LXXXI. O GAÚCHO

— O gaúcho é um tipo humano, especial. — disse Roberto. — O ar franco, a vida sadia do campo, a liberdade, o espetáculo quotidiano de um horizonte ilimitado, dão a esta gente um temperamento distintivo, uma força de alma, uma independência e uma alegria extraordinárias. Os homens são naturalmente corajosos, dispostos a arriscar a vida, sem pestanejar perante a morte. E são naturalmente nobres, incapazes de uma traição. Amigos do trabalho e da ordem, têm um certo ar de arrogância, mas não são turbulentos sem razão; o que os indigna e revolta é qualquer ameaça de escravidão, qualquer suspeita de servilismo. E são cavaleiros admiráveis!... Um escritor disse que o gaúcho é um “centauro”. Sabem o que isto quer dizer?

— Sei! — disse Carlos — É uma ficção da mitologia, monstro fabuloso, meio homem e meio cavalo.

— Pois é assim um cavaleiro riograndense. O cavaleiro e o cavalo são inseparáveis. Vejam: lá está um gaúcho, e, não longe, o seu cavalo.

Por trás de um grande potreiro, viram um homem, de cócoras, picando fumo para o cigarro. Era moreno, musculoso, desempenado. A curta distância, pastava o cavalo, arreado, com o laço pendente da sela.

Os estancieiros apresentaram-lhe os sobrinhos, e contaram-lhe rapidamente a história da longa travessia dos rapazes. Depois nomearam-lhes o gaúcho, dizendo: “É o mais forte destas cochilhas no laço e na bola”.

O gaúcho riu, e não tardou a mostrar as suas reais habilidades. Não longe dali, relinchava um potrilho; e o homem, tendo montado a cavalo, fez girar a longa corda de couro cru, tecida, terminada em três pontas, cada ponta com uma bola. Segurou a extremidade livre da corda, e agitou no ar as três bolas, atirando-as depois na direção do animal, que imediatamente se viu preso; as cordas emboladas enrolaram-se-lhe em torno das pernas, peando-o completamente. O potro pinoteava, furioso, com grande prazer dos rapazes para quem o espetáculo era inteiramente novo.

Depois, ainda viram com admiração e comoção o gaúcho montar em pêlo um cavalo chucro: o animal corcoveava, relinchava, escouceava, mas não conseguiu deitar ao chão o cavaleiro, que acabou por subjugá-lo e reduzi-lo à obediência.

Quando chegaram à casa, a velha avó os recebeu à porta, dizendo?

— Ouçam, meninos! Não me contenho mais! Quero dizer-lhes toda a verdade! Não a disse mais cedo, porque sei que muita alegria também faz mal, e receava que vocês ficassem fulminados pela boa notícia... Ouçam, seu pai não morreu! Não foi ele quem morreu! Não foi ele quem morreu! Seu pai está vivo!...