XIII. UM NOVO COMPANHEIRO

Carlos reanimou-se... Houve um silêncio, e, depois, a voz, já mais perto, repetiu a copla. Daí a pouco, assomou na estrada um viajante.

Era um rapazinho de dezesseis ou dezessete anos, vestido à moda do sertão: camisa de algodão grosso branco, paletó e calças de algodão riscado, sapatos e chapéu de couro vermelho. O tipo era simpático, moreno, entre caboclo e mulato, — de rosto largo, boca rasgada, olhos vivos e inteligentes. Alfredo quase ficou assustado, quando o viu perto de si; mas o tom de voz do viajante logo dissipou todos os receios:

— Que é isso? O menino está doente? — perguntou ele a Carlos.

— Não. Está muito cansado, e com muita sede. Não haverá aqui perto uma casa, um abrigo qualquer, — ou ao menos uma fonte?

— A falar verdade, não sei, porque não conheço estas paragens, e nunca por aqui me perdi: mas é impossível que não more alguém por aí fora... Quanto a água, ainda tenho um bocado na cabaça...

E, tirando a cabaça, que trazia ao ombro presa à extremidade de um cacete, entregou-a a Carlos. E continuou, indicando o sul:

— Olhe! Ali para aquele lado há uma quebrada coberta de mato... não vê? Pois, ali deve haver água... Vosmecês para onde vão?

— Para Vila Nova da Rainha.

— Ah! Então, vamos fazer juntos a viagem, porque eu também vou para lá.

— Nós não conhecemos o caminho...

— Isso não importa! “Quem tem boca vai a Roma...” Agora, precisamos sair daqui, porque este sol é que está fazendo mal a seu irmãozinho. Vamos andando para a frente, a ver se encontramos alguma moradia por aqueles lados!

— Mas, senhor... disse Carlos, hesitando, por não saber o nome do novo companheiro.

— Chamo-me Juvêncio...

— Mas, Sr. Juvêncio, se as casas não estiverem à beira do caminho, passaremos por elas sem as ver...

— Isso não! Se houver casas, há de haver algum caminho que venha ter à estrada, — disse o novo companheiro.

E, voltando para Alfredo:

— Dê-me o seu embrulho; vosmecê está tão cansadinho que mal pode agüentar-se.

Tomou o embrulho, e suspendeu-o ao pau, que levava ao ombro, juntamente com uma trouxa e a cabaça de água. E puseram-se a caminho.

— Vosmecês não são daqui?

— Não. Somos do Recife.

— E que é que andam fazendo por aqui?

Carlos hesitou um momento sobre se devia contar ou não a sua história àquele desconhecido. Mas a fisionomia deste era tão franca, e o seu olhar denotava uma tão rude e boa sinceridade, que o menino não se conteve, e narrou-lhe os acontecimentos que o tinham trazido até ali. Juvêncio ouvia-o com interesse e compaixão; e, enquanto o ouvia, ia examinando a estrada, de um lado e de outro. Em certa altura, exclamou:

— Olhem! Aqui está uma batida que desce. Quem sabe se ali em baixo há uma casa?

Carlos e Alfredo atentaram, e viram que o que ele chamava “uma batida” era um trilho estreitíssimo, quase invisível, como um caminho de formigas. Dirigia-se para a esquerda, e ia ter a um capão de mato. Seguiram por ele esperançados. O terreno era mais fresco, a vegetação viçosa. Pouco adiante, o trilho enveredou por dentro do mato, entre árvores grossas e altas de troncos direitos.

Iam a um de fundo. O rapaz seguia na frente, muito animado e comunicativo, conversando sempre. De repente, estacou, pousou no chão os embrulhos e a cabaça de água, e desfechou com o pau uma forte pancada no solo.

— Que é? — gritou Alfredo.

— Uma cobra... uma cascavel — disse o rapaz, com naturalidade.

O pequeno recuou assustado.

— Não é nada! Isto aqui pelo mato é assim... quem anda pelo mato encontra cobras... Mas quem está acostumado já não se espanta. Tudo está em ter a gente muito cuidado, e ver onde pisa. O perigo está em bater em uma delas com o pé: estas cobras geralmente só atacam a gente quando são tocadas...