XLIV. UM ANÚNCIO

Carlos saíra, sem destino, para se distrair. Deu duas ou três voltas, e parou na venda da vila, — estabelecimento que era ao mesmo tempo armarinho, hospedaria e armazém de víveres.

À porta, um pequeno tomava conta de alguns cavalos arreados. Sentado no poial da entrada, um preto velho fumava cachimbo. De lá de dentro vinham vozes de pessoas que conversavam e riam. Carlos entrou para pedir um pouco de água.

Três viajantes, aos quais pertenciam, de certo, os cavalos que estavam à porta, jantavam em torno de uma mesa, ao fundo da venda. Tinham deixado sobre o balcão os chapéus, os rebenques e outros objetos de uso.

Bebendo água, Carlos reparou que, entre esses objetos, havia um maço de jornais dobrados e atados com um barbante, — e reconheceu logo que eram jornais da Baía. Imediatamente, surgiu-lhe no cérebro uma idéia: aqueles jornais trariam, talvez, notícias que o interessariam... Refletindo melhor, não pôde deixar de sorrir dessa idéia: agora que o pai estava morto, que poderia haver de interessante em tal leitura? Mas apesar dessa reflexão desconsolada, a idéia voltou a martelar-lhe o cérebro. Não se conteve mais, e perguntou ao proprietário da venda:

— Faça-me um favor: pode dizer-me a quem pertencem aqueles jornais?

— São de um daqueles viajantes que ali estão jantando.

O menino ainda hesitou. Mas o desejo de ler os jornais foi mais forte do que o acanhamento e dirigindo-se aos homens que jantavam, Carlos perguntou-lhe se lhe permitiam passar os olhos pelas folhas...

— Que é que você quer ver nos jornais, menino? — perguntou um dos sujeitos.

— Tenho parentes na Baía, e como não vou lá há muito tempo...

— Pois, leia as folhas, contando que não as estrague, e torne a dobrá-las com cuidado.

O menino sentou-se, perto da porta, sobre um caixão, e começou a desdobrar e a percorrer com a vista os jornais. Nos dois primeiros, que abriu, nada encontrou. Mas no terceiro, logo na primeira página, achou algumas linhas que o perturbaram, fazendo-o empalidecer de comoção.

Era um aviso da redação, com o título: “Meninos desaparecidos”.

Dizia: “pedem-nos que chamemos a atenção dos nossos leitores e das autoridades deste Estado e dos Estados vizinhos para o anúncio que publicamos, na seção competente, sobre o desaparecimento de dois meninos, alunos de um colégio do Recife”.

Carlos procurou ansiosamente a seção dos anúncios, e encontrou logo naquele que buscava, e vinha encimado pelo mesmo título da notícia: “De um colégio do Recife desapareceram há dias dois alunos, Carlos e Alfredo, o primeiro de 15 anos de idade, e o segundo de 10, filhos do engenheiro Dr. Meneses. Dar-se-á uma boa recompensa a quem os apresentar, ou a quem deles der notícias seguras, ao Sr. Inácio Mendes, negociante, à rua... n. ...., nesta cidade da Baía”.

O menino abençoou o pressentimento que tivera ao avistar o maço de jornais sobre o balcão; tomou nota da rua indicada no anúncio e do nome do negociante, e, depois de dobrar com cuidado as folhas e de agradecer aos viajantes, saiu apressadamente, para comunicar a notícia a Alfredo e Juvêncio.

Na oficina cessara o trabalho. Era hora do jantar. Quando Carlos entrou, já estava preparada a refeição, frugal mas boa, a que o ferreiro, os seus ajudantes, e os três meninos souberam fazer honra. O ferreiro estava satisfeito com o trabalho de Juvêncio, e conversava com animação. Juvêncio e Alfredo notavam que Carlos estava visivelmente preocupado: e observavam que o seu ar era mais de alegria do que de tristeza.

Terminado o jantar, Carlos chamou de parte o sertanejo e o irmão, e deu-lhes parte do que acabava de ler no jornal da Baía. Alfredo começou logo a saltar de contente. Mas o irmão mais velho ainda não via o horizonte cor de rosa...

— Tudo está muito bom, mas ainda não sei como havemos de chagar até a Baía...

— Ora! Como havemos de chegar à Baía! — exclamou Juvêncio — como chegamos até aqui! Nestes dois dias de trabalho, sempre hei de ganhar alguma cousa, e poderemos caminhar até Vila Nova. Daí por diante, veremos! Deixe estar, que não havemos de morrer à fome!