XXIX. SEPARADOS

Vendo partir Juvêncio, Carlos e Alfredo esqueceram as mulheres lavadeiras; sentiram-se sós e tomados de uma grande tristeza. O sertanejo fazia-lhes muita falta ao coração; amavam-no já como se fora um irmão. Demais, Juvêncio era a vida, a animação, a alegria do grupo. Tudo aquilo, agora, lhes parecia morto; o rio, o sol, as árvores, o céu, a corrente: — tudo, sem o companheiro, se lhes mostrava tôrvo e triste. Foi a rapariga quem rompeu o silêncio.

— Mas que é isto? Parece que saiu daqui um defunto: estão todos tao tristes! Porque tanta tristeza?!... Pois amanhã não se encontram todos, outra vez?... Ora, vamos daí, vamos pescar...

— Sim, — disse a velha — vai, Maria! Tomo conta da roupa, e tu aproveita a linha e o anzol, e vê se apanhas algumas piabanhas, para o jantar. E Vocês (para os dous rapazes) irão jantar em casa, dormirão lá, e partirão amanhã.

O resto do dia passou-se relativamente bem. As mulheres nunca estavam caladas, conversavam e cantavam sem descanso, contando histórias aos rapazes, que já escutavam com prazer. A rapariga pescava. As outras, batiam, ensaboavam, torciam, estendiam, borrifavam a roupa; e Alfredo acompanhava com interesse o trabalho das lavadeiras, com os braços nus, mostrando as veias salientes, e cobertos de espuma de sabão; divertia-se, vendo a roupa, que, antes de ficar molhada, flutuava sobre a água do rio. Carlos, ao lado da rapariga, acompanhava as peripécias, da pescaria. Ela preparou o outro anzol, e ensinou-lhe a maneira de fisgar o peixe:

— Quando sentir algum movimento no anzol, vá levantando e abaixando devagar a linha; e assim que sentir resistência, dê o puxão. Vamos! Experimente!

Carlos aproveitou tão bem a lição, que conseguiu apoderar-se de dois peixes, que, com os outros já pescados pela rapariga, deviam dar um farto e excelente jantar.

Alfredo viu a velha tirar alguns objetos de dento de um são todo de couro, coberto de pêlos espessos.

— Que saco é esse? — perguntou.

— É um surrão. — E como percebesse que o pequeno não entendera a resposta, explicou: — O surrão é um couro inteiro de bode. Mata-se o bode, corta-se-lhe o couro junto da cabeça, e vai-se puxando pouco a pouco, — com o mesmo jeito de quem tira uma meia do pé. Corta-se depois o couro, junto dos pés do bode, e ele sai inteiro; enche-se de palha, põe-se a secar ao sol ou ao vento, e obtém-se um saco como este; é só o que se usa no sertão.

— Mas esse saco deve cheirar mal...

— Cheira mal a princípio, quando está novo; mas, depois de curtido o couro, o cheiro desaparece.

No correr da conversa, a velha, sabendo que Carlos e Alfredo tinham dormido na véspera sob o telheiro da venda insistiu para que fossem passar aquela noite em sua casa.

— Lá jantaremos! — disse ela. — Vamos, que já trabalhamos bastante, e ganhamos bem o nosso dia.

As lavadeiras recolheram as roupas, e os rapazes seguiram, com elas.

O sol ia caindo... Longe, chiava um carro de bois. Uma aragem fresca sacudia as ingazeiras, e a água do riacho corria com um murmúrio suave a que se casava o canto dos pássaros.