertanejo as explicações que Gervásio não lhe sabia dar:
— O rio nem sempre está neste nível. Há regularmente época da cheia, e a outra, da vazante. Em fevereiro, março, abril, — o Amazonas e todos os afluentes começam a encher, e o seu nível sobe mais de quinze metros. Então, todas as ilhas baixas desaparecem; as margens são inundadas, cobertas: todos esses braços do rio, esses “furos”, e lagos — comunicam-se; as águas invadem tudo, alagam todas as florestas, e as canoas podem viajar pelo mato a dentro, léguas e léguas... Depois, quando começa a vazante as águas, escoando-se para o leito do rio, cavam as terras frouxas e encharcadas das margens, e fazem cair grandes bancos de terra, arrastando tudo quanto ali existe. Os índios daqui — porque ainda se encontram muitos índios, quase todos já domesticados — os índios conhecem bem quando a terra começa a afrouxar, e embarcam logo, para não ser arrastados. Assim, desaparecem ilhas inteiras. Nessas destruições, acontece que se entrelaçam grandes árvores, e a elas se vem juntar então uma erva que nestas águas se desenvolve muito — a canarana, — formando ilhas flutuantes, sobre as quais não é raro encontrar até animais terrestrês.
Passaram dias... A grandeza da paisagem, a contínua majestade das águas, a constante opulência da vegetação verde e assombrosa causavam já monotonia.
O Santos navegava entre as ilhas, seguia as sua rota, sem incidentes. Passou por Obidos...
O imediato e Gervásio conversavam sempre com Juvêncio, alimentando a sua curiosidade, desvendando-lhe a novidade daquelas regiões maravilhosas. Gervásio, que conhecia os habitantes de quase todos os seringais e “sítios” que se viam pelas margens do rio, contava a existência daquela gente corajosa; narrava a fartura, mas às vezes as tristezas dos trabalhadores, e a história das grandes fortunas que tinham granjeado, alguns proprietários dos seringais. O imediato, por seu turno, relatava as suas viagens pela extensão do “rei dos rios”; e descrevia o imenso percurso da formidável artéria fluvial, — nascendo na República do Peru, chamando-se a princípio Velho Maranhão, depois Novo Maranhão quando entra no território brasileiro, depois Solimões, e enfim Amazonas; e falava ainda o imediato das povoações que marginam os afluentes do Amazonas, e as cidades recém-nascidas que já estão florescendo no Acre...
Enfim, numa tarde linda, o navio, deixando as águas do maior dos rios do Brasil, entrou no rio Negro, e fundeou no porto de Manaus.