XIV. O RANCHO

Logo adiante, acharam uma casinha.

Em frente, havia um curral, já meio arruinado; do outro lado, uma roça inculta.

A casa era verdadeiramente uma choça miserável, — um rancho de sapé, com paredes de pau a pique, esburacadas. A porta estava aberta, mas o mato crescido que por ali se via, o silêncio que reinava, o ar de abandono que se notava — tudo indicava que não morava viva alma naquela palhoça. Em todo o caso, quando chegaram à porta, os três viajantes gritaram, bateram; como ninguém aparecesse, foram entrando sem cerimônia.

Dentro do rancho, o abandono era o mesmo. Havia dois compartimentos, comunicando por uma porta, rasgada a um lado da parede divisória: ambos estavam desertos.

— Eh! — exclamou Juvêncio — aqui ninguém mora... Mas, já agora, pousaremos aqui mesmo; daqui não saio, nem por ordem do rei!

Alfredo, já mais animado com a perspectiva do descanso que ia gozar, não pôde deixar de rir:

— Qual rei! Não há mais rei no Brasil! Agora quem pode dar ordens é o presidente da República!

— Pois seja lá quem for — disse, rindo também, o rapaz. — Não saio daqui hoje!

— E se vier o dono? — objetou Carlos.

— Qual dono! Isto é com certeza o rancho de algum vaqueiro, que anda agora por longe, e só pousa aqui quando traz o gado para estes lados: quando o gado muda de comedia, ele muda também de rancho. Não vêem vosmecês como está tudo isto? Aqui não entra gente há mais de dois meses...

dizendo isso, o rapaz percorria todo o rancho, que estava, de fato, deserto. Em um dos compartimentos, via-se um cepo de madeira, e, a um canto, uma forquilha de três ramos; no outro, havia um couro seco pendente da parede.

— Bem! Arranjaremos a nossa vida! — disse o caboclo.

Pôs sobre a forquilha a trouxa e a cabaça, e, saindo para o mato, cortou três ou quatro ramos de uma erva rasteira, formando uma vassoura, com que limpou o chão do rancho.

— Agora, vamos arranjar um foguinho, para espantar os bichos.

Carlos e Alfredo saíram à procura de lenha, e voltaram logo com uma boa porção de gravetos. Juvêncio tirou do bolso uma caixa de fósforos, riscou um deles com cuidado, e abrigando a chama com a mão espalmada, para livrá-la do vento que entrava pela porta do rancho, acende um molho de palhas secas, e meteu-o por baixo da lenha: dali a pouco a fogueira crepitava.

— Agora, o que nos falta é água, — disse o rapaz. — A da cabaça está quase acabada. Mas aqui perto há água, com certeza. Ninguém se lembraria de construir um rancho em lugar privado de água. Ali em baixo, bem perto, deve brotar alguma fonte, ou passar algum córrego. Vosmecês esperem por mim, que vou ver...

— Mas como há de você acertar com o riacho ou com a fonte, agora, se nunca andou por aqui?

— Oh! É muito simples! Perto da fonte, deve haver no mato a vereda que lá vai ter, — caminho de gente, e caminho de bicho: tudo está em prestar atenção ao terreno e saber ver...

Daí a pouco, Alfredo e Carlos ouviam Juvêncio gritar, a uns vinte passos de distância do rancho, escondido pelas ervas:

— Eu não disse? Cá está o caminho!

Alfredo, apesar de mais animado, estava encolhido num canto da choça, denotando no abatimento da fisionomia o cansaço que o prostrava.

— Bom rapazinho, este, hem? — perguntou Carlos.

— É verdade. Quem será ele?

— Havemos de sabê-lo. O que é certo é que foi para nós uma grande felicidade o encontro. Não sei como nos arranjaríamos sem ele, — ignorantes do caminho e de tudo, perdidos nesta solidão.

Ouviu-se uma voz, que se aproximava cantando.

— Aí vem ele...

Era de fato Juvêncio que cantava alegremente, como se estivesse na situação mais feliz na vida. Mas a melopéia da toada era tão lúgubre, a hora era tão melancólica, que a cantiga, ouvida pelos rapazes, ainda abalados pela sua grande desgraça, entristeceu-os, enchendo-lhes de lágrimas os olhos.