XVIII. CONTINUA A HISTÓRIA

“Minha madrinha abraçou-me chorando — prosseguiu Juvêncio — e quis que eu partisse imediatamente. Mas tranqüilizei-a, dizendo-lhe que eram apenas onze horas da manhã, e que somente à noite o desalmado me procuraria. Era um engano! Por volta de meio-dia, ouví a voz dele: — Está aqui, sim! Está aqui! Não negue!

— Minha madrinha, pálida de terror, só me pôde gritar: —Ganha o mato, Juvêncio!

“Voei pelo quintal, como um foguete. Por trás da casa, entendia-se um catingal: caí nele, e corri, sempre para a frente, durante uns dez minutos. Parei, e verifiquei que ninguém me seguia. Arrependi-me logo de ter fugido: refleti que o miserável talvez se vingasse de mim, espancando a mulher... Dei uma volta, e ganhei a estrada. Daí avistei o meu perseguidor, que voltava para o povoado, em companhia de dois soldados. Escondi-me, para que não me vissem, e, quando calculei que já deviam estar longe voltei à casa: não tinha almoçado, e estava caindo de fome. Enquanto eu comia alguma coisa, minha madrinha e a irmã resolveram ir à vila, à procura de informações sobre o que meu inimigo contava fazer.

“Voltaram às quatro horas da tarde, muito contentes. Falaram ao delegado, e este dissera-lhes que estava tudo acabado, que ficassem tranqüilas, que eu não seria preso...

“Não acreditei nisso, pois bem sabia que o ódio do meu tutor era implacável. O que me tranqüilizava era que, devendo haver eleições no dia seguinte, o delegado, os oficiais de justiça, e os soldados estariam muito ocupados, e não pensariam em mim. Em todo o caso, deliberei partir ao raiar do dia. Jantei, e deitei-me cedo. Pelo meio da noite, ouví a voz de minha madrinha, que me chamava: — Acorda, Juvêncio! Acorda, que o maldito está aí!

“Tinha-se formado uma grande tempestade; e entre o ruído da queda da chuva e o rumor forte dos trovões, ouvi a voz de meu tutor, que bradava:

Abram! Abram! Senão, meto a porta dentro! — enfiei as calças às pressas, e corri para a porta do fundo. Mas, ouvindo vozes, compreendi que estava cercado. Fui à cozinha, onde o telhado era tão baixo que a mão facilmente o alcançava, afastei duas telhas, subi para o teto da casa, saltei para o catingal, e desatei a correr como um louco, tomando o rumo do sul, que era a direção oposta à da vila.

“Um pouco adiante, alcancei a estrada. Mas a chuva caía sem cessar. Era um verdadeiro dilúvio! Descia pela estrada, numa cachoeira; e tudo estava tão escuro, que eu só via onde punha o pé quando um relâmpago alumiava o céu. Molhado inteiramente, com a roupa pegada ao corpo, corria sempre, para o lado da mata. Era o que me valia: era esse o lado que eu mais conhecia. Quando já me pareceu ter andado uma légua, parei, e tentei achar um abrigo. Foi em vão. Chovia cada vez mais, e as árvores, sacudidas pela ventania, escorriam água. Continuei a caminhar. Andei mais meia légua. A tempestade abrandou. A chuva foi cessando, e apareceram os primeiros clarões do dia. Entrei no mato, e encostei-me a uma pedra, para descansar um pouco. Encolhido, regelado até os ossos, adormeci.

“Quando acordei, devia ser meio-dia. O sol estava a pino, quente como fogo. Mas eu tremia, sacudido por uns tremores, como os calafrios das sezões. Doíam-me a cabeça, o peito e as cadeiras. Sentia ânsias. Veio-me uma tosse seca, e comecei a sentir uma dor muito forte, muito fina, sob as costelas. Não podia respirar, e parecia-me que, tonta, a cabeça andava à roda. Olhei em torno e reconheci que estava justamente no ponto do mato, tão meu conhecido, onde vinha sempre fazer carvão. Quis levantar-me, mas as pernas doíam-me tanto, que fiquei quieto.

“Ah! Vosmecês não podem imaginar o que senti então! Via-me ali perdido, desamparado, sentindo que ia morrer, sem esperar socorro! E pensava: — se fico aqui, morro abandonado, sem Ter quem me dê um golpe d’água: se saio para a estrada, prendem-me, e vou sofrer as maldades daquele homem ... eu que nunca fiz mal a ninguém!...

“Fiz um esforço desesperado, levantei-me, andei uns dez passos e dei com uma picada, um caminho de arrastão de madeira. Verifiquei que estava perto de casa de um velho serrador, onde eu e os meus companheiros da oficina descansávamos às vezes, quando vínhamos fazer carvão. Animei-me, e arrastei-me para lá. Mas pernas não me podiam levar. Deixei-me cair no chão, — e, por felicidade, avistei o velho serrador, com as suas grandes barbas brancas de missionário. Ele reconheceu-me, aproximou-se, tomou-me ao colo ...

“Perdi os sentidos ...