VI. A VIDA SELVAGEM

— Os primitivos habitantes do Brasil formavam muitas tribos, disseminadas pelo interior e pelo litoral do país, e estando quase sempre em guerra umas contra as outras. Viviam da caça e da pesca. Caçavam, às frechadas, os porcos do mato, as pacas, e as aves; para pescar, empregavam umas redes pequenas a que davam o nome de puçás, e uma espécie de cesto afunilado, chamado giquí. Enquanto os homens andavam pescando, caçando ou guerreando, as mulheres ficavam nas casas, fabricando uma bebida forte, denominada cauim, tratando das sementeiras e das plantações, e preparando a farinha, que era um dos principais alimentos dos selvagens.

— E tinham casas, como as que temos? — perguntou o pequeno.

— Tinham casas que não eram tão bem feitas como as nossas, mas serviam perfeitamente para abrigá-los. As aldeias dos índios chamavam-se tabas, e compunham-se de várias ocas, ou barracas feitas de paus e barro, sem divisões interiores, e tendo apenas esteios, onde se penduravam as redes. Em torno da taba, levantavam uma paliçada, feita de troncos ou de espiques de palmeira, servindo de defesa.

— E andavam vestidos como nós?

— Qual! Andavam nus, apenas com alguns ornatos feitos de penas. Na cabeça tinham comumente uma espécie de diadema, acanguape; em torno dos rins, traziam uma tanga, enduape; e usavam ainda colares e pulseiras, algumas vezes formados por enfiadas dos dentes que arrancavam da boca dos inimigos mortos na guerra.

Homens e mulheres costumavam untar todo o corpo com uma tinta oleosa, que extraíam de certas plantas. Alguns usavam furar os beiços, as narinas, as orelhas, encaixando nos furos pequenos batoques de madeira.

— E como eram as guerras?

— Ah! Eram terríveis! Eram verdadeiras guerras de extermínio. Algumas tribos odiavam-se tenazmente, com um rancor que só desaparecia quando uma delas era totalmente destruída pela outra. Os prisioneiros eram comidos ou escravizados. As armas eram variadas. Havia os grandes arcos, por meio dos quais atiravam as longas frechas, cuja ponta formada por ossos ou dentes afiados era algumas vezes envenenada; havia as grandes lanças de pau-ferro, que eram arremessadas com uma certeza de pontaria admirável; havia as tamaranas ou tangapemas, que eram pesadas clavas, ou maças de madeira; e havia as esgravatanas, tubos ocos, com os quais, por meio do sopro, atiravam-se setas finas a grandes distâncias. Essas armas eram todas fabricadas pelos selvagens, cuja indústria relativamente adiantada ainda se revelava no fabrico de vários utensílios domésticos, como cestos, redes de pesca, vasilhas para cozer mandioca, e talhas ou igaçabas, que serviam para guardar a água, o cauim, a farinha, o peixe moído, e dentro das quais algumas tribos enterravam os seus mortos. Como instrumentos de música, tinham os índios trombetas, das quais a mais usada era a inúbia ou buzina de guerra; o membí que era uma gaita feita com um osso de coxa humana, um fêmur escavado; e o maracá, espécie de chocalho, constituído por uma cabeça cheia de pequenos ossos e pedras.

Alfredo ouvia com grande atenção o que o irmão lhe dizia. Mas não lhe saía da cabeça, particularmente, a idéia horrível dos banquetes de carne humana...

— Que barbaridade! E ainda há muitos índios no Brasil?

— Há ainda alguns, no interior do Amazonas, do Pará, de Mato Grosso, de Goiás, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Maranhão, conservando a sua vida independente e os seus costumes ferozes. Mas, perto das povoações, já todos eles se vão convertendo à vida civilizada...

— Patrãozinho! — disse neste ponto o camarada — acho melhor arrancharmos neste lugar.

Os três viajantes tinham chegado ao pé de um córrego. Apearam-se e amarraram as rédeas dos cavalos às árvores. Havia mosquitos, voando e zumbindo. Benvindo, o camarada, para afugentá-los, juntou uns gravetos no chão, deitou-lhes fogo, com o auxílio de um fósforo; abanou com o chapéu a pequena fogueira; e, daí a pouco, as chamas crepitaram, vivas e alegres. Sentaram-se e começaram a jantar.