LXXIX. ENCONTRO COM OS TIOS
Agora, que o nosso bom Juvêncio chegou ao seu destino, podemos encontrar-nos de novo com os outros dois heróis desta narrativa, — Carlos e Alfredo.
No sexto dia depois da saída de Santos, estavam em frente à barra do Rio Grande. A vista da terra, onde poderiam enfim descansar, e o pensamento dos parentes que iam encontrar, restituíram-lhes a animação. Voltaram-lhes ao olhar o fulgor e ao espírito a curiosidade dos primeiros dias.
A costa, baixa, parecia-lhes bem diferente daquelas por onde haviam passado desde Espírito Santo até Santa Catarina. O mar raivoso era mais terrível, e o frio mais vivo.
— Boa ou má estará a barra? — era a pergunta de toda a gente.
A barra estava boa: o paquete ultrapassou-a serenamente, e logo depois passava perto da pequena povoação de São José do Norte, para chegar à cidade do Rio Grande, onde esperava Carlos que os tios os viessem receber.
Mas nenhum conhecido apareceu no primeiro momento, o que foi uma forte decepção. Rogério procurou distraí-los, convidou-os a seguir para Porto Alegre.
— Não! Sei que meus tios não podem deixar de vir! — disse Carlos.
Efetivamente, alguns minutos depois de fundeado o navio, apareceram a bordo dois homens, procurando pelos rapazes. Eram eles.
Carlos reconheceu-os logo, principalmente o mais moço, pela sua extrema semelhança com aquele, cuja imagem ainda o menino guardava nos olhos e no coração.
E os meninos caíram nos braços dos tios, aos soluços, soluços convulsivos, que diziam toda a saudade, todo o desespero, que traziam acumulados na alma. Mas os tios não os deixaram assim por muito tempo:
— Ora! Ânimo! Para que chorar?...
E isto diziam num tom tão natural, tão desprendido, que a Carlos pareceu quase impossível que assim lhe falassem parentes... O rapaz ergueu a cabeça, e olhou-os surpreendido, quase indignado. Então, maior foi o seu espanto, ao reparar que os tios não estavam cobertos de luto.
— É verdade! — disse um dos tios — ainda não tomamos luto. Depois lhe direi porque! Agora vamos desembarcar. E não nos demoraremos na cidade; vamos para a estância, onde está mamãe.
— Mas porque não estão de luto? — perguntou Carlos, sem se conter, assim que desembarcaram.
— Porque não podemos ter a certeza da morte de seu pai! Esperávamos vocês, para saber alguma cousa mais segura. Que certeza têm da morte de seu pai? Viram-no, morto?
— Não...
— E então? Não se pode aceitar um fato importante, como este, sem uma prova, ou, ao menos, um fundamento razoável, um indício ponderável... Ainda, esperamos ter a certeza.
Ouvindo isto os dois meninos entreolharam-se, e sentiam-se cheios de uma nova animação. Pareceu-lhes outro o mundo... era como se, na treva de uma noite espessa, tremeluzisse o primeiro raio longínquo da luz de uma estrela.
Carlos perguntou, ansioso:
— E agora? E como?...
O tio sorriu, abraçando-o, confortando-o:
— Agora? Como? Esperemos! Quando suspeitamos a existência de uma desgraça, não podemos ter a segurança da sua impossibilidade, mas também não devemos perder toda a esperança. Esperemos! E vamos seguir imediatamente para Pelotas; hoje mesmo iremos para a estância, onde mamãe nos espera ansiosa.
Despediram-se do excelente Rogério, e partiram.
Deste modo, nem puderam ver o Rio Grande. Tiveram tempo apenas para almoçar e partiram. Viram o cais, e duas ou três ruas principais.
— Há povoações inteiras de alemães, aqui; são as antigas colônias, — explicavam-lhes os tios. É como em Santa Catarina...
Ás duas horas da tarde, chegaram a Pelotas. A cidade pareceu-lhes linda, situada numa eminência alegre. Mas a ânsia de chegar era grande.
Às cinco horas da tarde, estavam na “estância”, que é o nome dado no Rio Grande às fazendas de criação.
A velha avó não se pôde conter: recebeu-os em pranto, lágrimas ao mesmo tempo de prazer e saudade. Beijando-os, parecia-lhe beijar o próprio filho, que vira pela última vez havia onze anos. Quanto aos rapazes, esses continuavam naquele estado incerto de sonho e dúvida em que os havia deixado as palavras dos tios...